Novas formas de trabalho, como nos apps, não tornam sindicatos dispensáveis, diz liderança americana
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25 de setembro, 2025
O discurso da revolução nas relações trabalhistas e a promessa de futuro tecnológico dourado não emocionam o norte-americano Joseph Bryant, 43.
Vice-presidente executivo do Seiu (Service Employees International Union, sindicato dos empregados no setor de serviços), que reúne cerca de 2 milhões de trabalhadores nos Estados Unidos, Canadá e Porto Rico, ele opina que fintechs, startups e empresas de tecnologia no geral colocam milhões de pessoas à margem do mercado formal de trabalho.
Essa companhias agem, segundo ele, sob o mesmo manual usado há décadas por empresários do setor não tecnológico: dificultam a associação de trabalhadores, usam táticas do medo e achatam salários. Com o agravante de que serviços de entrega e transporte por aplicativo nem sequer reconhecem seus prestadores de serviços como funcionários.
O que estamos vendo é uma lacuna grande e crescente entre os ricos e os trabalhadores”, afirma.
Convidado a participar de audiência neste mês na Assembleia Legislativa de São Paulo, Bryant diz ter vindo ao país para discutir as condições de trabalho em redes de fast food sem saber o que encontrar. Percebeu que os problemas são os mesmos dos EUA.
“É igual nos dois países. Essas pessoas são vistas como trabalhadores de segunda classe”, define.
A relação de trabalho no setor de serviços para funções como entregadores de aplicativos, motoristas, funcionários de fast food —empregos cada vez mais robotizados— é a mesma no Brasil e nos Estados Unidos?
É a mesma. Essas pessoas são vistas como trabalhadores de segunda classe. Nem sequer são considerados funcionários. Direitos como os de se organizar em sindicatos estão sempre sob ataque. As empresas de tecnologia veem isso como uma ameaça a elas.
Há quatro anos, o estado da Califórnia implantou legislação para que trabalhadores de serviços de empresas tecnológicas fossem considerados funcionários e tivessem a mesma proteção social. Essas companhias gastaram US$ 220 milhões [R$ 1,16 bilhão pela cotação atual] em uma campanha para reverter essa lei. E conseguiram. Essas pessoas voltaram a ser autônomas.
Mas essas empresas, dizem empresários do setor, são feitas para a internet, com estrutura enxuta e cada vez mais tecnológica, onde não há uma relação formal de emprego. O discurso é que a atuação de sindicato pode atrapalhar essa relação, que é exercida de forma livre entre duas partes.
Sim, eu diria que é esse [o discurso] no Brasil e nos Estados Unidos. E o que estamos vendo é uma lacuna grande e crescente entre os ricos e os trabalhadores.
Se a gente voltar à questão da legislação na Califórnia, as empresas de plataformas usaram os próprios aplicativos para tentar persuadir os motoristas a não apoiarem a lei e a continuarem como autônomos.
A questão de eles se unirem em torno de uma associação é que eles precisam de um espaço em que possam discutir os problemas, porque todo o resto é feito por meio do aplicativo e é um desafio conseguir fazer com que eles conversem ou se coordenem. Eles estão em constante movimento, estão na estrada, transportam produtos, passageiros. Então, precisam disso.
Mas e o argumento de que o trabalho será cada vez mais especializado e que o fim de novas funções resultará na criação de outras? Não é verdade?
Vai haver um grande boom de veículos autônomos. Na Califórnia, estamos falando de mais de meio milhão de pessoas que fazem Uber. Elas serão substituídas por carros que não necessitam de motoristas.
Então, a conta não fecha?
Citei apenas uma área que representa uma ameaça enorme para trabalhadores de serviços. Isso pode se estender ao transporte de caminhões, que é outra indústria enorme nos Estados Unidos. Imagino que seja algo semelhante no Brasil.
Se a cada ano mais empregos se tornarão redundantes, e grande parte delas dificilmente vai conseguir recolocação em um trabalho mais tecnológico, haverá uma lacuna enorme entre o que o mercado vai necessitar e as habilidades de milhões de pessoas?
Acho que você está certo em pensar nessa lacuna. Digamos que você seja motorista. Quais são as maneiras de adquirir novas habilidades e aprender tecnologias, se não existem caminhos estabelecidos para apoiar isso? Como essa lacuna será fechada?
Talvez você tenha também uma pessoa nos bastidores trabalhando com a tecnologia ou a monitorando com o potencial de fazer um trabalho que antes era de cinco ou dez pessoas. É um desafio imposto pela realidade.
Qual é a maior dificuldade para um sindicato nesses setores hoje em dia?
Fazer com que a classe trabalhadora saiba que tem direitos e quais são eles. Garantir que recebam toda a proteção e benefícios que devem ter.
Mas nos Estados Unidos a política imigratória do governo Trump deve ter tornado mais difícil a atuação de sindicatos.
Sem dúvida. Os ataques contra sindicatos estão muito fortes nos Estados Unidos agora. Calculamos que mais de 1 milhão de trabalhadores perderam seus sindicatos quando Trump assinou ordem executiva de que eles [por causa da situação legal no país] não podem ser sindicalizados.
Quais tipos de dificuldades têm sido enfrentadas?
Se um organizador sindical vai a um local de trabalho, a empresa chama a polícia e o acusa de invadir propriedade privada, por exemplo. Há a tentativa de criar um clima de medo nos trabalhadores. Vemos retaliação a qualquer um deles que é visto conversando com organizador sindical. Então, há restrições de espaço físico e é usado o recurso de fazer as pessoas temerem o contato com o sindicato.
Tivemos membros que foram presos, retirados de casa, dos locais de trabalho e levados para centros de detenção. Uma das coisas que fazemos é garantir que esses imigrantes não sejam esquecidos. Imigrantes são levados para locais no meio do nada, a centenas de quilômetros de suas famílias ou de uma rede de apoio. Então, temos nos posicionado em defesa dessas pessoas para que elas sejam respeitadas.
Fica mais difícil para um sindicato convencer um trabalhador que ele deve lutar por seus direitos, se o principal medo de muitos deles pode ser prisão ou deportação?
Certamente. Há grupos de trabalhadores que estão mais temerosos. Mas temos de lembrar que uma das áreas em que Trump mais se concentrou [durante a campanha] foi em resolver a economia. Ele falou sobre diminuir o custo de vida e o que estamos vendo é que os preços não estão caindo. Muitos estão sentindo o peso de não conseguirem pagar suas contas. Parece que a esperança está se erodindo quanto à capacidade de Trump de cumprir suas promessas.
Parece que ainda pode levar algum tempo para as pessoas perceberem que o custo de vida não diminuiu. Alguns votaram nele por outros motivos, certamente, mas muito votaram em Trump porque acreditaram que isso melhoraria sua situação econômica. Isso não está acontecendo. Ao contrário. Milhões de americanos vão perder assistência média devido a aprovação do projeto de lei há algumas semanas [a legislação chamada de “One Big Beautiful Bill”, uma lei grande e bonita, em inglês].
Fonte: Folha de São Paulo