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Cotas raciais: vagas em cargos e empregos públicos e mecanismo de controle de fraude

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06 de julho, 2017

O Tribunal iniciou julgamento de ação declaratória de constitucionalidade em relação à Lei federal 12.990/2014. A norma reserva aos candidatos que se autodeclararem pretos ou pardos 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos e empregos públicos. Prevê também que, na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão, após procedimento administrativo. A lei ainda dispõe que a nomeação dos candidatos aprovados respeitará os critérios de alternância e proporcionalidade, que consideram a relação entre o número de vagas total e o número de vagas reservadas a candidatos com deficiência e a candidatos negros.

O ministro Roberto Barroso (relator) julgou procedente a ação. Ele foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux.

Inicialmente, enfrentou a questão das cotas raciais em três planos de igualdade, tal como compreendida na contemporaneidade: (a) formal; (b) material; e (c) como reconhecimento.

Segundo o relator, a igualdade formal impede o estabelecimento, pela lei, de privilégios e diferenciações arbitrárias entre as pessoas, isto é, exige que o fundamento da desequiparação seja razoável e que o fim almejado seja compatível com a Constituição. No caso analisado, o fundamento e o fim são razoáveis, motivados por um dever de reparação histórica e por circunstâncias que explicitam um racismo estrutural na sociedade brasileira a ser enfrentado.

Quanto à igualdade material, observou que o racismo estrutural gerou uma desigualdade material profunda. Desse modo, qualquer política redistributivista precisará indiscutivelmente assegurar vantagens competitivas aos negros.

Enfatizou, em relação à igualdade como reconhecimento, que esse aspecto identifica a igualdade quanto ao respeito às minorias e ao tratamento da diferença de um modo geral. Significa respeitar as pessoas nas suas diferenças e procurar aproximá-las, igualando as oportunidades. A política afirmativa instituída pela Lei 12.990/2014 tem exatamente esse papel.

O ministro frisou haver uma dimensão simbólica importante no fato de negros ocuparem posições de destaque na sociedade brasileira. Além disso, há um efeito considerável sobre a autoestima das pessoas. Afinal, cria-se resistência ao preconceito alheio. Portanto, a ideia de pessoas negras e pardas serem símbolo de sucesso, ascensão e terem acesso a cargos importantes influencia a autoestima das comunidades negras. Ademais, o pluralismo e a diversidade tornam qualquer ambiente melhor e mais rico.

Segundo o ministro relator, a lei em análise supera com facilidade o teste da igualdade formal, material e como reconhecimento.

Afastou a alegada violação ao princípio do concurso público. Afinal, para serem investidos em cargos públicos, os candidatos negros têm de ser aprovados em concurso público. Caso não atinjam o patamar mínimo, sequer disputarão aquelas vagas. Observou que apenas foram criadas duas formas distintas de preenchimento de vagas, sem abrir mão do critério mínimo de suficiência. Previram-se duas filas diversas em razão de reparações históricas.

Rejeitou a apontada violação ao princípio da eficiência. Registrou que a ideia de que necessariamente os aprovados em primeiro lugar por um determinado critério sejam necessariamente melhores do que os outros é uma visão linear da meritocracia. Tal conceito já havia sido rechaçado pelo ministro Ricardo Lewandowski no julgamento da ADPF 186/DF (DJE de 20.10.2014), segundo o qual a noção de meritocracia deve comportar nuances que permitam a competição em igualdade de condições.

Para o ministro Roberto Barroso, há um ganho importante de eficiência. Afinal a vida não é feita apenas de competência técnica, ou de capacidade de pontuar em concurso, mas possui uma dimensão de compreensão do outro e de variadas realidades. A eficiência pode ser muito bem-servida pelo pluralismo e pela diversidade no serviço público.

O relator também não vislumbrou ofensa ao princípio da proporcionalidade. Para ele, a demanda por reparação histórica e ação afirmativa não foi suprida pelo simples fato de existirem cotas para acesso às universidades públicas. O impacto das cotas raciais não se manifesta no mercado de trabalho automaticamente, pois há um tempo de espera até que essas pessoas estudem, se formem e se tornem competitivas. Ademais, seria necessário considerar estar-se tratando das mesmas pessoas que entraram por cotas, as que estariam disputando as vagas nos concursos.

Reputou que a proporção de 20% escolhida pelo legislador é extremamente razoável. Se a submetêssemos a um teste de proporcionalidade em sentido estrito, também não haveria problema, porque 20%, em rigor, representariam menos da metade do percentual de negros na sociedade brasileira.

Quanto à questão da autodeclaração, prevista no parágrafo único do art. 2º da lei, asseverou que se devem respeitar as pessoas tal como elas se autopercebem. Entretanto, não é incompatível com a Constituição, observadas algumas cautelas, um controle heterônomo, sobretudo quando existirem fundadas razões para acreditar que houve abuso na autodeclaração.

Acrescentou que, para dar concretude a esse dispositivo, é legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação para fins de concorrência pelas vagas reservadas para combater condutas fraudulentas e garantir que os objetivos da política de cotas sejam efetivamente alcançados, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e ampla defesa. Citou, como exemplos desses mecanismos, a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do concurso, a exigência de fotos e a formação de comissões com composição plural para entrevista dos candidatos em momento posterior à autodeclaração.

Para o relator, a reserva de vagas vale para todos os órgãos e, portanto, para todos os Poderes. Os Estados e os Municípios também podem seguir a mesma linha.

Quanto aos critérios de alternância e proporcionalidade na nomeação dos candidatos, o relator deu exemplo sobre a forma correta de interpretar a lei. No caso de haver vinte vagas, quatro seriam reservadas a negros, com a seguinte sequência de ingresso: primeiro colocado geral, segundo colocado geral, terceiro colocado geral, quarto colocado geral, até que o quinto colocado seria o primeiro colocado entre os negros, e assim sucessivamente. Dessa forma, não se poderia colocar os aprovados da lista geral primeiro e somente depois os aprovados por cotas.

O ministro Alexandre de Moraes consignou que a Lei 12.990/2014 é federal, logo é válida para todos os Poderes e órgãos da União. Não é possível, em virtude da autonomia dos Estados e dos Municípios, ampliar sua abrangência.

Acrescentou que a lei é constitucional apenas quanto ao provimento inicial dos cargos e empregos públicos. Após o ingresso na carreira, o sistema de cotas não deve ser usado na ascensão interna, a qual se dá mediante concursos internos de promoção e remoção que possuem critérios específicos, determinados pela Constituição, de antiguidade e merecimento.

O ministro Edson Fachin entendeu que a política de cotas raciais se aplica direta e imediatamente a todos os órgãos e instituições da Administração Pública. Considerou, ainda, que o art. 4º da Lei 12.990/2014 se projeta não apenas na nomeação, mas em todos os momentos da vida funcional dos servidores públicos cotistas.

A ministra Rosa Weber acompanhou o voto do relator na íntegra.

Para o ministro Luiz Fux, o percentual estabelecido pela lei se aplica também em relação a promoções e remoções. Afirmou que, por se tratar de política pública calcada no preâmbulo da Constituição Federal, a lei vale para todos os Poderes da República e para todas as unidades federadas.

Em seguida, o julgamento foi suspenso. STF, Pleno. ADC 41/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 11.5.2017. Inf. 864.

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