logo wagner advogados
Há 40 anos defendendo trabalhadores, aposentados e pensionistas | OAB/RS 1419
Presente em 12 estados.

Direito de acesso a documentos públicos. Prerrogativa de índole constitucional (CF, art. 5º, XXXIII). Documentos comprobatórios de despesas públicas.

Home / Informativos / Jurídico /

04 de dezembro, 2003

Verba indenizatória do exercício parlamentar. Imprensa. Pretensão de acesso a tais documentos. Legitimidade. Meios de comunicação social. Poder-dever de transmitir, ao público, informações de interesse coletivo ou geral (CF, art. 220, § 1º, c/c o art. 5°, IV e XIV). Liminar mandamental deferida.- Assiste, aos cidadãos e aos meios de comunicação social (“mass media”), a prerrogativa de fiscalizar e de controlar a destinação, a utilização e a prestação de contas relativas a verbas públicas. O direito de receber, dos órgãos integrantes da estrutura institucional do Estado, informações revestidas de interesse geral ou coletivo qualifica-se como prerrogativa de índole constitucional, sujeita, unicamente, às limitações fixadas no próprio texto da Carta Política (CF, art. 5º, XIV e XXXIII). – Os postulados constitucionais da publicidade, da moralidade e da responsabilidade – indissociáveis da diretriz que consagra a prática republicana do poder – não permitem que temas, como os da destinação, da utilização e da comprovação dos gastos pertinentes a recursos públicos, sejam postos sob inconcebível regime de sigilo. Não custa rememorar que os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério, eis que a legitimidade político-jurídica da ordem democrática, impregnada de necessário substrato ético, somente é compatível com um regime do poder visível, definido, na lição de BOBBIO, como “um modelo ideal do governo público em público”.- Ao dessacralizar o segredo, a nova Constituição do Brasil restaurou o velho dogma republicano e expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publicidade, cuja incidência – sobre repudiar qualquer compromisso com o mistério – atua como fator de legitimação das decisões e dos atos governamentais.- O novo estatuto político brasileiro – que rejeita o poder que oculta e que não tolera o poder que se oculta – consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como expressivo valor constitucional, incluindo-o, tal a magnitude desse postulado, no rol dos direitos, das garantias e das liberdades fundamentais (RTJ 139/712-713).DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado contra suposta omissão imputada à Mesa da Câmara dos Deputados, representada por seu eminente Presidente, cuja injustificável inércia – segundo se alega -, registrada ao longo dos últimos três (3) meses (fls. 05), teria frustrado direito subjetivo da parte ora impetrante, legitimador de sua pretensão de acesso “aos comprovantes e contratos, deste ano, relativos à utilização da verba indenizatória de uso dos Deputados (…)” (fls. 16).A ora impetrante, invocando a Constituição da República (art. 5º, XXXIII) e a Lei nº 8.159/91 (art. 4º), postula, com apoio em tais preceitos normativos, seja determinado à autoridade ora apontada como coatora que lhe dê acesso aos “documentos comprobatórios do uso da verba indenizatória criada pelo Ato da Mesa da Câmara dos Deputados nº 62, relativos ao corrente ano” (fls. 10, item n. 23).Passo a apreciar o pedido de medida liminar ora formulado pela parte impetrante.A Mesa da Câmara dos Deputados, ao dispor sobre a verba indenizatória do exercício do mandato parlamentar, veio a estabelecer, quanto a tal benefício pecuniário, a disciplina jurídica de sua instituição, de sua concessão e de sua comprovação documental.Em conseqüência dessa resolução, a Mesa da Câmara dos Deputados promulgou o Ato nº 62, de 05/04/2001, que possui o seguinte teor (fls. 14/15):”Art. 1º. Fica instituída a Verba Indenizatória do Exercício Parlamentar, até o limite mensal de R$ 7.000,00 (sete mil reais), destinada exclusivamente ao ressarcimento de despesas com aluguel, manutenção de escritórios, locomoção, dentre outras diretamente relacionadas ao exercício do mandato parlamentar.Art. 2º. O benefício será concedido mediante solicitação de ressarcimento dirigida à Primeira-Secretaria, instruída com a necessária documentação fiscal comprobatória da despesa, devidamente atestada pelo parlamentar.Parágrafo único. Somente serão objeto de ressarcimento os documentos apresentados até o último dia útil do mês subseqüente a que se refere a despesa, observado o regime de competência.Art. 3º. O parlamentar titular do mandato perderá o direito à verba de que trata este ato quando:I – investido em cargo previsto no art. 56, I, da Constituição Federal, mesmo quando tenha optado pela remuneração do mandato;II – afastado para tratar de interesse particular, sem remuneração;III – o respectivo suplente encontrar-se no exercício do mandato. Art. 4º. Fica criado no Departamento de Finanças, Orçamento e Contabilidade o Núcleo de Fiscalização e Controle da Verba Indenizatória do Exercício Parlamentar, com a atribuição de promover auditorias, verificações, conferências, glosas e demais providências pertinentes para o regular processamento da documentação comprobatória apresentada, de acordo com a legislação vigente.Art. 5º. As despesas decorrentes deste Ato da Mesa serão viabilizadas mediante remanejamento de recursos do orçamento da Câmara dos Deputados, de forma que não impliquem aumento da despesa prevista para o exercício de 2001.Art. 6º. Este Ato entra em vigor na data de sua publicação, com efeitos financeiros a partir de 1º de maio de 2001, e será regulamentado por meio de Portaria do Presidente da Câmara dos Deputados.” A ora impetrante, que é empresa jornalística, sustenta que a omissão atribuída à Mesa da Câmara dos Deputados, representada por seu ilustre Presidente, importa em grave, injusta e inegável lesividade ao seu direito de receber, desse órgão integrante da estrutura institucional do Poder Legislativo, informações, que, por se referirem ao uso de recursos públicos, revestem-se, necessariamente, de interesse coletivo e geral, o que torna plenamente justificável a asserção, contida nesta impetração mandamental, de que o tema em causa põe em evidência a prerrogativa – que assiste aos cidadãos e aos meios de comunicação social (“mass media”) – de fiscalizar e de controlar a destinação, a utilização e a prestação de contas relativas a verbas públicas.Os elementos expostos pela parte ora impetrante parecem revelar preocupante desconsideração e indiferença do órgão estatal apontado como coator em relação a um pleito, que, legitimamente formulado por quem dispõe da prerrogativa de deduzi-lo, encontra apoio em valores fundamentais que dão substância aos postulados constitucionais da publicidade, da moralidade e da responsabilidade.O princípio da publicidade – indissociável, por efeito de sua natureza mesma, do postulado que consagra a prática republicana do poder – não pode sujeitar temas, como o da destinação, o da utilização e o da comprovação de recursos financeiros concedidos pelo Estado, a um inconcebível regime de sigilo, pois, nessa matéria, deve prevalecer a cláusula da publicidade, a impor a transparência dos atos governamentais.Não custa rememorar, neste ponto, que os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério.Na realidade, a Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição expressiva de BOBBIO (“O Futuro da Democracia”, p. 86, 1986, Paz e Terra), como “um modelo ideal do governo público em público”.A Assembléia Nacional Constituinte, em momento de feliz inspiração, repudiou o compromisso do Estado com o mistério e com o sigilo, que fora tão fortemente realçado sob a égide autoritária do regime político anterior (1964-1985), quando no desempenho de sua prática governamental. Ao dessacralizar o segredo, a Assembléia Constituinte restaurou velho dogma republicano e expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publicidade, convertido, em sua expressão concreta, em fator de legitimação das decisões e dos atos governamentais.É preciso não perder de perspectiva que a Constituição da República não privilegia o sigilo, nem permite que este se transforme em “praxis” governamental, sob pena de grave ofensa ao princípio democrático, pois, consoante adverte NORBERTO BOBBIO, em lição magistral sobre o tema (“O Futuro da Democracia”, 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério.Tenho por inquestionável, por isso mesmo, que a exigência de publicidade dos atos que se formam no âmbito do aparelho de Estado traduz conseqüência que resulta de um princípio essencial a que a nova ordem jurídico-constitucional vigente em nosso País não permaneceu indiferente.O novo estatuto político brasileiro – que rejeita o poder que oculta e que não tolera o poder que se oculta – consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como expressivo valor constitucional, incluindo-o, tal a magnitude desse postulado, no rol dos direitos, das garantias e das liberdades fundamentais, como o reconheceu, em julgamento plenário, o Supremo Tribunal Federal (RTJ 139/712-713, Rel. Min. CELSO DE MELLO).Impende assinalar, ainda, que o direito de acesso às informações de interesse coletivo ou geral – a que fazem jus os cidadãos e, também, os meios de comunicação social – qualifica-se como instrumento viabilizador do exercício da fiscalização social a que estão sujeitos os atos do poder público, notadamente aqueles que envolvem, como no caso, o dispêndio de recursos públicos.Cabe referir, ainda, tendo presente o contexto desta causa, o princípio da responsabilidade, em tudo consentâneo com a noção ineliminável da ética republicana.Não se pode ignorar que o princípio republicano consagra o dogma de que todos os agentes públicos – qualquer que seja a esfera institucional em que atuem – são responsáveis em face da lei e perante a Constituição, devendo expor-se, por isso mesmo, de maneira plena, às conseqüências que derivem de comportamentos que possam concretizar eventual inobservância do ordenamento positivo.O sistema democrático e o modelo republicano não admitem, nem podem tolerar, a existência de regimes de governo sem a correspondente noção de fiscalização e de responsabilidade.Nenhuma instituição da República está acima da Constituição, nem pode pretender-se excluída da crítica social ou do alcance da fiscalização da coletividade.É preciso, pois, reconhecer a soberania da Constituição, proclamando-lhe a superioridade sobre todos os atos do Poder Público e sobre todas as instituições do Estado.Cumpre destacar, neste ponto, a clássica observação de GERALDO ATALIBA (“República e Constituição”, p. 38, item n. 9, 1985, RT), cujo magistério, no tema, merece permanente rememoração:”A simples menção ao termo república já evoca um universo de conceitos, intimamente relacionados entre si, sugerindo a noção do princípio jurídico que a expressão quer designar. Dentre tais conceitos, o de responsabilidade é essencial.” (grifei)Todas essas razões levam-me a conceder o provimento cautelar ora postulado, tão densa (e significativamente relevante) é a plausibilidade jurídica da pretensão mandamental deduzida na presente sede processual, consistente no direito de acesso a dados públicos, cuja titularidade, em nosso sistema constitucional, a todos assiste, notadamente às empresas jornalísticas, a quem incumbe a prerrogativa insuprimível de obter e de transmitir informações (CF, art. 220, § 1º c/c o art. 5º, IV e XIV).Reconheço que concorre, por igual, na espécie, o requisito pertinente ao “periculum in mora”, seja pelo período (superior a 3 meses) já decorrido desde a formulação do pleito em sede administrativa, seja pelas próprias razões expostas na presente impetração mandamental (fls. 08/09).Sendo assim, defiro o pedido de medida liminar formulado na presente sede processual, nos termos referidos pela impetrante no item n. 23 de sua petição inicial (fls. 10). Comunique-se.2. Requisitem-se informações à eminente autoridade ora apontada como coatora, encaminhando-se-lhe cópia da presente decisão. Publique-se. Brasília, 28 de novembro de 2003. STF, MS 24725 MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Inf. 331.