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Servidor público. Restituição ao erário de valores recebidos por docentes vinculados à UFSC a título de “diferenças de 26,05% – URP”.

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03 de dezembro, 2025

Servidor público. Restituição ao erário de valores recebidos por docentes vinculados à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) a título de “diferenças de 26,05% – URP”. Ação individual ajuizada visando à declaração da inexistência do dever de restituir. Alegação, pelo ente público, de litispendência e coisa julgada, à conta de mandado de segurança coletivo impetrado por substituto processual da categoria. Rejeição da alegação, à luz do regime jurídico das ações coletivas. IAC 17.
A questão de direito controvertida retratada no presente Incidente de Assunção de Competência – IAC foi assim delimitada quando da admissão do incidente pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça: “possibilidade ou não de rediscussão, em ações individuais, de coisa julgada formada em ação coletiva que tenha determinado expressamente a devolução de valores recebidos em razão de tutela antecipada posteriormente revogada”.
No mandado de segurança coletivo 0020541-40.2001.4.01.3400 (antigo 2001.34.00.020574-8), impetrado pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Nível Superior (ANDES), transitou em julgado decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região determinando a restituição ao erário, pelos docentes vinculados à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), dos valores recebidos a título de “diferenças de 26,05% – URP” após 17.07.2001, data do ajuizamento desse mandado de segurança coletivo.
Ajuizadas ações individuais, pelos docentes, visando à declaração da inexigibilidade da obrigação de restituição, defende-se a UFSC alegando que tais ações individuais não podem prosperar, tendo em vista a ocorrência de litispendência ou coisa julgada, se confrontadas tais ações com o mandado de segurança coletivo ajuizado pelo ANDES (Processo 0020541-40.2001.4.01.3400), no qual estabelecido categoricamente o dever de restituição.
A eficácia da coisa julgada encontra limitações de natureza objetiva, temporal e subjetiva, disciplinadas nos arts. 502 a 508 do Código de Processo Civil. Não estão em disputa, neste incidente, as duas primeiras, razão pela qual me atenho às limitações de ordem subjetiva. Diz o art. 506 do CPC, com efeito, que “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.
Sem maiores digressões acerca do tema, é necessário dizer que o exercício do contraditório e da ampla defesa é o que anima o legislador a estabelecer esse tratamento juridicamente diferenciado entre a parte e o terceiro: a parte, em razão do exercício do contraditório no processo, tem a possibilidade de influir na decisão judicial, e, por isso, submete-se aos efeitos dessa decisão, seja ela favorável ou desfavorável (pro et contra). O terceiro, para quem o processo é res inter alios, não teve a mesma possibilidade, e, por isso, não está submetido, como regra, aos efeitos da decisão judicial.
Essa pedra fundamental do Direito Processual Civil encontra substancial modificação no microssistema das ações coletivas, isto é, no plexo de regras jurídicas processuais que disciplinam a tutela judicial de direitos transindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos).
A coisa julgada, no microssistema das ações coletivas, vem disciplinada pelos arts. 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor. Nos termos dos mencionados dispositivos legais, tem-se que a coisa julgada produzida na ação coletiva nem sempre produzirá efeitos sobre a esfera jurídica do substituído, ou seja, do verdadeiro titular do direito material em disputa, cuja defesa se faz no processo coletivo por órgão ou entidade a quem a lei atribui legitimidade extraordinária.
Haverá limitação subjetiva, quanto aos efeitos da coisa julgada, quando a sentença definitiva produzida na ação coletiva for desfavorável aos interesses dos substituídos, dado que, no regime jurídico das ações coletivas para tutela de direitos individuais homogêneos, a coisa julgada opera secundum eventum litis, o que significa que a sentença coletiva só alcançará os membros do grupo para beneficiá-los (REsps 2.079.113/PE, 2.078.993/PE, 2.078.989/PE e 2.078.485/PE, submetidos ao regime dos recursos repetitivos e catalogados como Tema 1.253/STJ).
Assim, em conformidade com os comandos do art. 103 do CDC e da doutrina e jurisprudência estabelecidas sobre a matéria, conclui-se que os docentes da UFSC não estão pessoalmente submetidos aos efeitos desfavoráveis da coisa julgada produzida no mandado de segurança coletivo impetrado pelo ANDES (MS 0020541- 40.2001.4.01.3400), não havendo óbice, enfim, a que a questão relativa à restituição dos valores recebidos a título de “diferenças de 26,05% – URP” seja discutida e decidida novamente em ações individuais, como se entender de direito.
Ademais, não encontra melhor sorte o ente público no tocante à invocação da objeção da litispendência, o que exsurge do preceito do art. 104 do CDC, norma que revela a opção legislativa pela autonomia entre os processos coletivos e os individuais, ainda que fundados no mesmo fato gerador e na defesa dos mesmos interesses ou direitos.
Nesse mesmo sentido, já decidiu a Primeira Seção do STJ, em recurso especial repetitivo de Tema 1.005/STJ, que “a existência de ação coletiva não impede o ajuizamento de ação individual, por aquela não induzir litispendência” (REsp n. 1.751.667/RS, relatora Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, julgado em 23/6/2021, DJe de 1/7/2021).
Dessa forma, devem ser fixadas as seguintes teses jurídicas: 1) Os docentes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que não tenham intervindo no mandado de segurança coletivo impetrado pelo ANDES (MS 0020541-40.2001.4.01.3400) não estão submetidos aos efeitos desfavoráveis da coisa julgada produzida nessa ação coletiva, não havendo óbice, nessa hipótese, a que a questão relativa à restituição dos valores recebidos a título de “diferenças de 26,05% – URP” seja discutida e decidida novamente em ações individuais ajuizadas por esses docentes. 2) Não induz litispendência para com o mandado de segurança coletivo impetrado pelo ANDES (MS 0020541-40.2001.4.01.3400) o ajuizamento de ações individuais pelos docentes da UFSC antes do trânsito em julgado dessa ação mandamental, ainda que idênticos os objetos das demandas.
STJ, Recursos Repetitivos, REsp 1.860.219-SC, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, por maioria, julgado em 12/11/2025 (IAC 17). STJ Informativo nº 871.