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Princípio da proteção da confiança e a presunção de legitimidade dos atos administrativos

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17 de abril, 2023

A parte autora ajuizou ação em face do INSS, objetivando a execução individual de ação civil pública, que reconheceu o direito de revisão do percentual de 39,67% aos titulares de benefícios previdenciários no Estado do Espírito Santo referentes ao IRSM – índice de reajuste do salário mínimo – de fevereiro de 1994, inclusive com pagamentos dos valores de diferenças devidos.
O INSS alegou prescrição e o juízo sentenciante a declarou, com fundamento em recentes julgados desta Corte Regional sobre a questão. O magistrado informou que a ação civil pública em apreço transitou em julgado em 20/06/2008 e que o termo inicial do prazo prescricional se deu a partir da data que o demandante soube da omissão da autarquia e poderia ter intentado a demanda. Prosseguiu o magistrado, esclarecendo que a parte autora tomou conhecimento da violação do direito quando houve a decisão definitiva acerca da questão e, com base na teoria da actio nata, entendeu de rigor reconhecer a prescrição da pretensão autoral, vez que o lustro prescricional se encerrou em junho de 2013 e a ação em tela foi ajuizada em janeiro de 2021.
Inconformado, o autor apelou, pugnando pela reforma da sentença. Defendeu, em suas razões, que o entendimento do que o direito pleiteado encontrava-se prescrito seria incompatível com o que foi decidido nos autos da ACP, considerando, em especial, o acordo entabulado para fins de cumprimento da obrigação de pagar.
A juíza federal convocada, Andrea Daquer Barsotti, relatora, entendeu que a decisão proferida pelo órgão monocrático seria irretocável.
Após breve resumo da ação principal, acrescentou que o INSS ajuizou ação rescisória que foi julgada improcedente e transitou em julgado em 18/01/2013.
Ponderou que a controvérsia em questão gravita em torno da ocorrência da prescrição executória do referido título judicial.
Ao iniciar sua análise da sentença coletiva, apontou: i) que o prazo para o ajuizamento de ação individual, em que se pretende a execução de sentença proferida em ação coletiva, deve observar o comando da Súmula nº 150, do STF: “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação” e, ii) o art. 103 parágrafo único da Lei nº 8.213/1991 dita que prescreve: “ em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil”.
E ponderou que, originalmente, o marco inicial do prazo prescricional seria o trânsito em julgado da ACP, em junho de 2008. Todavia, com o ajuizamento da ação rescisória, o prazo prescricional da execução individual se deslocou para outubro de 2013 (trânsito em julgado da AR), momento em que se tornou definitivo o título judicial que se pretende executar. Como a ação individual foi proposta em janeiro de 2021, seria forçoso o reconhecimento da consumação da prescrição da pretensão executória do recorrente. Em tal contexto, destacou inexistir hipótese de interrupção do transcurso prescricional ou de novo início da contagem, em razão de determinado ato administrativo no curso da ação principal.
Em sua compreensão, também não poderia prosperar a alegação de interrupção da prescrição em razão do acordo homologado na ACP, na medida em que não foi o acordo que reconheceu o direito à revisão do benefício aos segurados, mas o título executivo judicial. Aquele apenas buscou facilitar as providências cabíveis para o cumprimento da execução. Nesse sentido colacionou decisão de julgado da lavra do desembargador André Fontes, no AG nº 5004083-44.2021.4.02.0000: “o simples fato de se ter acordado, em 01.12.2015, que haveria a disponibilização de informações para os beneficiários e segurados abrangidos pela ACP por via eletrônica não constitui ato capaz de suspender a prescrição, haja vista que constitui mero facilitador de acesso a informações, as quais já poderiam ter sido individualmente acessadas pelo interessado para eventual instrução da execução individual”.
Asseverou, ainda, seu entendimento quanto à inaplicabilidade do Tema Repetitivo nº 880 do STJ ao presente caso (Prazo prescricional da pretensão executória – não fluência durante a liquidação de sentença), dada a desnecessidade de se aguardar fichas financeiras ou documentos a serem apresentados pela Administração, considerando que os cálculos podem ser formulados pelo credor através de conta aritmética, em consulta aos extratos dos valores pagos ao segurado, ou, ainda, através de requerimento ao juiz que determine ao executado a apresentação da planilha para esse fim. A corroborar tal entendimento, citou decisão do TRF4, em igual sentido.
Votou no sentido de negar provimento à apelação da parte exequenda.
Inaugurando divergência, após pedido de vista, a desembargadora federal Simone Schreiber iniciou seu voto ressaltando a premissa básica, a saber: que a jurisprudência dos tribunais superiores e desta Corte Regional firmou-se no sentido de que eventuais tentativas ou diligências visando a promoção de execução coletiva do julgado não implicam interrupção da prescrição para a execução individual.
Entretanto, prosseguiu, a ACP em questão, apresenta algumas particularidades que merecem atenta análise. A principal, seria que o título executivo transitado em julgado previu, de maneira expressa, que: “o pagamento [das diferenças advindas do reconhecimento do direito à revisão do IRSM] deverá ser operacionalizado por meio de complemento positivo nos benefícios em andamento”.
Observou a julgadora que a imposição de tal restrição, de viés notadamente inconstitucional e ilegal (por ofensa à sistemática dos precatórios e ao direito subjetivo de ação), revelava o intuito do juízo de primeiro grau em dar agilidade à fase de cumprimento do julgado sem sobrecarregar o Judiciário.
A sentença excluiu a possibilidade de execução judicial, ao determinar o pagamento tão somente pela via administrativa, para os segurados potencialmente beneficiários da revisão em questão, apontou.
E acresceu que o juízo daqueles autos ratificou tal entendimento amiúde no curso do processo como, por exemplo, por ocasião do termo de ajuste firmado entre o MPF e o INSS em 28.09.2011, no qual restou assentado que a autarquia previdenciária daria sequência à efetivação das revisões pendentes, cientificando o juízo sobre a evolução das tarefas e que: “com relação à obrigação de pagar os valores atrasados, desde 12/09/1998, nos termos da Sentença de fls. 201, a qual determina:’o pagamento deverá ser operacionalizado por meio de complemento positivo administrativo dos benefícios em andamento’, o Procurador-Chefe do INSS do Espírito Santo, Dr. Marcos Antônio Borges Barbosa se compromete a enviar memorando ao Procurador-Chefe da Procuradoria Geral do INSS, em Brasília, para que seja analisada junto ao Ministério da Previdência e do Planejamento a possibilidade de inclusão desses valores no orçamento de 2012, com o objetivo de se evitar o ajuizamento de demandas individuais decorrentes da habilitação na presente ação Civil Pública, o que por certo inviabilizaria, por meses ou até anos, o processamento dos feitos tanto no Judiciário quanto nos órgãos da Procuradoria Federal, além do acréscimo afeto aos juros moratórios. Esse juízo autoriza, com a concordância do MPF, que o pagamento desses atrasados seja feito, se necessário, de forma parcelada”.
Destarte, salientou a julgadora, que muito embora a restrição judicial fosse deveras questionável, nenhuma das partes recorreu sobre esse ponto, que foi mantido por essa Corte Regional e transitou em julgado. Nesses termos, frisou que a coisa julgada, no âmbito da ACP em apreço, vedou aos segurados, ao menos em um primeiro momento, promover a execução individual, gerando incertezas para os potenciais beneficiários. Tais incertezas demandaram, inclusive, a necessidade de esclarecimentos por parte do juízo, conforme decisão proferida em 08.10.2021, que explicitou o que segue: “ainda em 28/09/2011, o INSS comprometeu-se, no aludido acordo, a pagar administrativamente aos beneficiários as parcelas vencidas, ou seja, sem necessidade de execução individual para expedição de RPV ou precatório”.
À vista dos fatos, prosseguiu a desembargadora federal, até aquele momento extraía-se da história processual que o título executivo, para todos os efeitos, não poderia ser executado mediante o livre exercício do direito de ação, com a cobrança nele incrustada paga mediante a forma constitucionalmente prevista do art. 100 da Carta da República.
Relatou a julgadora que, em julho de 2014, a autarquia previdenciária apresentou proposta de pagamento das parcelas vencidas, mediante RPV, desde que: “houvesse requerimento de cada segurado, salientou ter condições de apresentar cálculo do montante devido à medida que os segurados fossem acionando individualmente o Judiciário e concordou em pagar as parcelas vencidas desde o quinquênio anterior à propositura da ação”. O MPF concordou com esse procedimento, que importou em uma mudança relevante à sistemática definida no título transitado em julgado. Em função dessa anuência, em setembro de 2014, proferiu-se nova decisão, na qual o juízo da 6ª vara retificou o dispositivo transitado em julgado, dando-lhe uma interpretação constitucionalmente possível quanto à operacionalização administrativa do pagamento: “preliminarmente, tenho por inaplicável parte do dispositivo estabelecido na sentença de fls. 195/202, quando determinou que “O pagamento deverá ser operacionalizado por meio de complemento positivo nos benefícios em andamento”, eis que não se afigura possível o pagamento pela Fazenda Pública de valores originários de título executivo judicial sem observância do disposto no art. 100, caput e § 1º da CF/88. Com efeito, o pagamento de débito da Fazenda Pública em virtude de título judicial transitado em julgado, sem a expedição de precatório ou RPV, viola flagrantemente a Carta Constitucional”. Sobre a forma de pagamento dos valores atrasados determinou que o processamento e julgamento da execução de pagar deveriam se dar através de execução individual. Porém, diante da manifestação de cumprimento voluntário pelo INSS, fixou, excepcionalmente, a competência daquele juízo para processamento das execuções individuais “simplificadas”, na hipótese de concordância com os cálculos apresentados pela autarquia previdenciária.
Ponderou a desembargadora que seria possível falar em curso do prazo prescricional a partir dessa decisão de setembro de 2014, em razão do reconhecimento da inconstitucionalidade da parte dispositiva da sentença prolatada na ACP (que obstruía a proposição de ações individuais).
Lembrou, mais uma vez, que a apresentação de cálculos pelo devedor ou a demora na liquidação não seriam causas interruptivas da prescrição da ação individual.
E prosseguiu acrescentando que, embora a prescindibilidade da espera pelos documentos ou diligências a serem apresentados pelo INSS fosse o melhor entendimento do prazo prescricional, as partes envolvidas na ACP, bem como o Judiciário, entenderam, à época, de forma oposta, tanto que o juízo deu à decisão proferida em julho de 2014 apenas o efeito de permitir a expedição de RPVs para o pagamento dos montantes devidos, sem estender seus efeitos para também considerar a possibilidade de execução individual.
Esclareceu, ainda, que o juízo da 6ª Vara Federal de Vitória, o MPF e o INSS adotaram uma série de medidas com o potencial de gerar nos segurados uma legítima expectativa de que não seria possível promover a execução individual antes da apresentação da documentação anteriormente mencionada. A fim de ilustrar seu entendimento, mencionou que o juízo manifestou, em diversos momentos nos autos, que a execução individual só poderia ser promovida em caso de discordância com os cálculos apresentados pela autarquia ré. Ou seja, que os segurados deveriam, necessariamente, aguardar o recebimento de tais documentos para, em seguida, decidir entre execução simplificada ou execução individual. Igualmente aludiu a acordo firmado na audiência realizada em setembro de 2014 no qual ficou consignado: “Não concordando com os cálculos apresentados pelo INSS, a parte beneficiária deverá ingressar com execução individual, a qual será autuada como Execução contra Fazenda Pública (classe 4010) e livremente distribuída dentre os Juízos Federais com competência em matéria previdenciária desta Seção Judiciária, com (sic) excluídos os Juizados Especiais Federais, por expressa vedação legal”.
Ainda, em decisão proferida em outubro de 2021: “… no termo da audiência realizada em setembro de 2014, ficou consignado que ‘ficou decidido que o INSS expediria cartas aos beneficiários comunicando sobre o crédito, os quais poderiam, então, optar pela execução simplificada, que seria proposta pelo próprio MPF, ou, caso discordassem dos cálculos elaborados pela autarquia previdenciária, poderia ingressar com execuções individuais por meio de advogado ou da DPU.”
A votante acentuou haver informação, nos autos, de que os potenciais beneficiários da revisão em debate foram consistentemente orientados pelo juízo, pelo MPF e pelo INSS de que deveriam aguardar o envio dos cálculos antes de tomar qualquer providência jurídica.
Destarte – prosseguiu – no caso concreto, entendeu que a conduta supramencionada gerou nos segurados uma base legítima de confiança que deve ser juridicamente tutelada.
Explicitou, ademais, que as condições para o emprego desse princípio são: (i) uma base de confiança, (ii) a existência subjetiva da confiança, (iii) o exercício da confiança por meio de atos concretos e (iv) comportamento estatal que frustre a confiança.
Considerou, nessa medida, que a base de confiança reside nas mencionadas decisões judiciais e condutas adotadas pelas partes. Nesse ponto, citou a obra “O princípio da Proteção da Confiança” de Valter Shuenquener de Araújo, notadamente, em referência a informações estatais equivocadas: “o princípio da proteção da confiança também pode ser empregado quando um particular recebe uma informação estatal incorreta. […] O princípio ganha lugar nessa situação, porque há uma presunção de legitimidade dos atos administrativos. Ainda que contenham dados incorretos, os atos podem ser capazes de levar o particular a crer no seu conteúdo e a agir de uma determinada maneira que mereça ser tutelada”.
No que tange à confiança no plano subjetivo e o exercício da confiança por meio de atos concretos, asseverou ser indene de dúvida que os segurados adaptaram seu comportamento, aguardando o envio da documentação indicada, em razão das informações prestadas pelas partes envolvidas na ACP.
À vista disso, concluiu que, embora haja um conflito entre a necessidade de proteção do princípio retromencionado e a necessidade de reformar uma decisão que viola as orientações jurisprudenciais posteriormente fixadas pelos Tribunais Superiores, deve prevalecer a confiança depositada pelos beneficiários.
Destacou, nesse concernente, que se o Estado, por meio do MPF, do órgão responsável pela administração do Regime Geral da Previdência Social e da Justiça Federal do Espírito Santo informou aos interessados (durante anos e por instrumentos diversos) que deveriam aguardar a apresentação de documentos para promover a execução individual do julgado em ACP, seria impossível exigir conduta distinta de tais indivíduos.
Diante do exposto, concluiu que o termo inicial do prazo prescricional para a execução individual deve ser fixado em 13.03.2019, momento em que o juízo da 6ª Vara Federal de Vitória proferiu decisão que viabilizou a livre distribuição dos procedimentos de cumprimento de sentença da ACP em questão. Como tal prazo apenas se esgotará em 13.03.2024, afastou a prescrição da pretensão executória e votou no sentido de dar provimento à apelação.
Diante do exposto, consideradas as ressalvas expostas na fundamentação, votou no sentido de divergir da relatora e dar provimento à apelação para reconhecer não estar prescrita a pretensão executória, devendo os autos retornarem ao juízo a quo para prosseguimento do feito.
O juiz federal convocado Marcelo da Rocha Rosado secundou a divergência e o julgamento foi sobrestado nos termos do art. 942 do CPC/2015. Prosseguindo no julgamento, o desembargador federal André Fontes acompanhou a relatora e o juiz federal convocado Luiz Norton Baptista de Mattos acompanhou a divergência.
A 1ª Turma Especializada, por maioria, deu provimento à apelação da parte exequente. TRF 2ªR., 1ª Turma Especializada, AC 5000089-25.2021.4.02.5006, Relator: Juíza Federal Convocada Andrea Daquer Barsotti, Decisão em 30/05/202. Informativo de Jurisprudência nº 246/TRF2.

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