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Como o novo governo quer a reforma trabalhista, Edézio Passos

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07 de novembro, 2002

Como o novo governo quer a reforma trabalhistaEdésio Passos, 06/11/2002A reforma trabalhista no programa de governo do PT pretende atacar três pontos principais: a estrutura sindical, a legislação do trabalho e criar empregos para os jovens. As dificuldades vão desde a necessidade em se alterar a Constituição Federal, até avançar a uma reforma tributária que desonere as empresas e abra condições da contratação de jovens, passando pela criação do Fórum Nacional do Trabalho que examinará as mudanças na legislação de proteção aos trabalhadores. Eis alguns pontos desta problemática.1. O programa de governo do Partido dos Trabalhadores divulgado e discutido durante a campanha eleitoral para a Presidência da República está dividido em quatro partes principais: a) crescimento, emprego e inclusão social; b) desenvolvimento, distribuição de renda e estabilidade; c) inclusão social; e d) infra-estrutura e desenvolvimento sustentável. A reforma trabalhista está inserida na primeira parte relativa às questões de crescimento, emprego e inclusão social, mais especificamente no programa de reformas, ou seja, as reformas tributária, previdenciária, agrária, trabalhista e política. Para esse programa de reformas, a proposta diz que serão ouvidas sugestões de toda a sociedade, dentro de um espírito nacional e democrático, além do Executivo trabalhar com o Legislativo e o Judiciário em um mesmo propósito. Uma ampla negociação nacional está prevista para possibilitar a aprovação das reformas pretendidas.2. A proposta de reforma trabalhista está embasada na “construção de uma legislação trabalhista verdadeiramente moderna”, mas que somente será alcançada “se no seu processo de discussão for assegurada a participação dos diferentes setores sociais interessados”. Três são os pontos inicialmente previstos: a) um amplo debate sobre a reforma da estrutura sindical; b) ampla análise da reforma da legislação trabalhista, constituindo-se o Fórum Nacional do Trabalho para examinar as propostas sobre o tema; c) a questão do desemprego relacionada com os jovens, através da avaliação de um programa nacional de incentivo à contratação de jovens pelas empresas. Face a estes pontos, verifica-se que o posicionamento programático de governo do PT critica a atual estrutura sindical, embora não apontando quais os pontos de estrangulamento existentes, assim como considera ultrapassada a atual legislação do trabalho, eis que julga necessária “uma legislação trabalhista verdadeiramente moderna”, mas sem identificar, também, os pontos débeis dessa malha legislativa de proteção aos trabalhadores. Pela superficialidade do texto, não se pode concluir exatamente a proposição, ainda mais que remete à prévia discussão da sociedade organizada, sem, antes, elaborar propostas mais definidas.3. No que concerne à reforma da estrutura sindical, o programa de governo do PT acentua que “mais do que uma legislação sobre direitos mínimos, o equilíbrio das relações de trabalho requer a existência de sindicatos livres, autônomos, representativos e independentes. Para tanto, nosso governo vai encaminhar um amplo debate sobre a reforma da estrutura sindical brasileira. A construção de um novo modelo de relações de trabalho deverá ter como pressuposto o reconhecimento das instituições representativas dos empregadores e dos trabalhadores, livremente constituídas com a função de promover o diálogo e o entendimento sobre as contradições inerentes às relações de trabalho. Nesse sentido, um primeiro passo necessário será reconhecer as centrais sindicais como interlocutores dos interesses dos trabalhadores”. O texto é crítico à atual estrutura sindical pois, ao apontar para a necessidade de entidades livres, autônomas, representativas e independentes, considera-as subordinadas, dependentes e não-repreesentativas? Aqui também como é genérico, não se identificam as questões centrais.4. A atual estrutura sindical, contida na Constituição de 1988, está baseada em sólidos pressupostos, derivados da longa prática sindical brasileira, estabelecendo, sinteticamente: a) liberdade de associação profissional ou sindical e liberdade de filiação sindical (art.8º e inciso V, combinado com o art.5º, incisos XVII a XXI,); b) liberdade para fundação de sindicato, com obrigatoriedade de registro no órgão competente (Ministério do Trabalho, segundo decisão do STF); c) vedação ao poder público em interferir e intervir na organização sindical; d) unicidade sindical, em qualquer grau, dos setores profissionais e econômicos; e) representação da categoria profissional ou econômica e não apenas dos associados; f) base territorial definida pelos trabalhadores, mas limitada ao município, o que impede a formação de sindicato por empresa(s); g) sistema confederativo de representação sindical (sistema vertical de confederação, federação e sindicato); h) representação da categoria profissional e econômica judicial e extrajudicialmente; i) arrecadação de fundos sindicais diretamente dos trabalhadores e possibilidade de fixação, em lei, de descontos nos salários dos empregados e de contribuições financeiras das empresas em favor do sistema confederativo; j) obrigatoriedade da participação da entidade sindical nas negociações coletivas de trabalho, sendo as convenções e acordos coletivos de trabalho direitos fundamentais dos trabalhadores (art. 7º, XXVI); k) direito do trabalhador aposentado continuar participando da entidade sindical, podendo votar e ser votado; l) estabilidade no emprego do dirigente sindical. Este o modelo sindical amparado constitucionalmente e que, para ser modificado, dependerá de emenda constitucional, inclusive para possibilitar que as centrais sindicais tenham reconhecimento de representação sindical. Modificar essa estrutura sindical, construída a partir do debate na Constituinte, no seu todo ou em parte, dependerá de uma engenharia política nada fácil, diante das profundas diferenças existentes no movimento sindical, a partir de concepções e interesses por vezes até antagônicos. Ou se consegue uma nova estrutura que reflita o consenso das entidades sindicais de empregados e empregadores, ou dificilmente se avançará para mudanças significativas.5. No que se refere à mudança da legislação do trabalho, o programa de governo do PT busca enfrentar a difícil tarefa, propondo a formação de um Fórum Nacional do Trabalho, a saber: “Com o objetivo de promover a mais ampla reforma na legislação trabalhista, o governo convocará todas as entidades sindicais representativas dos trabalhadores e dos empregadores a constituírem um Fórum Nacional do Trabalho, estruturado de forma tripartide. Sua finalidade imediata será a de preparar, democraticamente, as propostas de alteração da legislação atual. Dentro do tempo previsto pelo governo, o Fórum Nacional do Trabalho deverá apresentar suas propostas, que se traduzirão num conjunto de leis para modernizar a atual Consolidação das Leis do Trabalho. Após a sua aprovação pelo Congresso Nacional, essas leis passarão a regulamentar o novo sistema de relações de trabalho. O objetivo central desse processo é a melhoria da qualidade de emprego e principalmente a ampliação da formalização do trabalho, incorporando milhões de trabalhadores ao mercado regulado do trabalho, com reflexos importantes nas contas previdenciárias e nos fundos públicos”.6. A proposta de um fórum nacional no âmbito trabalhista foi concretizada na gestão do ministro Walter Barelli, quando, em 1993, constituiu o Fórum Nacional sobre Contrato Coletivo e Relações de Trabalho, composto por representantes de entidades empresariais, de trabalhadores, do poder público e da sociedade civil. A importante experiência de análise da contratação coletiva e relações de trabalho contribuiu para o debate da temática, mas não conseguiu avançar para propostas legislativas, encerrando-se com um documento final sobre pontos programáticos. Passados oito anos de neoliberalismo, a legislação do trabalho foi atingida duramente pela desconstituição de algumas de suas bases, em decorrência da política de flexibilização, terceirização e ampla precarização nas relações de trabalho. As conseqüências dessa política desastrosa refletem-se, em especial, na informalidade crescente do trabalho, no avanço do desemprego, na perda do poder aquisitivo do trabalho com a queda da massa salarial, na fragilização da mini, pequena e média empresa, no enfraquecimento da representação sindical profissional. Eis, assim, se a primeira tarefa relacionada com a mudança na estrutura sindical encontrará dificuldades acentuadas para ser encaminhada, este segundo ponto está situado entre um dos mais complexos de nossa atualidade política e jurídica.7. Diz, ainda, o programa de governo do PT que “um dos principais desafios para evitar a exclusão do mercado de trabalho é diminuir a taxa de desemprego entre jovens, situada hoje em torno de 30%. A queda da renda familiar provocada pela relativa estagnação da economia, a alta taxa de desemprego e a inadequação do sistema de ensino vêm gerando um número cada vez maior de jovens que não conseguem ingressar e permanecer no mercado de trabalho”. Visando enfrentar a questão, está prevista a criação do “programa nacional de incentivo à contratação de jovens pelas empresas e de estagiários comunitários, ampliando o que já vem sendo posto em prática por governos municipais e estaduais administrados pelo PT e pelos demais partidos coligados”.8. A questão do emprego para os jovens está inserida no item da reforma trabalhista sem uma explicação mais detalhada do que seria o programa de incentivo à contratação de jovens, ou seja, se o referido programa determinaria mudanças na legislação trabalhista para facilitar esse objetivo. Há propostas que estão diretamente ligadas à reforma tributária, desde isenção até redução de tributos, no caso das empresas ampliarem o número de seus empregados com a contratação de jovens e a eles ensejarem a continuidade de estudo formal. De qualquer modo, a matéria relativa à geração de empregos está diretamente ligada à problemática das relações de trabalho no seu conjunto.9. A proposição de reforma trabalhista a iniciar-se através de amplo debate com as entidades representativas dos empregados e empregadores e demais setores da sociedade civil interessados nestas questões desde já esbarra na existência de projetos de emenda constitucional e de lei ordinária em andamento no Congresso Nacional. Em particular, o projeto de lei sobre a prevalência do negociado sobre o legislado e o de emenda constitucional sobre a reforma do Poder Judiciário, neste incluídas algumas propostas no âmbito da Justiça do Trabalho. Necessário pois, como trabalho preliminar, até mesmo nesta fase de transição e de início do novo governo federal, que se efetive levantamento do quadro legislativo para indicar os pontos que já se encontram em debate e que poderão ou não ser aproveitados, ou mesmo aqueles, como o projeto do negociado sobre o legislado, que devem ser afastados de imediato.10. Entretanto, o debate sobre a reforma trabalhista não pode vir desacompanhado do exame sobre as medidas emergenciais a serem aplicadas no campo econômico, tributário e social, eis que a adoção de novas leis no campo do trabalho decorrerá, em grande parte, do ajuste a ser produzido em setores fundamentais da sociedade. Neste sentido, três pontos podem ser destacados: 1º) a reforma tributária, onde está colocada a análise dos encargos sociais que pesam sobre a contratação dos trabalhadores e que oneram sobremodo as empresas; 2º) a política de geração de empregos e os sistemas de trabalho comunitário, cooperativo e solidário; e 3º) a legislação de sustento relativa ao trabalho informal, hoje disseminado em larga escala.11. Diante da expectativa gerada com o novo governo federal e a fase de formatação técnico-política no período que antecede a posse do presidente da República e as iniciativas nos primeiros meses da administração, as entidades profissionais, sindicais e demais setores interessados devem definir propostas e parâmetros de atuação. Neste sentido, além do levantamento legislativo já sugerido, duas outras providências seriam benéficas: a) especificar quais os pontos das alterações já havidas que devem ser revistos, tendo em vista os prejuízos ocasionados pelas mudanças impostas nos oito anos de governo neoliberal; e b) quais os pontos centrais das mudanças a serem efetivadas que devem balisar os debates. Esta contribuição não é apenas necessária, visando eficiente metodologia de trabalho, mas fundamental para possibilitar soluções adequadas aos novos rumos políticos de nosso país.Edésio Passos é advogado, ex-deputado federal (PT/PR), membro do Instituto dos Advogados Brasileiros,um dos fundadores da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT) e membro do Corpo Técnico do DIAP. E-mail:[email protected]

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