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Reforma Previdenciária: interesse público ou de mercado?, DIAP

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11 de março, 2003

Reforma Previdenciária: interesse público ou de mercado?Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, 11/03/03A retomada do tema “reforma da previdência” pelo Governo Lula coloca novamente na ordem do dia aspectos dessa questão que já se julgava superados. Novamente passam a freqüentar os meios de comunicação expressões tipicamente vinculadas ao ideário neoliberal ou associadas ao governo anterior, dentre elas a situação dos “privilégios” dos servidores públicos, a “falência da previdência social” e o “déficit” dos regimes previdenciários.Surpreende aos analistas atentos a recorrência desse quadro, quando entidades respeitadas como a ANFIP demonstraram cabalmente, ao longo dos últimos oito anos, especialmente, a inexistência de “déficit” no âmbito do orçamento da seguridade social, especialmente porque, no quadro atual, mesmo somadas todas as despesas do regime geral de previdência social – RGPS e dos regimes próprios dos servidores federais civis e militares, e todas as despesas com saúde e assistência social, a União ainda tem saldo de caixa positivo, podendo dar-se ao luxo de destinar receitas da seguridade social, originalmente vinculadas às suas despesas, para outras finalidades, ajudando, com isso, a produzir os “superávits primários” acordados com o Fundo Monetário Internacional e cuja destinação é, essencialmente, o pagamento de juros e encargos da dívida pública.Segundo a ANFIP, considerados os gastos do RGPS, o superávit da Seguridade Social (Previdência, Assistência e Saúde) foi R$ 36 bilhões, em 2002. Se incluídas as despesas com os servidores públicos federais civis e militares e com os trabalhadores da iniciativa, ainda assim, as receitas específicas da Seguridade superaram as despesas em R$ 16,8 bilhões. Mesmo do ponto de vista do RGPS, consideradas apenas as despesas exclusivamente previdenciárias, tem-se um quadro de razoável equilíbrio, considerando-se ser esse um regime de repartição simples: computados apenas os benefícios previdenciários urbanos (por idade, tempo de contribuição e invalidez), e excluindo-se os benefícios rurais ou de renda mensal vitalícia e os benefícios assistenciais da Lei Orgânica da Assistência Social, as receitas próprias líquidas do RGPS são superiores às suas despesas, inclusive administrativas.No entanto, segundo o Ministério da Previdência Social, somadas todas as despesas com benefícios do RGPS vis a vis essas mesmas receitas, verifica-se uma diferença negativa da ordem de R$ 17 bilhões em 2002, e estimada em R$ 19 bilhões em 2003, quando deverá atingir 1,4% do Produto Interno Bruto – PIB. No âmbito dos Regimes Próprios, a situação é ainda mais problemática, desse ponto de vista, pois as contribuições recolhidas pelos servidores correspondem a apenas R$ 7,7 bilhões, para uma despesa total com benefícios, em bases anuais, estimada em R$ 64 bilhões. A diferença – que deve ser custeada pelos entes estatais, mediante contribuições ou aporte dos respectivos Tesouros, também em bases anuais – é de R$ 56,3 bilhões, ou cerca de 4% do PIB. É este quadro, onde os cofres públicos devem arcar com as diferenças entre receitas e despesas, em bases correntes, derivadas de uma gestão que negligenciou, ao longo de décadas, os efeitos do envelhecimento da população, do aumento de benéficos concedidos e do próprio desemprego, que serve de sustentação ao atual debate em torno da “reforma previdenciária”.No entanto, quando se fala em “reforma da previdência social”, o dilema entre mudar ou manter – presente em qualquer processo de “reforma” – se torna muito mais agudo. Essa dificuldade decorre do fato de que a legislação previdenciária, e os direitos que dela decorrem, como produtos de um processos histórico, estão, em muitos casos, já bastante arraigados e consolidados, fazendo parte de um conjunto de expectativas que se constroem no dia a dia e que vão gerando, por um lado, direitos acumulados, e, por outro, direitos já adquiridos. Reformar a previdência social, assim, para equacionar desequilíbrios resultantes de décadas de má-gestão, imprevidência ou mesmo conveniência, pode envolver uma “ruptura” que atingirá diferentes níveis de expectativa, alterações em “contratos” em curso e, no limite, redução de direitos ou expectativas de direitos de milhões de pessoas.No caso da reforma dos Regimes de Previdência dos Servidores Públicos, ou Regimes Próprios, a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, oriunda da proposta apresentada em 1995 pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, introduziu mudanças drásticas, afetando as expectativas de direitos de todos os servidores públicos no Brasil. Em primeiro lugar, é bom ressaltar, a vinculação dos direitos inerentes ao regime previdenciário dos servidores ao regime de cargo público. Dessa forma esses direitos foram reservados apenas aos ocupantes de cargos efetivos, e a Lei nº 9.717, de 1998, determinou que os servidores submetidos ao regime de emprego público, ou da CLT, passassem a ser imediatamente vinculados ao Regime Geral de Previdência Social, gerido pelo INSS. O STF, ao apreciar a constitucionalidade dessa regra, considerou-a válida, e, desde então, milhares de servidores em todo o país passaram a contribuir e receber os seus benefícios do INSS, perdendo a vinculação com os institutos de previdência de Estados ou Municípios, uma vez que, na União, tal questão já estava dirimida desde 1993. Alem disso, foi estabelecida uma idade mínima para os novos servidores, de sessenta anos para homens e 55 para as mulheres, com redução de 5 anos para os professores e professoras da educação infantil e do ensino fundamental e médio. O direito à aposentadoria pelo regime próprio foi condicionado, ainda, à carência de 10 anos de serviço público e 5 anos no cargo em que se dará a aposentadoria, dentre os 35 ou 30 anos totais de contribuição exigidos. Os servidores efetivos que já estavam em atividade foram atingidos pela exigência de idade mínima menor (53 e 48 anos), mas mediante a imposição do “pedágio”, de 20 ou 40% do tempo faltante para a aposentadoria, no caso de integral ou proporcional, respectivamente.Apesar da manutenção básica dos direitos à integralidade e paridade, foi permitida a implementação de um regime previdenciário complementar, para cobrir valores de proventos acima do teto do RGPS, que é hoje de R$ 1.561,00. Os atuais servidores somente serão atingidos por esse novo sistema se expressamente aderirem a ele, abrindo mão de seus atuais direitos, mas os novos servidores já estariam, obrigatoriamente, sujeitos ao teto de benefícios do RGPS assim que fosse instituído o regime de previdência complementar. Em qualquer hipótese, a lógica dos regimes próprios passou a ser contributiva: além da exigência de equilíbrio financeiro e atuarial, o requisito para a aposentadoria passou a ser o tempo de contribuição, e não mais o tempo de serviço. As alterações no regime de aposentadoria proporcional tiveram, também, impacto expressivo, afastando as hipóteses de aposentadoria “precoce” que sempre minaram a credibilidade dos regimes próprios.É falso, assim, afirmar que a reforma previdenciária de 1998 foi “inócua”, ou inconclusa. Pelo menos no que se refere aos regimes próprios de previdência, a intervenção por ela promovida foi profunda, e seus efeitos já estão sendo sentidos. Segundo dados apurados por Guerzoni1 , vem havendo contínuo decréscimo de aposentadorias concedidas aos servidores públicos, desde 1998. Afirma Guerzoni que“o grande aumento das despesas com inativos e pensionistas ocorrida no início da década de 1990 teve lugar em razão da transferência feita pela União e pela maioria dos Estados e Municípios, dos seus servidores celetistas para o regime estatutário, efetivando-os de forma automática e liberando um enorme número de aposentadorias represadas. O número de aposentadorias por ano na União partiu de um pico de 46.196, em 1991, primeiro ano de vigência do regime jurídico único, decresceu para 21.213, em 1992, e 14.152, em 1993, atingiu 17.622, em 1994, e passou a 33.848, em 1995; 26.807, em 1996; 24.831, em 1997; 19.754, em 1998; 8.786, em 1999; 5.951, em 2000; e 6.222, em 2001. Finalmente, o nível de despesa atual é reflexo de um contexto no qual o número de servidores públicos era muito maior do que o atual. A redução do número de servidores ativos é factualmente constatada. O número de servidores civis ativos do Poder Executivo vem caindo, praticamente sem recuo, desde 1989, quando o total chegava a mais de 700.000. No final do ano de 2002, esse número já estava próximo a 450.000, representando uma redução de mais de 250.000 servidores, ou cerca de 35%, em pouco mais de dez anos. Cabe observar que o número de inativos civis da União vem caindo desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 20, de 1998. Esse quantitativo, que atingiu um pico de 410.200, em abril de 1999, já era, em novembro de 2002, de 395.196.”Em consequência das mudanças já implementadas, e apesar do debate que vem se travando quanto à potencialidade do aumento das despesas com previdência em relação ao Produto Interno Bruto, estudos realizados por especialistas do IPEA estimaram que os Regimes Próprios estariam estabilizados, ou seja, o “déficit” resultantes de suas despesa versus as suas receitas, permaneceria, basicamente, constante, em torno de 5,75% do PIB nos próximos dez anos, chegando, em 2023, a 6,3% do PIB. Não são, é claro, valores reduzidos, mas quando se considera que a folha de pagamentos de inativos e pensionistas integra o conjunto total das despesas com pessoal e encargos, o quadro é diferente. A distribuição das despesas com pessoal ativo da União, por rubrica, em 2002, foi a seguinte:As aposentadorias e pensões dos servidores civis, nos Três Poderes, correspondem a 26,8% da despesa total com pessoal e encargos – enquanto a folha de ativos representa 42,2%. Já entre os militares, as despesas com inativos e pensionistas é de 15,5% – superior em 50% à folha de ativos. Embora, como alerta Guerzoni, não seja possível negar a realidade da situação do regime previdenciário dos servidores civis, é também necessário destacar o fato de que esse regime está sob controle. Evidencia essa afirmação o fato de que, em 1995, a despesa com inativos e pensionistas civis foi de R$ 10,2 bilhões. Em 2002, esse valor atingiu R$ 20 bilhões, um aumento nominal de cerca de 96%. No mesmo período, esta despesa que representava 14,6% da receita corrente líquida em 1995, passou a 9,8% em 2002. Contudo, é preocupante o alerta Guerzoni para a situação de previdência militar, cujo crescimento é significativo, quando se cogita de promover reformas que não atinjam esse segmento do serviço público:“Se se compara a evolução da participação de civis e militares na despesa total com inativos e pensionistas da União, pode-se verificar que enquanto em 1995 os civis representavam 69,1% das despesas previdenciárias da União, contra 30,9% dos militares, no ano de 2001, esses números já atingiam 57,8% para os civis e 42,2% para os militares, ressaltando-se que a despesa com pensionistas militares já ultrapassou, há muito, a despesa com pensionistas civis. … Isso é particularmente grave quando se observa, como se referiu, que a despesa com pensionistas militares é maior do que aquela com pensões civis. Além disso, o número de pensionistas militares é superior ao de inativos (173.691 contra 129.731, em números de novembro de 2002, enquanto, no mesmo mês, tínhamos 229.951 pensionistas e 395.196 inativos civis). (…)A despesa com inativos e pensionistas militares que era de 4,6 bilhões de reais em 1995 atingiu 11,9 bilhões em 2001, um aumento de 160,5%, muito acima da variação da inflação no período que, como se referiu, foi de 78%. Mesmo no tocante à relação com a receita corrente líquida, o custo da previdência militar da União aumentou, saindo de 6,5% em 1995 para 7,1% em 2001”.É importante registrar, ainda, que, segundo o Ministério da Previdência Social, as necessidades de financiamento dos regimes próprios, descontadas as contribuições dos servidores, serão de 4,0% do PIB em 2003, somadas as despesas da União, dos Estados e dos Municípios. Estimativas de 1999 apontavam que em 2003 essas necessidades seriam de 5,2% do PIB. Em 1999, o total das necessidades de financiamento estimadas foi de R$ 32 bilhões; em 2003, será de R$ 56 bilhões. Esse crescimento nominal, da ordem de R$ 24 bilhões, ou quase 75%, resulta num crescimento, descontada a inflação medida pelo IGP-DI de janeiro de 1999 a dezembro de 2002, da ordem de apenas 4%. Ou seja: descontada a inflação, a despesa com pessoal e encargos permaneceu praticamente constante, apesar do crescimento do número de aposentados e pensionistas da União. Além disso, segundo Oliveira, Beltrão e Pasinatto (1999) “É fundamental ressaltar que, enquanto no curto prazo o maior problema se concentra nos sistemas do funcionalismo público, no médio e longo prazos a situação se inverte. Enquanto os déficits do INSS se expandem continuamente — fruto da enorme pressão demográfica por aposentadorias nas próximas décadas —, os do funcionalismo praticamente se estabilizam.”Essa questão não pode deixar de ser considerada, à medida que uma eventual decisão política de não promover-se reformas no RGPS evidencia, possivelmente, uma tática que conduz ao seguinte cenário: reforma-se agora a previdência dos servidores, retirando-se os seus direitos remanescentes e “isolando” a resistência à reforma; e reforma-se, logo mais, a previdência do setor privado, atingindo-se, aí, toda a sociedade, mas de forma mais ou menos equitativa.Essa tática, embora esperta, joga na vala comum um contingente de aproximadamente 4 milhões de servidores, em todo o país, cujos benefícios só são diferenciados na medida em que têm diferenciações no campo de direitos e obrigações. Em primeiro lugar, o servidor se submete, em sua maioria esmagadora, a tetos de remuneração que não existem no setor privado. Suas trajetórias profissionais e remuneratórias são inteiramente definidas pela legislação e pela conveniência dos entes governamentais a que servem; diferentemente do setor privado, a aposentadoria é compensatória das irregularidades da carreira, e serve como garantia de estabilidade financeira em benefício do próprio Estado, além de manter um componente “premial” pelos serviços prestados à sociedade, apesar da exigência (meramente formal e contábil) de contribuição para o custeio do benefício; o servidor não pode acumular cargos; não pode acumular benefícios previdenciários, mesmo que contribua para tanto; não recebe o FGTS que o trabalhador privado acumula ao longo da carreira profissional (8% sobre a remuneração); seu benefício pode ser “cassado” por ato de improbidade; não tem direito a dissídio coletivo; não tem direito a distribuição de lucros ou resultados.A defesa do regime próprio dos servidores passa, necessariamente, pelo entendimento da função que tal regime tem como parte de um sistema que garante a atração e retenção de servidores, o que interessa ao Estado e à sociedade. Não é à toa que os militares defendem com vigor seu regime previdenciário diferenciado: a carreira militar tem suas peculiaridades sedimentadas, e o reconhecimento dessas diferenças fez com que o próprio Governo recuasse na decisão de reformar a previdência militar. No Chile, o regime de Pinochet, ao implementar uma reforma privatizante ao extremo, transferindo todos os trabalhadores, servidores públicos ou não, para o sistema de “Administradoras de Fondos de Pensiones”, e garantindo um sistema básico de assistência, de benefício mínimo, não contributivo, custeado por impostos, preservou a previdência dos militares. Muitos países mantêm regimes previdenciários com garantia de aposentadoria integral para os militares como fórmula de manter os mesmos nas carreira, dando-lhes estabilidade no longo prazo como forma de compensar a instabilidade e os riscos do curto prazo. É o caso de países como Brasil, México, Portugal, Peru, Espanha, Venezuela, China, Coréia, Paraguai e até a Argentina. Outros, embora mantenham regimes diferenciados para os militares, não garantem a integralidade, como EUA, Alemanha, França, Japão, Noruega, Colômbia e Reino Unido. Em todos esses casos, os custos desses regimes são admitidos como encargos de toda a sociedade, em benefício da profissionalização das Forças Armadas. O mesmo ocorre quanto aos civis, notadamente quando se considera que o Estado não pode adotar o regime de emprego público ou terceirizar em todas as suas áreas de atuação. Quando dispõe de um regime previdenciário próprio, o servidor estável está protegido, de certa forma, da insegurança que deriva de um regime previdenciário cuja taxa de reposição seja insuficiente e que lhe acarrete, na aposentadoria, uma redução de renda significativa. Não se trata, portanto, de meramente assegurar uma renda mínima na velhice, mas de garantir a estabilidade financeira do aposentado.Resta saber, porém, se o regime atualmente existente atende a premissas como essa, ou se é, efetivamente, fonte de distorções ou privilégios ou desequilíbrios financeiros que justifiquem a sua “reforma”. Quanto ao primeiro aspecto, é notório que a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, já afastou as alegações antes existentes. A EC nº 20 determinou, inclusive, que os regimes próprios observassem os requisitos e critérios fixados para o RGPS, no que couber, impedindo, assim, normas extravagantes e o excesso de generosidade que em muitos casos proliferavam, tais como a concessão de benefícios sem paralelo, regras de cálculo de benefício irrazoáveis e direitos sem fonte de custeio suficiente. Em relação aos desquilíbrios financeiros, é necessário separar o joio do trigo, ou seja, o atual quadro de necessidades de financiamento, produzido pelas políticas adotadas ao longo de 50 ou 60 anos, do quadro futuro, resultante da própria Emenda 20.O quadro atual deve ser obrigatoriamente analisado sob a perspectiva histórica: o regime dos servidores da União, assim como o de muitos Estados, só recentemente, a partir de 1993, passou a ter caráter contributivo. Até então, contribuía-se apenas para custeio das pensões, quando muito, sendo inegável o caráter premial das aposentadorias. Ademais, as mudanças no regime de trabalho dos servidores – com a adoção do regime celetista, na metade dos anos 70, e a volta ao regime estatutário, em 1990 – impactaram o regime à medida que os benefícios concedidos desde então não foram sustentados pelas contribuições vertidas durante mais de 16 anos pelos servidores ao RGPS, observadas as regras de custeio desse regime.Ademais, mesmo quando tal situação não ocorreu, os entes estatais jamais provisionaram recursos, ou lastrearam seus regimes previdenciários, ou sequer recolheram a um fundo específico contribuições sobre a folha de pagamentos, como qualquer empregador é obrigado a fazer. Simplesmente aceitaram a idéia de arcar, no momento próprio, com o pagamento de benefícios, fixando, por lei, os valores dos benefícios que iriam conceder. Quando tais regimes foram custeados por contribuições, muitas vezes os recursos acumulados foram desviados ou dilapidados; somente após a Lei nº 9.717, de 1998, e da Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, passou-se a impedir esses desvios e a punir os maus gestores dos recursos previdenciários dos regimes próprios. E só a partir de 1999 os regimes próprios passaram a se preocupar com a constituição de fundos de ativos destinados a superar, no médio ou longo prazos, os seus problemas presentes de financiamento. Em qualquer caso, os Tesouros – responsáveis pelos benefícios – são obrigados a pagar, mensalmente, uma folha de aposentadorias e pensões que cresce na mesma proporção em que se reduz o número de servidores ativos, que em grande medida não são substituídos por novos servidores, mas por trabalhadores terceirizados, onerando ainda mais os cofres públicos.Mesmo assim, a grande maioria dos Estados, e parte considerável dos Municípios, ainda pratica alíquotas reduzidas de contribuição previdenciária. Na maior parte dos casos as alíquotas de contribuição dos servidores estaduais são inferiores às dos servidores federais2 . Apenas os Estados do Amazonas e Pernambuco praticam alíquotas superiores. E apenas 9 Estados descontam o mesmo que a União (11%). No caso do Estado de São Paulo, sequer há desconto para aposentadorias: os servidores contribuem com 6%, destinados ao custeio das pensões. Por outro lado, a maior parte dos Estados recolhe contribuições dos respectivos Tesouros para o custeio de seus planos, seja no presente ou no futuro, mediante alíquotas ínfimas ou insuficientes, demonstrando que não há efetiva disposição em “capitalizar” os respectivos regimes.Ainda do ponto de vista do equilíbrio financeiro, se “segmentarmos” os regimes próprios em duas “massas” (pré e pós EC nº 20) constataremos que, para o futuro, os regimes próprios são plenamente sustentáveis, desde que as contribuições do Estado e dos servidores sejam equivalentes às fixadas para o RGPS. Cálculos financeiros reiteradamente demonstram que uma alíquota total de 31% sobre a totalidade da remuneração, aplicada sobre remunerações progressivas ao longo de 35 anos, é suficiente para manter um benefício integral que corresponda ao dobro ou até ao triplo da remuneração inicial por prazos que vão de 30 anos a períodos infinitos, desde que a taxa de juros supere os 3% ao ano. Para salários de contribuição constantes, as alíquotas de equilíbrio são bem inferiores, assim como o tempo de contribuição exigido. A atual idade mínima exigida (60 ou 55 anos) é mais do que razoável para o propósito da busca do equilíbrio dos regimes próprios, desde que haja a contribuição do ente estatal e do servidor em bases razoáveis, não sendo necessários quaisquer ajustes pelos próximos 20 ou 25 anos, a depender dos ganhos de longevidade da massa de segurados dos regimes próprios. Quanto aos atuais servidores, considerados os que ingressaram até dezembro de 1998, é fato que as necessidades de financiamento serão crescentes, até o dia em que não restará nenhum servidor ativo ingressado antes daquela data para ser considerado “contribuinte” do sistema. Se, hoje, há cerca de 1 ativo para cada aposentado, haverá o dia em que todos estarão aposentados, mas a despesa total com aposentadorias e pensões continuará a ser algo em torno de 50 ou 55% da folha total, pois não se somam, indefinidamente, os futuros aposentados aos atuais aposentados – o ser humano tem o mau hábito de morrer. Ainda que a longevidade aumente, dos atuais 530.000 servidores aposentados da União, que se somam aos cerca de 400.000 pensionistas, a grande maioria não estará mais entre nós quando o último dos atuais 850.000 ativos houver se aposentado. É certo dizer, inclusive, que haverá uma gradual redução do número de aposentados e pensionistas, a depender do fluxo de ingressos no serviço público federal nos próximos anos. Assim, a projeção que prevê uma manutenção ou estabilização das necessidades de financiamento dos regimes próprios poderá estar correta, assim como a tendência declinante, a mais longo prazo, quando os servidores que ingressarem doravante passarão a aposentar-se tendo seus benefícios custeados em bases mais adequadas.Não há, portanto, razões que mostrem ser indispensável a reforma dos regimes próprios, embora seja conveniente, no curto e no médio prazos, reduzir as pressões sobre o déficit público, dando ao Estado ligeira folga para aplicar os recursos em outras despesas de custeio ou mesmo para reduzir as defasagens remuneratórias no próprio serviço público, onde a maioria dos servidores acumula perdas históricas em seu poder aquisitivo. Basta constatar que a evolução da folha de pagamentos da União, incluindo ativos e inativos, sofreu redução entre 1995 e 2001, vis a vis o PIB: segundo o Banco Central, caiu de 5,99% para 5,25%; segundo o Ministério do Planejamento, caiu de 5,85% para 5,47%. E, isso, sem considerarmos que, se os anos em questão não houvessem sido anos de crescimento pífio, a relação teria caído muito mais.No entanto, caso se imponha a necessidade de aperfeiçoamento e desde que não implique redução e/ou quebra de expectativa de direitos, o movimento eventualmente poderia debater alterações na previdência, além das introduzidas pela Emenda Constitucional nº 20/98, voltada para: a) evitar abusos e desvios na concessão de pensões, b) ampliar o tempo de serviço público para efeito de aposentadoria integral, c) desmembrar o atual percentual de contribuição com parcela destinada à aposentadoria e parcela à pensão, d) instituir incentivo para retardar eventuais aposentadorias precoces, e) estabelecer um teto único de remuneração e proventos no serviço público, como forma de evitar aposentadorias milionárias, e f) instituir penalidades ao administrador público inadimplente com o regime próprio.Este, como se vê, é um“debate ardil”, onde as verdadeiras intenções governamentais se ocultam sob uma “capa” de racionalidade. A verdade é que a previdência dos servidores é o grande filão para o crescimento da previdência privada no Brasil, como foi no mundo todo, ao ponto de os maiores fundos de pensão nos EUA, Reino Unido, Holanda e outros países serem fundos de pensão de servidores públicos, cuja renda média permite uma capacidade de poupança maior do que a média do setor privado. Nesse ponto reside o nó da discussão entre direitos adquiridos e expectativa de direitos: os servidores são o alvo de um processo de transferência de receita para o setor privado que precisa ser atingido no curto prazo. Garantir o princípio do direito adquirido em sentido amplo – preservando os direitos em fase de aquisição – como foi feito na reforma do regime previdenciário dos servidores no EUA, em 1983 – não atende a esse princípio. Por outro lado, tampouco é vantajosa, para os Estados e Municípios, a pura e simples extinção dos regimes próprios e a perda de arrecadação e acréscimo de encargos que essa opção acarretaria no curto prazo.Assim, entre as diversas possibilidades encontra-se, tanto no interesse dos servidores quanto dos entes federativos, a manutenção dos regimes próprios, de modo a que, no longo prazo, seja mediante a constituição de fundos de ativos, seja mediante o aporte de contribuições adicionais, seja mediante a racionalização dos planos de custeio e de benefícios, seja mediante o aumento da arrecadação, o crescimento do PIB e outros fatores derivados do crescimento econômico, se consiga atingir um patamar mais adequado para a discussão de “reformas” na Previdência Social que tenham caráter includente, e não excludente.

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