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STJ anula decisão contra fazenda pública e pede investigação sobre atuação de autoridades do Amapá

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26 de setembro, 2013

Devido a uma série de “atrocidades processuais”, como definiu o ministro Herman Benjamin, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou decisão do Tribunal de Justiça do Amapá (TJAP) proferida contra o estado, que tenta evitar o pagamento de quase R$ 14 milhões à empresa Setra – Segurança e Transporte de Valores Ltda. 

 

O TJAP extinguiu ação rescisória movida pelos procuradores do estado depois de homologar um acordo duvidoso. A dívida cairia de cerca de R$ 14 milhões para R$ 8,7 milhões, pagos em 11 parcelas mensais diretamente na conta do advogado da empresa (declarada inapta com base na legislação tributária), sem a expedição de precatório judicial – o que contraria a Constituição Federal. 

 

Além de anular o acórdão e exigir novo julgamento da ação rescisória no TJAP, a Turma determinou a remessa de cópia do processo ao Conselho Nacional de Justiça, ao Ministério Público Federal, à corregedoria da Procuradoria-Geral do Amapá e ao governador, para apuração de irregularidades disciplinares, atos de improbidade e até mesmo crimes que possam ter sido cometidos por autoridades locais, entre elas um desembargador, hoje vice-presidente do TJAP, e uma ex-procuradora-geral do estado. 

 

Relator do caso, o ministro Herman Benjamin disse que o processo “denota sérios erros de julgamento que deixaram passar em livre trânsito um sem-número de gritantes vulnerações ao ordenamento jurídico e às mais comezinhas normas e princípios regentes da administração pública”. 

 

Segundo ele, a “complacência” do TJAP e da Procuradoria-Geral do estado diante de tantos erros, capazes de gerar grave lesão ao erário amapaense, “recomenda sejam apuradas eventuais irregularidades ou desvios funcionais na atuação de seus membros”. 

 

Assinatura falsa

 

O caso chegou ao STJ por meio de recurso especial em ação rescisória proposta pelo estado do Amapá. O objetivo da ação é desconstituir o julgamento de processo que condenou o estado a pagar R$ 13,8 milhões à Setra, em valores atualizados. Para isso, os procuradores estaduais apontaram inúmeras violações legais naquela decisão e ainda o fato de que a condenação do estado teria sido amparada em documento fraudulento, no qual constava assinatura falsa do governador. Eles apresentaram laudo da polícia técnica atestando a falsidade da assinatura. 

 

Apesar de tudo isso, o TJAP julgou a rescisória prejudicada, sem analisar o mérito das alegações. Essa decisão fundamentou-se exclusivamente em informação prestada de forma unilateral pela Setra, de que as partes haviam chegado a acordo extrajudicial. 

 

A formalização desse acordo foi feita em 2010 por ordem do então presidente do TJAP, desembargador Dôglas Evangelista Ramos, que exercia interinamente o cargo de governador do Amapá porque o governador titular, Pedro Paulo Dias, estava preso em razão das investigações da Operação Mãos Limpas, da Polícia Federal. 

 

Dôglas Evangelista (atual vice-presidente do tribunal) havia participado anteriormente dos julgamentos da apelação e dos embargos infringentes que deram origem à dívida em discussão. Mesmo em meio a essas peculiaridades, o acordo foi homologado pelo TJPA. 

 

Novo julgamento

 

O recurso submetido ao STJ é contra o julgamento da ação rescisória, tida pelo TJAP como prejudicada. O ministro Herman Benjamin considerou que a ação foi precocemente extinta sem a investigação necessária para elucidar as gravíssimas alegações quanto à falsificação da assinatura do ex-governador Annibal Barcellos. 

 

Para o relator, ainda que a tese da falsidade tenha sido embasada em laudo oficial da polícia técnica do estado, que tem presunção de veracidade, o caso deve ser analisado no âmbito da ação rescisória pelo TJAP, para permitir o contraditório. “Uma vez comprovada a falsidade dos documentos que serviram à condenação, seguramente outro será o resultado a que se chegará no rejulgamento da ação de cobrança”, explicou Benjamin. 

 

Seguindo a posição do relator, a Turma entendeu que a ação rescisória não deveria ser julgada diretamente pelo STJ, para preservar os princípios do duplo grau de jurisdição e do devido processo legal. Contudo, o colegiado deu parcial provimento ao recurso do estado do Amapá para anular o acórdão estadual e determinar o retorno do processo ao TJAP, para que haja regular processamento e julgamento da ação rescisória. 

 

Açodamento 

 

Ao analisar o pedido de anulação do acórdão proferido pelo TJAP, Herman Benjamin observou que “o açodamento com que a corte estadual homologou o acordo e determinou a extinção da ação rescisória por perda de objeto importou em flagrante nulidade por vício extra petita”. Ou seja, ao extinguir a rescisória, sem nem mesmo ouvir o estado, o TJAP concedeu o que não havia sido pedido na ação, apenas aceitando a informação prestada unilateralmente pela Setra, sem a assinatura da Procuradoria-Geral do Amapá. 

 

Para o relator, não se pode inferir da mera realização de acordo a presunção absoluta de concordância do estado com a extinção da ação rescisória. Tanto que, pouco depois de firmado o acerto extrajudicial, o governo do estado, no legítimo exercício do poder de autotutela, editou decreto que o anulou. 

 

Além disso, o próprio acordo previa suspensão, e não a extinção do processo, até o cumprimento final da transação. “Diante dessa convenção firmada entre os transigentes, cumpria ao tribunal de justiça pelo menos estranhar o requerimento de extinção, ardilosa e maliciosamente formulado pela empresa Setra, em clara afronta à cláusula do acordo por ela mesma firmado”, disse o ministro, para quem houve cerceamento do direito de defesa do estado. 

 

Acordo ilegal 

 

Para Herman Benjamin, o julgamento realizado pelo TJAP traz uma série de “aberrações jurídicas”. Segundo ele, o acordo é manifestamente ilegal, pois atropelou o indispensável instrumento do precatório, necessário mesmo em crédito de natureza alimentar. 

 

O relator destacou que todas essas questões foram apontadas no julgamento em voto divergente do desembargador Edinardo Souza, que não homologou o acordo e votou pelo prosseguimento da ação. 

 

Benjamin afirmou que, nos termos do artigo 129 do Código de Processo Civil, o juiz não pode homologar acordo de licitude duvidosa e que viola os princípios gerais do ordenamento jurídico. Além disso, é ilegal e insuscetível de homologação judicial a transação entre a administração pública e o particular que viola a sequência dos precatórios, mesmo se o credor renunciar a parte do crédito. 

 

“As atrocidades processuais não param por aí”, disse o ministro no voto. Também chamou sua atenção o fato de que o acordo não aponta a origem dos recursos que seriam utilizados para pagar as prestações mensais – uma clara violação ao artigo 167 da Constituição, regra que condiciona toda despesa pública a uma receita. 

 

Outra ilegalidade reside no fato de que a Setra estaria inapta segundo a Lei 11.941/09, de forma que ela não pode nem mesmo movimentar uma conta corrente. Por essa razão, o acordo prevê os depósitos em conta do advogado da empresa. 

 

Com todas essas considerações, a Turma seguiu o voto do relator para reconhecer a nulidade do acórdão proferido pelo TJAP. 

 

Atuação de autoridades

 

“Causa absoluta estupefação observar que a realização da avença fora autorizada pelo governador em exercício, o desembargador Dôglas Evangelista Ramos, o que empresta maior gravidade aos fatos”, disse Benjamin. Isso porque, além de o magistrado de segundo grau ter mais condições técnico-jurídicas que o próprio governador para identificar a lesividade do acordo, ele participou do julgamento da apelação e de embargos infringentes na ação ordinária de cobrança ajuizada pela Setra. 

 

O ministro destacou ainda que o parecer consultivo que levou ao acordo foi elaborado pela então procuradora-geral do estado, Luciana Marialves de Melo, a mesma que depois assinou o termo da avença manifestamente inconstitucional, segundo ele. “O parecer consultivo, pasmem, foi aprovado por ninguém menos que o governador em exercício, o desembargador Dôglas Evangelista Ramos”, apontou Benjamin. 

 

Para o relator, a conduta do agente público que autorizou despesa lesiva ao patrimônio público sujeita-se a apuração de responsabilidade, conforme preveem a Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal. 

 

Diante dessas constatações, a Turma resolveu acionar órgãos de controle, com o envio da decisão e de todo o processo. Ao Conselho Nacional de Justiça cabe verificar eventual falta de correção no cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados. Ao Ministério Público Federal compete averiguar a ocorrência de infração à legislação penal ou à Lei de Improbidade Administrativa. Já a corregedoria da Procuradoria-Geral do Amapá deve identificar eventuais desvios funcionais e disciplinares de seus membros. 

 

Processo relacionado: REsp 1322391

 

Fonte: STJ

 

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