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Segurança do trabalhador é responsabilidade do Estado

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20 de setembro, 2015

A construção civil é um dos ramos que mais emprega no Brasil. É também um dos que concentra o maior número de casos de acidente de trabalho. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revelam que no Distrito Federal, por exemplo, entre 2012 e 2015, houve 29 acidentes fatais e 85 com lesões graves envolvendo trabalhadores desse ramo. Flávio Henrique Lopes sabe bem o que é isso. Ele foi uma das vítimas do rompimento de uma adutora em obra da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), em fevereiro de 2014. Além dele, outros cinco trabalhadores faziam o reparo de um cano quando uma enxurrada os carregou. Flávio, felizmente, sobreviveu. Mas disse que os momentos de terror são difíceis de esquecer.

 

“O acidente foi inesperado. Nós estávamos dentro do buraco e não tínhamos sequer apertado os parafusos do cano. De repente, fomos surpreendidos por uma quantidade grande de água. Foi como se você tivesse ligado um secador de cabelos no meio da poeira. Ela espalha, não é mesmo? Com a gente foi assim. Quando a água chegou, não deu tempo de fazer nada. Nós simplesmente fomos carregados. Um colega infelizmente morreu, outros conseguiram se segurar em alguma coisa, outros tiveram lesões graves. No meu caso, bati a cabeça e apaguei. Só acordei na UTI depois de ter sofrido duas paradas cardiorrespiratórias”, conta.

 

Muitos não têm a mesma sorte de Flávio. Em fevereiro deste ano, por exemplo, um homem de 35 anos morreu após cair de uma altura de dez metros enquanto trabalhava na fixação de um equipamento de proteção chamado “bandeja apara-lixo”. O acidente ocorreu em um prédio em construção no bairro Miramar, em João Pessoa (PB). Os números são preocupantes, conforme destaca o coordenador de Fiscalização do Departamento de Segurança e Saúde do MTE, Fernando Donato Vasconcelos.

 

“O setor da construção envolve cerca de 30% das nossas ações de segurança e saúde no trabalho. Isso representa hoje uma faixa de 40 mil ações de fiscalização por ano. Essas ações muitas vezes têm que ser repetidas na mesma obra, uma vez que todas as etapas precisam ser fiscalizadas. O que ocorre é que muitas das vezes nós encontramos os mesmos problemas já identificados em outras obras de uma determinada construtora. É um setor que nos preocupa muito porque a cultura de prevenção na construção civil é ruim”, explica.

 

Além das quedas, outros riscos são apontados pelo Ministério do Trabalho e Emprego. “No caso da construção civil, nossas maiores preocupações versam sobre a proteção de periferia, choques elétricos, máquinas que podem causar esmagamento, elevadores de transporte de trabalhadores e de carga”, cita Vasconcelos.

 

O vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil do Distrito Federal, Raimundo Salvador, destaca: “nós temos realizado vários trabalhos em conjunto com o Tribunal Superior do Trabalho e com o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região por meio de um grupo de trabalho interprofissional em que cuidamos de várias questões relativas à segurança e à saúde dos trabalhadores. Nós temos também o comitê permanente regional ligado à construção civil em que tratamos de questões também relacionadas ao tema”.

 

Assistência

 

Na construção civil, os empregadores são responsáveis pelo fornecimento dos Equipamentos de Proteção Coletiva (EPCs) e dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). São responsáveis também por prestarem assistência aos trabalhadores em caso de acidente. Flávio conta que, após o acidente, a empresa para a qual trabalhava à época prestou assistência e ele. “Eles avisaram minha família sobre o acidente, levaram alguns parentes para me visitar no hospital. Quando me recuperei, voltei a trabalhar normalmente. Mas, assim que tomaram ciência de que entrei na Justiça contra eles, me mandaram embora”.

 

A advogada especialista em Direito do Trabalho, Cecília Medeiros, explica que a responsabilidade do empregador começa com o fornecimento dos EPCs e EPIs e prossegue até que o empregado não tenha qualquer vínculo com a empresa. “No evento ocorrido com Flávio, há indícios de que houve falha do responsável pela abertura do registro de água, que o fez sem qualquer sinal daqueles que trabalhavam no reparo do cano. A partir do evento danoso, compete ao empregador tomar todas as medidas cabíveis para prestar assistência ao empregado e aos seus familiares”.

 

Entretanto, conforme explica Raimundo Salvador, ainda existem empresas que insistem em não cumprir as regras de segurança. “Falta de água potável no local da obra, falta de EPCs e EPIs são as principais denúncias que recebemos dos trabalhadores. Nesses casos, o sindicato costuma ir até o local da obra para tentar resolver o problema. Quando não é possível, a gente leva a situação ao Ministério Público do Trabalho (MPT) e a outros órgãos para nos auxiliarem no combate a essas questões”, conta.

 

Justiça

 

Um caso semelhante ao de Flávio, mas envolvendo um servidor público federal, foi decidido pela 5ª Turma do TRF da 1ª Região. Ao analisar o processo, o Colegiado condenou a União ao pagamento de indenização no valor de R$ 180 mil, a título de danos morais, à família do servidor falecido, vítima do acidente de trabalho. Ele caiu do quarto andar quando realizava reparos no edifício-sede da Procuradoria da República em Mato Grosso em dia não útil e sem os devidos equipamentos de segurança. A decisão reformou parcialmente sentença do Juízo da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso, que havia fixado em R$ 26 mil o valor da indenização.

 

A requerente, esposa do servidor que morreu, apelou da sentença objetivando acréscimo no valor da indenização para o patamar não inferior a 500 salários mínimos. A União também recorreu sustentando, dentre outros argumentos, não ter ficado demonstrada sua responsabilidade pelo evento danoso que resultou na morte do servidor público. “Não exsurge dos autos qualquer elemento fático a caracterizar o pressuposto do nexo de causalidade, uma vez que o ex-cônjuge da parte autora não se encontrara em serviço no momento da incorrência do infortúnio tido por motivação da aplicação do expediente da responsabilidade civil do Estado”, alegou.

 

Afirmou, ainda, o ente público, culpa exclusiva da vítima, “eis que caso tivesse exigido o fornecimento de equipamentos de segurança ao regular desempenho de seu trabalho, certamente lhe teriam sido oferecidos pela Administração Pública”.

 

Em seu voto, o relator, juiz federal convocado Evaldo Fernandes Fernandes Filho, destacou que a União foi omissa em permitir acesso ao prédio para a realização dos reparos. “A administração de espaços e prédios públicos não pode conviver com improvisos, tampouco informalidade, muito menos transigir com a segurança própria, de terceiros, dos servidores e do acervo patrimonial sob sua responsabilidade. Se não houve a ordem para a realização dos serviços em dia não útil e em local diverso (ação), faltou com o dever de cuidado (omissão) ao permitir acesso a prédio público e a realização de reparos”, afirmou.

 

Ainda de acordo com o magistrado, a União se equivoca ao afirmar que a Administração teria providenciado os equipamentos de segurança se o servidor os tivesse solicitado. “O administrador público age por dever de ofício e por submissão à lei, não lhe socorrendo escusas para descumprir expresso mandamento legal, sobretudo, quando destinado à proteção de servidores públicos na prestação de serviços que lhe são demandados”, disse.

 

Por essa razão, no entendimento do relator, ficou devidamente demonstrado o nexo de causalidade entre a omissão da União e a morte do servidor. “Demonstrados o acidente (evento danoso), os danos morais decorrentes do óbito de pessoa próxima (prejuízo) e que os serviços eram realizados em dia não útil, fora do expediente de trabalho e sem a devida segurança em prédio da Procuradoria de República em Mato Grosso em função das atividades funcionais (nexo de causalidade), inegavelmente restam evidenciados os elementos à responsabilização objetiva estatal, donde advém o dever de indenizar”.

 

O magistrado finalizou o voto citando orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual: “ao se fixar o valor da indenização por danos morais é ‘recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor e, ainda, ao porte econômico do réu, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso’ (REsp n. 243.093/RJ, T4, DJ 18/09/2000)”. Assim, o Colegiado aumentou o valor da indenização a ser pago pela União de R$ 26 mil para R$ 180 mil.

 

A especialista em Direito do Trabalho, Cecília Madeiros, concorda com o entendimento adotado pela 5ª Turma do TRF1. “Acidente de trabalho é todo aquele que decorre da relação de trabalho. Se o trabalhador estiver se dirigindo ao trabalho e sofrer algum tipo de acidente, a responsabilidade é da empresa empregadora. Além disso, o fato de o acidente ter ocorrido em dia não útil, conforme sustentou a União no recurso, é irrelevante. Se o trabalhador foi convocado para prestar o serviço em um domingo, por exemplo, a responsabilidade por qualquer acidente é do empregador. Nesse caso, em especial, por se tratar da administração pública, o entendimento adotado deve ser o mesmo”.

 

Fonte: matéria especial do TRF da 1ª Região

 

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