logo wagner advogados

Reforma administrativa: entenda como as propostas mudam o trabalho de servidores e gestores

Home / Informativos / Leis e Notícias /

16 de setembro, 2025

As propostas da reforma administrativa ainda não foram protocoladas no Congresso, mas o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que liderou o grupo de trabalho sobre o tema, já deu algumas sinalizações sobre o que deverá constar nos textos legislativos.

Segundo as entrevistas do deputado, deverão ser apresentados uma PEC (proposta de emenda à Constituição), um projeto de lei complementar e pelo menos um projeto de lei ordinária.

O tema foi discutido na quarta-feira (3) em uma comissão geral, uma sessão especial realizada no plenário para ouvir especialistas e parlamentares.

O deputado tem dito que serão cerca de 70 medidas diferentes para dar mais produtividade ao Estado.

MUDANÇAS NA FORMA DE INGRESSO NO SERVIÇO PÚBLICO

Parte das medidas são feitas para alterar o ingresso no serviço público. Uma das ideias é permitir a entrada já em níveis mais altos de carreira, outra é rever e tornar claras quais são os critérios para avaliar o desempenho durante o estágio probatório e uma terceira é diminuir o salário de entrada para que ele seja, no máximo, metade do topo da carreira.

Estágio probatório

Os primeiros três anos dos servidores públicos concursados são de estágio probatório, período em que, teoricamente, eles deveriam ser avaliados em relação à sua aptidão e capacidade para desempenhar o trabalho.

Na prática, são poucos os servidores que não passam nesse estágio –segundo dados do MGI (Ministério da Gestão e da Inovação), entre 2014 e 2024, os reprovados foram 0,19%.

Com a reforma, deverá ser exigida avaliação de desempenho durante o estágio probatório. As regras e critérios para essa análise deverão ser mais claras.

“Muitas vezes o instituto jurídico do estágio probatório não é usado plenamente”, diz o professor Fernando Coelho, da USP. O papel desse período inicial, diz ele, deveria ser complementar ao concurso, como se o servidor ainda estivesse participando do processo de recrutamento e seleção na carreira.

A gestão de desempenho será mais clara e, caso o novo servidor não seja suficientemente produtivo, seja desligado.

Se isso ocorrer, o estágio probatório deixará de ser uma peça de ficção, afirma Coelho. O fato de menos de 0,5% das pessoas serem reprovadas é um indicador de que, hoje, o estágio probatório não é aplicado efetivamente.

Ingresso em níveis mais altos

Em alguns concursos, haverá vagas para ingresso em um nível intermediário de carreira, o que não existe hoje

Cargos de burocracia de médio escalão seriam preenchidos dessa forma. “Há casos de executivos que estão há anos em cargos de comissão. Para eles, é preciso ter uma fase de avaliação de experiência executiva”, afirma Coelho.

Já houve tentativas de fazer concursos desse formato, ele diz –em 2013 houve um para especialista em políticas públicas e gestão governamental nesses moldes, mas acabou sendo impugnado.

Redução do salário inicial

O salário inicial da carreira terá que ser de, no máximo, 50% do salário final da carreira.

Para Gustavo Tavares, professor do Insper, a redução pode ser uma medida válida, mas a efetividade depende de um sistema de gestão do desempenho que oriente promoções baseadas no mérito.

“Só assim haverá a percepção de que o avanço na carreira e a conquista de melhores remunerações estão vinculados ao bom desempenho. Se a progressão continuar atrelada apenas ao tempo de serviço, corre-se o risco de gerar uma forte sensação de injustiça e desmotivação.”

Segundo ele, o que está em jogo é menos a existência de bônus ou a redução do salário inicial e mais a construção de um sistema de gestão do desempenho que seja justo, transparente e capaz de diferenciar atuações.

Contratos temporários

Hoje, em teoria, a contratação temporária só é permitida em situações excepcionais, como uma pandemia. Na prática, no entanto, é algo que se faz de forma recorrente.

A reforma administrativa deverá trazer algumas regras para os temporários, como estabelecer um prazo máximo para os contratos e uma quarentena (a ideia é evitar que professores sejam demitidos no fim do ano e recontratados no início do ano letivo seguinte).

O órgão que for contratar temporários deverá ter um processo seletivo com algumas regras para evitar nepotismo e apadrinhamento.

Jessika Moreira, do Movimento Pessoas à Frente, afirma que isso dará alguns direitos mínimos aos temporários. “O governo tem que ser um exemplo de um bom empregador, e temporário não dever ser sinônimo de ‘precarizado’”, diz ela.

Há muitos temporários nas redes municipais de educação, e, segundo ela, regulamentar esse tipo de contrato pode ter um impacto importante na qualidade do ensino.

“Para os gestores, regulamentar dá mais segurança jurídica, pois haverá regras claras de bom uso dessa modalidade de contratação, que muitas vezes é necessária”, diz Moreira.

Cadastro de temporários

Outra proposta é criar um cadastro de contratos temporários para que os municípios que não conseguem fazer o processo seletivo possam recorrer aos nomes nessa lista.

Moreira, do Movimento Pessoas à Frente, afirma que a gestão dos profissionais com um banco de dados a respeito deles é uma forma de permitir mais correspondência entre os perfis dos temporários e as necessidades do serviço público.

O cadastro também dá mais transparência ao processo, ela afirma.

MUDANÇAS PARA OS GESTORES

A reforma administrativa que está sendo debatida no Congresso deverá trazer algumas mudanças para os gestores eleitos.

A principal delas, que tem sido destacada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), é que os governantes precisarão estabelecer metas com indicadores ao tomarem posse.

Ele tem chamado isso de planejamento estratégico. “Vamos colocar na Constituição que todo chefe de governo tem que entregar um planejamento estratégico em 180 dias. Isso não é novidade, os candidatos têm obrigação [parecida] quando fazem registro de candidatura, eles têm que entregar documentos e plano de governo”, disse ele na Câmara dos Deputados em 3 de outubro.

Metas

Os chefes dos governos (municipal, estadual e da União) terão um prazo de 180 dias para estabelecer metas com indicadores que serão perseguidos durante os quatro anos de gestão.

Segundo o Republica.org, esse tipo de planejamento estratégico é parte de uma gestão efetiva do desempenho do órgão. “É a partir dele que se desdobram as entregas necessárias de cada equipe. O ideal é que todos os órgãos fizessem seu planejamento anual, conectado, sempre que possível, de forma explícita aos instrumentos já existentes, como o PPA (Plano Plurianual), que é obrigatório e deve ser olhado de forma estratégica.”

Limite de número de secretários em cidades sem receita própria

Segundo a professora da FGV Alketa Peci, grande parte dos municípios brasileiros tem forte dependência de transferências constitucionais e não sobrevivem com as receitas próprias, como IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) ou ISS (Imposto sobre Serviços).

Ela afirma que cerca de 30% dos municípios não conseguem se sustentar com recursos próprios e dependem dessas verbas para funcionar, e outros tantos dependem delas para suprir a maior parte de suas receitas.

A proposta de limitar o número de secretários das prefeituras dessas cidades é melhorar a qualidade do gasto, diz ela.

“A medida, buscaria, em outras palavras, reduzir o custo da máquina pública em municípios pequenos e altamente dependentes, coibir a proliferação de secretarias usadas como moeda política para cargos de confiança, já que há limites institucionais mais rígidos e criar um teto salarial proporcional que evite distorções em municípios onde secretários podem ganhar próximo a valores de grandes capitais, mesmo sem base fiscal correspondente.”

Limite no salário de diretores em estatais não dependentes do Tesouro

Segundo Alketa Peci, professora titular da da FGV Ebape, hoje, as empresas estatais possuem regimes próprios de governança e, em muitos casos, os salários de seus diretores ultrapassam o teto constitucional.

“A proposta de reforma busca impor uma restrição específica a esse grupo de empresas: aquelas que são autossustentáveis financeiramente, mas não possuem ações negociadas em Bolsa —e, portanto, não estão sujeitas a regras de governança mais rigorosas.”

Os salários dos diretores serão limitados pelo teto constitucional.

“A proposta representa um esforço de controle de custos em empresas que, embora não dependam diretamente do Tesouro, desempenham funções de interesse público”, diz a professora.

No entanto, ela chama a atenção um risco: estatais, por sua natureza empresarial, devem manter certa proximidade com as práticas de mercado. “A limitação salarial pode reduzir a atratividade dos cargos, especialmente em áreas técnicas e estratégicas, nas quais o setor privado oferece remunerações significativamente mais altas. Nesse cenário, corre-se o risco de perder profissionais qualificados e comprometer a eficiência dessas organizações.”

Fonte: Folha de São Paulo