Segunda Guerra Mundial. Descendente de alemães. Perseguição política e tortura. Acusação de ideais nazistas. Indenização por danos materiais e morais.
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08 de abril, 2005
Apreciando apelações cíveis contra sentença que, julgando ação de indenização pela morte de descendente de alemães em virtude de perseguição política durante o período da Segunda Guerra Mundial, extinguira o processo sem exame do mérito, face à ilegitimidade passiva do Estado de Santa Catarina e da União, a Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento à apelação do autor e julgou prejudicado o recurso da União. Preliminarmente: a) reconheceu a legitimidade ativa da autora, esposa do de cujus, falecida no curso do processo, e de seus sucessores uma vez que “o direito à reparação do dano material não é personalíssimo, os sucesssores podem pleitear o que o sucedido deixou de receber em vida, e o dano moral, embora personalíssimo, atingiu também os sucessores e, de qualquer modo, a jurisprudência do STJ admite a sucessão processual pelos herdeiros da vítima”; b) bem como a legitimidade passiva dos réus, por tratar-se de relação jurídica de responsabilidade civil por ato ilícito atribuído à União e ao Estado de Santa Catarina, contra os quais foi dirigido o pedido condenatório; c) e rejeitou a prescrição, em virtude da alegada violação de direitos fundamentais. Quanto ao mérito, entendeu ter ficado comprovado que o marido da autora, comerciante bem sucedido e descendente de alemães, foi preso e torturado por policiais no período de 1942 a 1945, em razão de suspeitas de atividades nazistas, o que lhe causou fracasso profissional e doença mental que tornou impossível o convívio com a família e culminou com seu suicídio. Considerou evidente a ilegalidade dos atos praticados contra ele porque mesmo a Constituição Federal de 1937, no art. 122, XI, estabelecia que, à exceção do flagrante delito, ninguém poderia ser preso senão depois de pronúncia, salvo nos casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente, nem mantido em prisão sem culpa formada, senão pela autoridade competente, em virtude de lei e na forma por ela regulada. Por fim, condenou a União e o Estado de Santa Catarina, solidariamente, ao pagamento de R$ 500.000,00, a título de indenização por danos materiais, e 500 salários mínimos como indenização por danos morais, porém com o abatimento da reparação econômica, no valor de 300 salários mínimos, concedida pela União com base na Lei 10.559/2002. Participaram do julgamento os Desembargadores Sílvia Goraieb e Luiz Carlos de Castro Lugon. Excerto do voto do relator: “A Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, adotada pela Resolução 39/46, da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10/12/84 e ratificada pelo Brasil em 28/09/89 define: ‘1. Para os fins desta Convenção, o termo “tortura” designa qualquer ato pelo qual uma violenta dor ou sofrimento, físico ou mental é infligido intencionalmente a uma pessoa, com o fim de se obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissão; de puní-la por um ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir ela ou uma terceira pessoa; ou por qualquer razão baseada em discriminação de qualquer espécie, quando tal dor ou sofrimento é imposto por um funcionário público ou por outra pessoa atuando no exercício de funções públicas, ou ainda por instigação dele ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência, inerentes ou decorrentes de sanções legítimas.’ Dessa definição decorre que não apenas os atos praticados por agentes públicos, mas também aqueles praticados por outras pessoas no exercício (regular ou não) dessas funções, ou com o consentimento ou aquiescência dos agentes públicos, podem configurar violação aos direitos humanos. Aliás, é já tradicional a afirmação de que as violações dos direitos humanos decorrem não só de atos praticados pelo Estado, mas também de atos de terceiros praticados com o beneplácito do Estado. A brigada agia publicamente, com o conhecimento dos agentes do Estado – que, mesmo assim, nada fizeram para impedir o comportamento ilegal. (…) Está demonstrada a prática da tortura e a correspondente violação dos direitos humanos, a apontar para a responsabilidade do poder público.” Precedentes citados: STJ: RESP 440.626/SP, DJ 19-12-2002; RESP 343.654/SP , DJ 01-07-2002; RESP 612.108/PR. TRF 4ªR. 3ªT., AC 2001.72.02.000009-0/SC, Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, 22-02-2005, Inf. 228.