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Juíza acolhe pedido de transferência de biomédica para cuidar de seu pai em Goiânia

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18 de junho, 2021

A juíza do Trabalho Natália Queiroz Cabral Rodrigues, juíza auxiliar da 22ª Vara do Trabalho de Brasília, acolheu pedido de transferência feita por uma biomédica que atua no Hospital Universitário de Brasília para trabalhar no Hospital das Clínicas de Goiânia e poder cuidar de seu pai, que mora naquela cidade e sofre com diversas doenças graves. De acordo com a magistrada, é preciso dar efetividade ao comando constitucional no sentido de que os cuidados com os idosos serão executados preferencialmente em seus lares, por seus familiares.

Lotada no Hospital Universitário de Brasília, mantido pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), a biomédica postulou administrativamente sua remoção para atuar no Hospital da Clínicas, em Goiânia, instituição mantida pela mesma empresa pública, para poder cuidar de seu pai, que reside naquela cidade e se encontra acometido por diversas doenças graves. A empresa indeferiu o pedido sob a justificativa de que não existem vagas para todos os empregados que solicitam remoção e que, com base em norma operacional, a movimentação individual somente pode ocorrer por concurso interno. Como empresa pública, a EBSERH disse que deve observar o princípio da legalidade administrativa.

Em sua decisão, a magistrada salientou que os requisitos da norma operacional – regulamento de pessoal – descrevem quatro requisitos para ser possível a remoção: existência de vagas no local de destino, preenchimento mínimo dos requisitos exigidos para o exercício das atividades no local de lotação, prévia aprovação em exame médico, quando necessário e a prévia autorização da chefia do local de origem e do local de destino.

Da análise dos documentos juntados aos autos pela EBSERH, a magistrada frisou que nenhum comprova a ausência de vagas no Hospital das Clínicas de Goiânia. Assim, concluiu a juíza, o que impediu a profissional de obter a transferência administrativamente pretendida foi a ausência de autorização da chefia imediata, conforme determina o artigo 51 da norma operacional, e a informação desse superior hierárquico no sentido de não haver vaga, como alegado pela biomédica.

Causa estranheza o argumento da empresa, como se fosse a empregada que tivesse que comprovar a existência de vaga. “Por que a reclamada não fundamentou sua defesa com a lotação dos empregados do HUB e do Hospital das Clínicas de Goiânia e seu respectivo preenchimento?”, questionou a magistrada. A Administração Pública tem o dever, enquanto ente público, de dar publicidade aos atos praticados. “Sequer haveria necessidade de ajuizamento da presente demanda se ao responder ao pleito administrativo a reclamada indicasse quantas vagas existem no local de origem da reclamante e no local para o qual ela pretende ser removida, assim como se tivesse acolhido a pretensão da reclamante como própria de um ser humano que enfrenta um momento de angústia e sofrimento”.

Sem vencimentos

De acordo com a magistrada, após a audiência inaugural e a tentativa de conciliação, a empresa sugeriu que a profissional tirasse uma licença sem vencimentos. Essa proposta, segundo a juíza, leva a crer que ainda existe um longo percurso para que o disposto no artigo 230 da Constituição Federal seja efetivamente realizado. A norma constitucional preconiza que os cuidados com os idosos serão executados preferencialmente em seus lares, ainda mais quando o idoso está debilitado e com dificuldades de deambulação e necessitando de cuidados.

A sugestão da EBSERH provocará impactos previdenciários, pois a empregada ficará sem os recolhimentos respectivos e sem a contagem do tempo de serviços e também de ordem pessoal, financeira e psicológica, pois a ausência de vencimentos e de efetiva atividade laboral provoca nos trabalhadores perda de sentido humano e sem se sentir ocupando o seu lugar no mundo.

Mulher

E para majorar o cenário de desrespeito aos princípios constitucionais da legalidade, da moralidade, do bem estar social, da preservação da família, trata-se de trabalhador do gênero biológico feminino, disse a magistrada. Trata-se de uma mulher, biomédica, filha, que busca a autorização do Estado para remover-se e ir trabalhar em outro Estado e cuidar do pai doente.

O cuidar da saúde, de corpos e almas doentes, sempre foi um trabalho de menor relevância, pois não considerado pela sociedade como um trabalho produtivo, já que exercício no ambiente privado, a portas fechadas, sem prestígio, sem glamour, sem reconhecimento e sem remuneração, lembrou a magistrada, para quem a atuação do Judiciário e o julgamento devem reconhecer as assimetrias enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho, sendo preciso ressaltar o grupo de normas que qualificam o constitucionalismo feminino.

A discussão presente nestes autos é a prevalência dos interesses do Estado em detrimento dos interesses do cidadão; o interesse coletivo em detrimento do interesse individual. O trabalho de cuidado, historicamente exercido pelas mulheres, dentre eles o cuidado com a casa, a família e a saúde dos seus integrantes, ganhou relevo diferenciado em tempos pandêmicos. E, para a magistrada, a autora da reclamação e seus pais precisam da certeza de que o texto constitucional é algo real e concreto e não apenas algumas folhas de papel. A norma constitucional autoriza a reclamante a cuidar se seu progenitor, na residência do mesmo e com a manutenção plena do seu emprego, que além de possibilitar o seu sustento físico e material, possibilita o seu sustento psicológico.

Se é dever do próprio Estado promover este cuidado, que a ordem da Constituição Federal seja cumprida, até porque a EBSERH não comprovou de forma concreta a ausência de vagas ou outro fator que impeça a profissional de atuar como biomédica no Hospital das Clínicas de Goiânia, concluiu a juíza ao julgar procedente a reclamação e determinar à EBSERH que promova a imediata remoção da biomédica para o Hospital das Clínicas de Goiânia, devendo comprovar o cumprimento da obrigação de fazer no prazo de 10 dias a contar da intimação, sob pena de multa no valor de R$ 5 mil por dia de descumprimento.

Processo relacionado: 0000084-96-2021.5.10.0022

Fonte: TRT 10ª Região

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