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VALOR ECONÔMICO: MPS CADUCAS, DÃO MAIS PODER AO EXECUTIVO

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23 de setembro, 2010

 
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou dezoito medidas provisórias que perderam sua eficácia por decurso do prazo de apreciação pelo Congresso Nacional. Isso fez com que as normas ditadas por essas MPs vigorassem durante quatro meses, tornassem legais os atos realizados durante sua vigência e, sem a conversão em lei pelo Legislativo, sumissem do ordenamento jurídico depois de 120 dias. Foram literalmente provisórias, mas tiveram efeitos permanentes.
 
Embora tenham ocorrido com pouca frequência -18 MPs entre as 399 editadas por Lula (0,04%) – a prática gera consequências no meio jurídico sem que haja aval do meio político, acarretando um aumento da capacidade de legislar pelo Poder Executivo. No governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), isso ocorreu apenas uma vez, em 2002, mas deve ser considerado que as atuais regras de tramitação das MPs passaram a vigorar em 11 de setembro de 2001, com a promulgação da Emenda Constitucional 32.
 
Por meio dela, as MPs têm vigência de 60 dias prorrogáveis por mais 60. Em 45 dias da publicação, passam a trancar a pauta do Congresso até serem votadas. Antes da emenda 32, elas podiam ser reeditadas sempre que não fossem apreciadas pelo Congresso dentro de 30 dias o que fez, por exemplo, a gestão FHC usar desse expediente 5.036 vezes.
 
Em boa parte dos casos em que as MPs não foram apreciadas no Legislativo, o incentivo veio do Palácio do Planalto. Como têm aplicação imediata, as MPs atingiram seus objetivos tão logo foram publicadas, não sendo, portanto, necessário o desgaste de negociar sua aprovação. Foram os casos, recentes, do aporte de R$ 6 bilhões da União à Caixa Econômica Federal, com a MP 470; e a capitalização do BNDES, em R$ 124 bilhões, com a MP 487.
 
Com os efeitos jurídicos já em andamento desde a sua edição, o governo conseguiu evitar eventuais contratempos, como emendas inseridas pela base governista como moeda de troca pela aprovação ou o desgaste político provocado pela oposição ao obstruir a votação em plenário ou propor emendas que desfigurem o objetivo inicial da MP.
 
Isso ocorreu, por exemplo, na tramitação da MP 487. Nas duas sessões do esforço concentrado do mês passado na Câmara dos Deputados, a batalha com a base governista e com a oposição foi tamanha -o texto original foi alterado e incluídas diversas emendas com benefícios fiscais para o setor elétrico- que a opção melhor para o governo foi deixá-la perder a eficácia.
 
Contudo, isso prejudicou em parte o próprio governo, pois, se por um lado conseguiu capitalizar o BNDES, por outro, não transformou em lei o trecho que se referia à possibilidade de a União poder permutar ações de sua propriedade nas empresas em que tem participação.
 
Para resolver isso, o governo, então, resolveu editar outra MP, a 500, que apresentou regras que facilitam a oferta de ações para a capitalização da Petrobras. O texto, porém, usa as mesmas palavras, só que em formato diferente, da MP 487, editada em 26 de abril, mas que perdeu validade em 5 de setembro, após algumas tentativas frustradas do Congresso em aprová-la.
 
Nesse caso, a perda de eficácia da MP foi corrigida com a edição de outra MP semelhante, a despeito de a própria Constituição vedar a “reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo”.
 
Em outros casos, a falta de conversão da MP em lei acarretou problemas que geraram insegurança jurídica. Foi o que ocorreu com a MP 303, a “MP do Refis 3”. Editada em 29 de junho de 2006, ela eliminou a necessidade de multa a empresas que não apresentavam a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais após o prazo legal. Não tendo sido apreciada pelo Congresso, perdeu eficácia em 27 de outubro, criando uma classe específica de contribuintes que ficam isentos do eventual pagamento da multa: apenas aqueles cujo processos administrativos tenham sido julgados no período de vigência da MP.
 
Situação semelhante ocorreu com a MP 252, a “MP do Bem” (benefícios fiscais), editada em 15 de junho de 2005. Com o objetivo, entre outros, de diminuir a alíquota do PIS e do Cofins para o setor automotivo, ela perdeu a eficácia após decurso do prazo de apreciação pelo Legislativo. Assim, também acabou por criar um grupo privilegiado de contribuintes: os que recolheram os tributos entre 1 de julho de 2005 e 13 de outubro de 2005 -mesmo prazo que vigorou a MP 252.
 
Já a MP 478, de 29 dezembro de 2009, entre outras medidas, federalizou ações judiciais referentes à apólice do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro da Habitação (SH/SFH) , criado em 1964 para dar cobertura a financiamentos habitacionais populares oferecidos pelo extinto Banco Nacional da Habitação .
 
Isso fez com que as companhias seguradoras requeressem nas ações em que figuram como rés a transferência dos autos da Justiça estadual, onde tramitavam, para a Justiça Federal, postergando a definição dos casos. Com a queda da MP, as ações mantiveram-se na esfera estadual, mas os recursos judiciais solicitando suas transferências já haviam sido apresentados, o que, inevitavelmente, atrasou o andamento das ações.
 
Pela Constituição, cabe ao Congresso disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas decorrentes da MP que perdeu a eficácia por não ter sido analisada. Isso, porém, não ocorreu em nenhum dos dezoito casos no atual governo.
 
Para o juiz Marco Aurélio Sampaio, autor do livro “A Medida Provisória no Presidencialismo Brasileiro”, há um abuso na edição de MPs no qual o Congresso também é responsável. “A inércia do Legislativo que não cumpre a sua parte em analisar as medidas como elas devem ser analisadas gera uma liberdade maior do Executivo. O Congresso é o juiz das MPs, mas não exerce esse papel”, afirma.
 
Isso, segundo ele, é comprovado pela ausência de debate nas apreciações das medidas e também pela falta de formação das comissões mistas para analisá-las. “Tudo já vem pronto e acordado nos gabinetes com as lideranças. A votação sempre é quase unânime e simbólica”, afirma.
 
Ele diz ainda que os parlamentares reclamam, mas são grande beneficiários dessas MPs, pois a utilizam como instrumento de troca com o Executivo. “Se fosse tão ruim para eles, podendo modificá-las e até derrubá-las, por que não fazem isso?”
 
O Valor procurou a Subchefia para Assuntos Juridicos do Palácio do Planalto, que não deu retorno ao pedido de entrevista. O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), não quis comentar o assunto.
 
FONTE: VALOR ECONÔMICO – 23/09/2010
 

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