logo wagner advogados
Há 40 anos defendendo trabalhadores, aposentados e pensionistas | OAB/RS 1419
Presente em 12 estados.

Princípio da Segurança Jurídica

Home / Informativos / Jurídico /

05 de junho, 2003

A Turma, resolvendo questão de ordem, referendou a decisão do Min. Gilmar Mendes, relator, que, com base no princípio da segurança jurídica, concedera efeito suspensivo ao recurso extraordinário interposto contra acórdão do TRF da 4ª Região que indeferira a transferência da requerente de uma universidade federal para outra, solicitada em virtude da mudança de domicílio decorrente de sua aprovação em concurso público na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, tendo em conta a peculiar situação jurídica da requerente, prestes a concluir o curso de direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Leia o inteiro teor da decisão monocrática do Min. Gilmar Mendes que concedera efeito suspensivo ao citado recurso extraordinário:Relator: min. Gilmar mendesDECISÃO: Cuida-se de ação cautelar com pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso extraordinário, interposto por Roberta de Leon Valiente, contra acórdão da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que indeferiu a sua transferência de uma instituição de ensino superior federal para outra, pleiteada em razão da assunção de cargo, para o qual foi aprovada em concurso público.Preliminarmente, cabe anotar que, embora tenha sido apresentada, tão-somente, a petição de fls. 2-6, dou por sanada a deficiência de instrução dos autos, por já se encontrar nesta Corte o recurso extraordinário a que ela se refere.A requerente, por ter sido nomeada para trabalhar em Porto Alegre, em decorrência de sua aprovação no concurso público para o cargo de técnico operacional júnior na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, em 1999, mudou seu domicílio para Porto Alegre. Assim, pleiteou a transferência do curso de Direito da Universidade de Pelotas – UFPEL, onde se encontrava matriculada no 4º (quarto) semestre, para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, com base no princípio constitucional estabelecido, principalmente, nos arts. 205 c.c. 206, I e IV, e 37 c.c. 5º, XXXIII.O pleito foi indeferido, administrativamente, ao entendimento de que não se tratava “de funcionária pública federal removida ex-officio, não se enquadrando, portanto, na Lei 9.536/97 para ingresso na UFRGS” (fls. 21).Daí ter impetrado mandado de segurança, acolhido em sentença datada de 21.12.2000, “(a) para reconhecer que a impetrante tem direito a transferir-se e a freqüentar o curso de direito na UFRGS, a partir deste semestre; (b) determinar à autoridade impetrada que imediatamente providencie a transferência da parte impetrante, permitindo que a mesma realize a matrícula, freqüente as atividades discentes e todas as demais decorrentes da sua condição de estudante, tudo nos termos da fundamentação” (fls. 64).O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao julgar a apelação em mandado de segurança, reformou a sentença de 1º grau, forte no argumento de que a impetrante não provara a existência de vagas na universidade para a qual pretendia ingressar e, também, por considerar inaplicável a transferência compulsória, disciplinada pela Lei nº 9.536, de 1997, aos empregados de empresa pública que não gozam de “status” de funcionário ou servidor público federal. Ainda, nos termos do parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 9.536, de 1997, assentou-se que a mudança de cidade para assunção de cargo em razão de concurso público não dá direito à transferência compulsória de matrícula (fls. 96).Contra essa decisão, houve a interposição de recurso extraordinário, com fundamento no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, em que se alega a violação dos arts. 5º, XXXIII; 37; 205 e 206, I e IV, da Carta Magna.Conforme a narrativa da requerente, o inconformismo se deve ao desrespeito à norma geral estabelecida na Constituição de que “o ensino é público e obrigatório em todos os níveis e para todos os cidadãos”. E que, “diante do fato concreto a mínima providência deveria ter sido a verificação sobre a existência ou não de vagas, o estudo minucioso das particularidades (motivos do requerimento) e somente após, expedida a decisão, sobre a possibilidade ou não da transferência”.Alega, ainda, que o fato de a requerida impedir a continuidade de seus estudos em universidade pública e gratuita, “sem demonstrar impossibilidade por falta de vagas no semestre pretendido e sob alegação de que esta transferência não é obrigatória, segundo a Lei 9.536/97 e Instrução Normativa nº 001/2000, reprisa-se, é verdadeiro acinte aos princípios constitucionais norteadores da Administração Pública, especificamente: estudo público gratuito direito de todos e dever do Estado”, causando prejuízos à sua profissionalização e realização pessoal.No âmbito da cautelar, a matéria evoca, inevitavelmente, o princípio da segurança jurídica.A propósito do direito comparado, vale a pena trazer à colação clássico estudo de Almiro do Couto e Silva sobre a aplicação do aludido:”É interessante seguir os passos dessa evolução. O ponto inicial da trajetória está na opinião amplamente divulgada na literatura jurídica de expressão alemã do início do século de que, embora inexistente, na órbita da Administração Pública, o principio da res judicata, a faculdade que tem o Poder Público de anular seus próprios atos tem limite não apenas nos direitos subjetivos regularmente gerados, mas também no interesse em proteger a boa fé e a confiança (Treue und Glauben)dos administrados.(…)Esclarece OTTO BACHOF que nenhum outro tema despertou maior interesse do que este, nos anos 50 na doutrina e na jurisprudência, para concluir que o princípio da possibilidade de anulamento foi substituído pelo da impossibilidade de anulamento, em homenagem à boa fé e à segurança jurídica. Informa ainda que a prevalência do princípio da legalidade sobre o da proteção da confiança só se dá quando a vantagem é obtida pelo destinatário por meios ilícitos por ele utilizados, com culpa sua, ou resulta de procedimento que gera sua responsabilidade. Nesses casos não se pode falar em proteção à confiança do favorecido. (Verfassungsrecht, Verwaltungsrecht, Verfahrensrecht in der Rechtssprechung des Bundesverwaltungsgerichts, Tübingen 1966, 3. Auflage, vol. I, p. 257 e segs.; vol. II, 1967, p. 339 e segs.).Embora do confronto entre os princípios da legalidade da Administração Pública e o da segurança jurídica resulte que, fora dos casos de dolo, culpa etc., o anulamento com eficácia ex tunc é sempre inaceitável e o com eficácia ex nunc é admitido quando predominante o interesse público no restabelecimento da ordem jurídica ferida, é absolutamente defeso o anulamento quando se trate de atos administrativos que concedam prestações em dinheiro, que se exauram de uma só vez ou que apresentem caráter duradouro, como os de índole social, subvenções, pensões ou proventos de aposentadoria.”Depois de incursionar pelo direito alemão, refere-se o mestre gaúcho ao direito francês, rememorando o clássico “affaire Dame Cachet”:”Bem mais simples apresenta-se a solução dos conflitos entre os princípios da legalidade da Administração Pública e o da segurança jurídica no Direito francês. Desde o famoso affaire Dame Cachet, de 1923, fixou o Conselho de Estado o entendimento, logo reafirmado pelos affaires Vallois e Gros de Beler, ambos também de 1923 e pelo affaire Dame Inglis, de 1935, de que, de uma parte, a revogação dos atos administrativos não cabia quando existissem direitos subjetivos deles provenientes e, de outra, de que os atos maculados de nulidade só poderiam ter seu anulamento decretado pela Administração Pública no prazo de dois meses, que era o mesmo prazo concedido aos particulares para postular, em recurso contencioso de anulação, a invalidade dos atos administrativos.HAURIOU, comentando essas decisões, as aplaude entusiasticamente, indagando: 'Mas será que o poder de desfazimento ou de anulação da Administração poderá exercer-se indefinidamente e em qualquer época? Será que jamais as situações criadas por decisões desse gênero não se tornarão estáveis? Quantos perigos para a segurança das relações sociais encerram essas possibilidades indefinidas de revogação e, de outra parte, que incoerência, numa construção jurídica que abre aos terceiros interessados, para os recursos contenciosos de anulação, um breve prazo de dois meses e que deixaria à Administração a possibilidade de decretar a anulação de ofício da mesma decisão, sem lhe impor nenhum prazo'. E conclui: 'Assim, todas as nulidades jurídicas das decisões administrativas se acharão rapidamente cobertas, seja com relação aos recursos contenciosos, seja com relação às anulações administrativas; uma atmosfera de estabilidade estender-se-á sobre as situações criadas administrativamente.' (La Jurisprudence Administrative de 1892 a 1929, Paris, 1929, vol. II, p. 105-106.)”.Na mesma linha, observa Couto e Silva em relação ao direito brasileiro:”MIGUEL REALE é o único dos nossos autores que analisa com profundidade o tema, no seu mencionado 'Revogação e Anulamento do Ato Administrativo' em capítulo que tem por título 'Nulidade e Temporalidade'. Depois de salientar que 'o tempo transcorrido pode gerar situações de fato equiparáveis a situações jurídicas, não obstante a nulidade que originariamente as comprometia', diz ele que 'é mister distinguir duas hipóteses: (a) a de convalidação ou sanatória do ato nulo e anulável; (b) a perda pela Administração do benefício da declaração unilateral de nulidade (le bénéfice du préalable)'. (op. cit., p.82). (SILVA, Almiro do Couto e. Os princípios da legalidade da administração pública e da segurança jurídica no estado de direito contemporâneo. Revista da Procuradoria-Geral do Estado. Publicação do Instituto de Informática Jurídica do Estado do Rio Grande do Sul, V. 18, Nº 46, p. 11-29, 1988).”Considera-se, hodiernamente, que o tema tem, entre nós, assento constitucional (princípio do Estado de Direito) e está disciplinado, parcialmente, no plano federal, na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (v.g. art. 2º).Em verdade, a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça material.Tendo em vista todas essas considerações e a peculiar situação jurídica da ora recorrente, prestes a concluir o curso de direito na UFRGS (conforme consta das razões recursais, em outubro de 2002, a requerente cursava o 8º semestre), defiro a tutela cautelar, ad referendum da 2ª Turma, para dar efeito suspensivo ao recurso extraordinário, até seu final julgamento nesta Corte. STF, 1ªT., Pet (QO) 2.900-RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 27.5.2003, Inf. 310.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *