logo wagner advogados

União formaliza pedido de desculpas aos familiares de vítimas da ditadura militar e à sociedade brasileira

Home / Informativos / Leis e Notícias /

31 de março, 2025

Em documento homologado pelo TRF3, Estado reconheceu negligência na condução dos trabalhos de identificação das ossadas na vala de Perus

A União pediu oficialmente, em 24 de março, desculpas aos familiares dos desaparecidos políticos durante a ditadura militar e à sociedade brasileira pela negligência, entre 1990 e 2014, na execução dos trabalhos de identificação das ossadas encontradas na vala clandestina de Perus.

O pedido de desculpas foi formalizado pela ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Macaé Evaristo. A cerimônia ocorreu no “Dia da Memória pela Verdade e pela Justiça”, no cemitério Dom Bosco, em São Paulo/SP, onde a vala foi descoberta.

O pedido de desculpas havia sido homologado pelo Gabinete da Conciliação do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Gabcon/TRF3) em dezembro de 2024.

O ato foi realizado a partir de acordo judicial entre a União e o Ministério Público Federal (MPF) e homologado pelo juiz federal Eurico Zecchin Maiolino, designado conciliador na ação civil pública que pedia a identificação de desaparecidos políticos enterrados em valas do cemitério paulistano.

Para o magistrado, foi um processo difícil e trabalhoso, mas realizado por meio do diálogo e com a participação de diversos atores envolvidos.

“O pedido de desculpas foi construído ao longo do tempo para que culminasse nesse evento”, reiterou.

Ministra do MDHC, Macaé Evaristo ressaltou que o direito à verdade estabelece deveres que precisam ser levados a sério pelo Estado: proteger e garantir os direitos humanos, conduzir investigações eficazes e assegurar reparações.

“Quando falamos de direito à verdade, falamos de direitos muito concretos das vítimas e de seus familiares: o direito de conhecer, de forma plena e completa, as circunstâncias em que as violações de direitos humanos ocorreram e suas razões”, afirmou.

A conselheira da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), Maria Cecília Adão, destacou o peso simbólico do pedido de desculpas.

“Ele mostra que não estamos encerrando um trabalho, mas sim nos colocando na direção correta novamente e nos reorientando para a continuidade das atividades de buscas”, enfatizou.

Gilberto Molina representou os familiares dos desaparecidos políticos na solenidade. Ele relatou o sofrimento da família durante as buscas pelo irmão. Os restos mortais de Flávio Carvalho Molina foram encontrados na vala de Perus e identificados em 2005.

“Se eu passei por esse velório por quase 50 anos, os familiares que ainda procuram estão com esse velório ainda mais extenso. Eu faço votos que todos tenham perseverança, principalmente com essas ações que estão sendo tomadas agora, na busca pela justiça”, finalizou.

Também participaram da cerimônia o chefe da assessoria especial de defesa da democracia, memória e verdade do MDHC, Nilmário Miranda; a procuradora-geral da União, Clarice Calixto; a secretária municipal dos Diretos Humanos e da Cidadania, Regina Santana; a procuradora do MPF, Ana Letícia Absy; a pró-reitora de extensão e cultura da Unifesp, Débora Galvani; além de outras autoridades executivas, legislativas e judiciárias.

O acordo

O acordo foi homologado na ação civil pública ajuizada pelo MPF, em 2009, para a identificação de desaparecidos políticos, vítimas da repressão durante a ditadura militar, enterrados em valas do cemitério paulistano junto a pessoas indigentes e desconhecidas. Coube ao Gabcon/TRF3 acompanhar o cumprimento das determinações assumidas pela União.

O pedido de desculpas reconheceu os avanços no processo de identificação dos remanescentes ósseos, desde 2014, como fruto do trabalho conduzido pela equipe multidisciplinar pericial do Grupo de Trabalho Perus (GTP), da atuação da CEMDP, do MPF, do Gabcon/TRF3 e do MDHC e, sobretudo, do trabalho incansável das famílias, ao longo de todo esse tempo.

A audiência de conciliação, realizada, no dia 3 de dezembro, por videoconferência, reuniu familiares dos desaparecidos políticos, representantes do MPF, da Advocacia Geral da União (AGU), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Prefeitura de São Paulo, da SP Parcerias, Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE/SP), MDHC e CEMDP.

Histórico

A vala no Cemitério Dom Bosco, conhecido como “Cemitério Perus”, foi criada entre os anos de 1975 e 1976, mas descoberta somente em 1990. Ao longo dos anos, o material encontrado circulou por várias instituições sem que fosse estabelecido um trabalho global de análise.

Em 2009, o MPF ajuizou ação civil pública para identificação de possíveis desaparecidos políticos, vítimas da repressão durante a ditadura militar, enterrados nas valas. No curso do processo, já foram realizadas aproximadamente sessenta audiências.

O Gabcon/TRF3 mediou o acordo que elaborou um plano prevendo a higienização, a análise bioantropológica e a retirada de amostras para sequenciamento genético dos indivíduos que apresentassem perfil aproximado aos dos 42 desaparecidos políticos.

Em 2014, o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp (CAAF/Unifesp) assumiu a incumbência pela identificação das ossadas e recebeu 1.049 caixas com remanescentes ósseos, após um acordo de cooperação técnica firmado entre a União, a Prefeitura de São Paulo e a Unifesp. As responsabilidades pela manutenção e pelo funcionamento do centro foi compartilhada entre o MDHC, o Ministério da Educação e a Universidade.

Até o momento, foram identificados os restos mortais de: Dênis Casemiro – em 1991; Frederico Eduardo Mayr – em 1992; Flávio Carvalho Molina – em 2005; Dimas Antônio Casemiro – em 2018 e Aluísio Palhano Pedreira Ferreira – em 2018.

Em 2024, o MDHC assinou novo Acordo de Cooperação Técnica junto ao CAAF/Unifesp e à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e da Cidadania da Prefeitura de São Paulo, com financiamento pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para a contratação de equipe pericial e a retomada dos trabalhos. O acordo celebrado pela Justiça Federal contempla a integralidade do trabalho de identificação das ossadas encontradas no “Cemitério de Perus”.

Concluída a etapa de identificação, a segunda fase do projeto, denominada de “reassociação” consiste na análise de misturas de remanescentes ósseos, que depende do treinamento de profissionais a ser realizado pelo laboratório holandês International Commission on Missing Persons (ICMP).

Para o futuro, há estudos que preveem a construção, pela Prefeitura de São Paulo, de um memorial com o objetivo de receber os remanescentes ósseos de maneira definitiva.

Fonte: TRF da 3ª Região