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Transferência de ofício: inexistência de universidade congênere à da origem e garantia de matrícula

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08 de outubro, 2018

É constitucional a previsão legal que assegure, na hipótese de transferência ex officio de servidor, a matrícula em instituição pública, se inexistir instituição congênere à de origem.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 57 da repercussão geral, desproveu recurso extraordinário interposto contra acórdão que, fundado no art. 49, parágrafo único (1), da Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB), regulamentada pela Lei 9.356/1997, garantiu a servidor público militar o acesso à universidade pública sem a realização de prévio processo seletivo.
O recorrente questionava a constitucionalidade do referido dispositivo legal, tendo em conta os princípios da isonomia e da Administração Pública e os direitos à igualdade de condições para o acesso à escola e à educação [artigos 5º, caput (2), 37, caput (3), 206, I (4) e 208, I e IV (5) da Constituição Federal (CF)].
Inicialmente, o Plenário, também por maioria, rejeitou questão de ordem suscitada pelo ministro Marco Aurélio no sentido de converter o julgamento em diligências para se verificar se o militar, do caso concreto, já teria concluído o curso, o que levaria ao prejuízo do recurso. O Tribunal considerou ser possível a apreciação da tese de repercussão geral em recurso extraordinário, ainda que o processo esteja prejudicado, em razão a objetivação dos recursos extraordinários, já reconhecida em decisões anteriores. Frisou a eficácia vinculante das teses firmadas em repercussão geral e o disposto nos artigos 998, parágrafo único (6), e 1.029, §3º (7), do CPC. Vencido o ministro Marco Aurélio que acolhia a questão de ordem, no sentido da necessidade da diligência, haja vista a impossibilidade do prosseguimento da análise da tese debatida no recurso extraordinário, se reconhecido o seu prejuízo, por se tratar de processo subjetivo.
Quanto ao mérito, o Tribunal registrou que foi julgado parcialmente procedente o pedido formulado na ADI 3.324 “para, sem redução de texto do artigo 1º da Lei nº 9.536, de 11 de dezembro de 1997, assentar-lhe a inconstitucionalidade, no que se lhe empreste o alcance de permitir a mudança, nele disciplinada, de instituição particular para pública, encerrando a cláusula ‘entre instituição vinculada a qualquer sistema de ensino’ a observância da natureza privada ou pública daquela de origem, viabilizada a matrícula na congênere”.
Esclareceu que, nesse precedente, não teriam sido examinados, entretanto, os casos de transferência para cidades em que não houvesse instituição de ensino congênere. Teria havido, nos debates do julgamento, apenas algumas indicações dos ministros no sentido de que essa controvérsia fosse deixada para os processos subjetivos. Inexistiria, no aludido julgado, solução nítida para a hipótese tratada no recurso extraordinário. Assim, cumpriria saber se as razões acolhidas pelo Tribunal, quando do julgamento da ADI 3.324, deveriam ser aplicadas à hipótese de transferência ex officio de servidor, no caso de não haver instituição congênere à de origem. Concluiu que isso não seria possível por duas razões.
A primeira decorre da parte dispositiva do precedente da ADI 3.324. Não obstante a inexistência da menção expressa à hipótese dos autos nas razões dos votos que julgaram a ação direta, o acórdão, em seu dispositivo, adotou a técnica da declaração parcial de nulidade sem redução de texto. Por meio dela, o Tribunal preserva o texto impugnado e afasta uma interpretação tida por incompatível com a Constituição.
Em virtude dessa técnica decisória, o direito invocado nos termos do art. 1º da Lei 9.536/1997 é inconstitucional somente em relação à interpretação que se lhe empreste o alcance de permitir a mudança, nele disciplinada, de instituição particular para pública, encerrando a cláusula “entre instituição vinculada a qualquer sistema de ensino” a observância da natureza privada ou pública daquela de origem, viabilizada a matrícula na congênere. Ou seja, com exceção da interpretação julgada inconstitucional pelo Tribunal, o art. 1º da Lei 9.536/1997 continua válido. Assim, porque a hipótese dos autos amolda-se ao contexto normativo, não há como afastar a compreensão acolhida pelo Tribunal.
A segunda razão consiste no fato de que, mesmo que se sustente a necessidade de o Supremo Tribunal Federal reexaminar a decisão dada na ADI 3.324, para declarar a inconstitucionalidade integral da norma ou para fazer uma interpretação conforme, o juízo de proporcionalidade feito na ação direta, em que se optou por exigir a congeneridade, não pode ser aplicado à hipótese dos autos. A situação distinta, seja porque restringe imoderadamente o exercício do direito à educação, seja porque a garantia de ensino é tão importante quanto o acesso a ele e a garantia de matrícula não é desproporcional. Isso torna as demais interpretações do art. 1º da Lei 9.536/1997 plenamente compatíveis com a Constituição.
Exigir que a transferência se dê entre instituições de ensino congêneres praticamente inviabiliza o direito à educação não apenas dos servidores, mas de seus dependentes, solução que viola o disposto na Lei 9.536/1997, e exclui, por completo, a fruição de um direito fundamental. Impedir a matrícula do servidor ou de seus dependentes, em caso de transferência compulsória, quando inexistir instituição congênere no município, possivelmente levaria ao trancamento do curso ou sua desistência. Assim, permitir a matrícula, ante a inviabilidade de um dos direitos em confronto, não se afigura desproporcional.
Vencido o ministro Marco Aurélio que proveu o recurso. Asseverou que, no julgamento da ADI 3.324, o Tribunal, ao dar ao art. 1º da Lei 9.536/1997, interpretação conforme a Constituição, sem redução do texto, estabeleceu vinculação no sentido de que a matrícula deve se dar em instituição privada, se assim o for a de origem, e, em pública, se o servidor ou o dependente for egresso da instituição pública. Para ele, o Tribunal agiu com acerto, considerado o livre acesso preconizado ao ensino superior no art. 206 da CF, obstaculizando que a simples determinação de transferência conduza à matrícula daquele que fez vestibular para uma universidade particular em uma universidade pública. Reconheceu, ainda, que o caso concreto apresenta peculiaridades que não revelam a existência de direito líquido e certo. Isso porque o militar alegou na petição inicial do mandado de segurança que assumiria um ônus excessivo com a transferência em face do pagamento das passagens de ônibus entre municípios e das mensalidades da universidade privada. Concluiu que, a não ser que se potencializasse a questão patrimonial, não haveria uma impossibilidade de matrícula na universidade congênere.
(1) Lei 9.394/1996: “Art. 49. As instituições de educação superior aceitarão a transferência de alunos regulares, para cursos afins, na hipótese de existência de vagas, e mediante processo seletivo. Parágrafo único. As transferências ‘ex officio’ dar-se-ão na forma da lei. ”
(2) CF: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) ”
(3) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) ”
(4) CF: “Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; (…) ”
(5) CF: “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria; (…) IV – atendimento em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (…)”
(6) CPC: “Art. 998. O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso. Parágrafo único. A desistência do recurso não impede a análise de questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquele objeto de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos. ”
(7) CPC: “Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: (…) § 3º O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave. ” STF, Repercussão Geral, RE 601580/RS, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 19.9.2018. Inf. 916.

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