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Servidor público. Licença-maternidade. Licença paternidade. Termo inicial.

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03 de setembro, 2024

Constitucional. Administrativo. Servidor público. Licença-maternidade. Licença paternidade. Termo inicial. Internação hospitalar prolongada. Conceito jurídico indeterminado. Proteção constitucional à infância e à maternidade. Convenção internacional sobre os direitos das crianças. Precedente do Supremo Tribunal Federal na ADI Nº 6.327. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Inocorrência de criação judicial de novas hipóteses de início da licença. Interpretação literal e extensão da previsão normativa. Redução teleológica. Equidade. Interpretação conforme a constituição e inocorrência de hipótese de reserva de plenário. Licença-paternidade e nascimento de filhos gêmeos ou múltiplos. Indenização de licenças não gozadas. Processo civil. Ação civil pública. Adequação e cabimento. Legitimidade ativa do sindicato. Reexame necessário. Litisconsórcio passivo necessário da união. Nulidade da sentença por veiculação de conceito jurídico indeterminado. Honorários advocatícios.
1 — Hipótese de remessa oficial, tida por interposta, diante de sentença de procedência, ainda que parcial, proferida contrariamente à Fazenda Pública, razão pela qual incide a regra geral prevista no art. 496, inc. I, do CPC.
2 — O SINDISPREV/RS possui legitimidade ativa para representar os servidores da ANVISA, não se cogitando de violação ao princípio da unicidade sindical pelo fato de haver entidade sindical que, com abrangência territorial maior, representa parte da categoria. Ademais, comprovado o devido registro sindical.
3 — Afigura-se a legitimação extraordinária ativa e o cabimento da via processual eleita, uma vez que presentes não só a proteção de direitos difusos e coletivos como também a dos individuais homogêneos, bem como presente o interesse social relevante na demanda.
4 — A mera veiculação de argumento pela inconstitucionalidade de texto legal, inserida na causa de pedir em demanda em que se pretende provimento judicial concreto e determinado, diante de alegada violação de direitos coletivos e individuais homogêneos, não configura controle de constitucionalidade em abstrato.
5 — Diante da autonomia jurídica, administrativa e financeira de que gozam as autarquias federais, não há falar em necessidade de litisconsórcio passivo necessário com a União.
6 — Não há nulidade sentencial por alegada invocação de conceito jurídico indeterminado, uma vez que o provimento considerou, de modo expresso, como internação hospitalar prolongada qualquer período de permanência da mãe ou do recém-nascido em estabelecimento hospitalar em decorrência de complicações relacionadas ao parto, conforme atestados médicos que assim comprovem e, ainda, mantida a possibilidade de que, a qualquer tempo, a Administração proceda a verificações mediante a realização de perícia.
7 — A pretensão autoral de que o termo inicial da licença-maternidade e da licença-paternidade seja fixado na data do parto ou, em se verificando a necessidade de internação hospitalar prolongada, na data da efetiva alta médica da mãe ou do recém-nascido encontra respaldo no princípio da proteção integral à primeira infância, que deflui, por sua vez, da redação do art. 227 da Constituição Federal e, ainda, das disposições da Convenção sobre os Direitos da Criança, estando em consonância com precedente do Supremo Tribunal Federal (ADI nº
6.327).
8 — Restringir interpretativamente o significado do texto legal, para fixar o nascimento (termo inicial mais recorrente) como regra única e excludente da possibilidade de outro termo inicial que não este, resulta em restrição juridicamente incorreta, na medida em que a realidade empírica subjacente ao texto legal, e que nele está pressuposta, não pode se distanciar da realidade, na qual o nascimento de bebês prematuros corresponde a mais de 12% dos nascimentos, com significativa chance de internações em UTIs (https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/beneficiario/ans-alerta-gestantes-para-o-dia-mundial-daprematuridade).
9 — Mesmo que ali se lesse o nascimento como termo inicial então fixado de modo rígido e excludente, estaríamos diante de hipótese de redução teleológica, procedimento hermenêutico apropriado quando o intérprete está diante de “[…] casos em que uma regra legal, contra o seu sentido literal, mas de acordo com a teleologia imanente à lei, precisa de uma restrição que não está contida no texto legal. A integração de uma tal lacuna efetua-se acrescentando a restrição que é requerida em conformidade com o sentido. Visto que com isso a regra contida na lei, concebida demasiado amplamente segundo o seu sentido literal, se reconduz e é reduzida ao âmbito de aplicação que lhe corresponde segundo o fim da regulação ou a conexão de sentido da lei, falamos de uma ‘redução teleológica’”.
10 — Hipótese que também reclama juízo de equidade, uma vez que “entre a lei geral e universal e a decisão do caso singular encontra-se, portanto, a equidade toda vez que o tipo legalmente esboçado não tem correspondente óbvio e claro, seja pela novidade do caso (inusitado, incomum), seja porque se nota o absurdo a que levaria a aplicação da letra da lei ao caso”.
11 — Interpretação do texto legal que conduz à sua aplicação em conformidade com a Constituição, afastando-se outras interpretações conflitantes; trabalho hermenêutico que, ao fazer incidir conteúdos constitucionais na determinação do modo de aplicação da norma infraconstitucional, restringe a aplicação da norma vigente a determinados casos e a mantém em relação a outros, não se identificando com declaração de inconstitucionalidade, fazendo impertinente invocação de reserva de plenário.
12 — Assentada a compreensão do alcance do artigo 207, improcede o argumento de que o artigo 83 (que trata da licença ao servidor por motivo de saúde de filho), ao incidir, afastaria a conclusão sentencial. A um, porque a incidência do artigo 207 se coloca diretamente em hipóteses como as ventiladas no feito; a dois, porque seria restrição indevida não só do sentido do artigo 207, como também afetaria a compreensão do direito fundamental à proteção da maternidade e da infância; a três, porque o objetivo de proteção da infância e da
maternidade é próprio do artigo 207, ao passo que o artigo 83 abrange situações diversas.
13 — A inexistência de norma expressa a respeito da licença-paternidade em maior número de dias, em caso de filhos gêmeos, não deve impedir o cumprimento do comando constitucional acerca da absoluta prioridade assegurada à criança, principalmente quando patente a necessidade de acompanhamento de mais de uma pessoa para o atendimento adequado das necessidades básicas de recém-nascidos gêmeos. Preponderância dos princípios da dignidade humana e da proteção à infância sobre o princípio da legalidade estrita. Reconhecido o direito, em caso de gestação gemelar ou de múltiplos, à licença-paternidade de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da data da alta hospitalar do bebê.
14 — Improcede o pedido de indenização de licenças não gozadas, pois, para além de inexistir base legal para o acolhimento de tal pretensão, é forçoso reconhecer que aqui não se está diante de hipótese na qual o acolhimento do pedido vá ao encontro de preceitos voltados à máxima proteção do interesse da criança. Não há, na conversão em indenização de tempo não gozado de licença, qualquer benefício direto ao fortalecimento da relação entre pais e filhos.
15 — Descabe a condenação em honorários advocatícios da parte requerida em ação civil pública quando inexistente má-fé, de igual sorte como ocorre com a parte autora, por força da aplicação do art. 18 da Lei nº 7.347/1985.
16 — Parcial provimento dos apelos da União, da ANVISA e da FUNASA, para o fim de reconhecer o cabimento do reexame necessário. Parcial provimento do apelo do demandante, para o fim de reconhecer o direito dos servidores substituídos à concessão de licença-paternidade, quando do nascimento de filhos gêmeos ou múltiplos, pelo mesmo período da licença-maternidade. Remessa oficial desprovida. TRF4, AC Nº 5026103-49.2020.4.04.7100, 3ª T, Des Federal Roger Raupp Rios, por unanimidade, juntado aos autos em 30.07.2024. TRF4 Boletim Jurídico nº 253.