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Previdência não é só aposentadoria, Marly A. Cardone

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05 de fevereiro, 2003

Previdência não é só aposentadoria MARLY A. CARDONE Além de oferecer proteção a eventos que podem retirar ou dificultar a capacidade de trabalho de um profissional e desequilibrar seu orçamento familiar, a previdência social tem a função de distribuir renda. Daí ser impossível estabelecer uma correlação direta entre a contribuição do trabalhador e o valor da aposentadoria, como pretendem alguns, à maneira do que acontece na previdência privada. A previdência social, além de conceder outros benefícios, norteia-se por princípios, alguns deles constitucionais.Um desses princípios é o da solidariedade, que não deve ocorrer apenas entre gerações, ou seja, entre os que hoje contribuem e os que estão aposentados. Deve existir também entre os que têm muito e os que possuem muito pouco. Sendo o sistema capitalista o propulsor da acumulação de bens, é notório que há perfis desiguais ligados à previdência social, já que o vínculo surge, automaticamente, do simples exercício de atividade remunerada.As pessoas que muito têm não precisam dos benefícios previdenciais quando afetadas por um dos eventos que atingem sua capacidade de trabalho ou ganho, pois conseguem auferir renda para a sua manutenção. Daí que, em previdência social, não se deve cogitar a relação, que há na previdência privada, entre contribuição e direito a benefício. E pode existir a obrigação de contribuir sem direito a benefício.Isso está belamente colocado em nossa Constituição, no artigo 194, parágrafo único, inciso III, que diz que “compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: (…) seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços”.Seletividade significa que o legislador pode escolher aqueles que precisam de determinado benefício e os que dele não necessitam. Exemplos: empresários que acumulam fortuna pessoal -seu montante será fixado em lei- não precisam de uma aposentadoria ou do auxílio-doença do INSS; um viúvo ou viúva de segurado do INSS que já tenha uma aposentadoria ou renda da atividade acima de determinado teto não deve receber pensão do INSS pela morte do cônjuge.O montante de recursos que sobraria para o INSS com a aplicação correta do princípio da seletividade permitiria elevar o valor dos benefícios mínimos. Com isso, seria atendido o princípio da distributividade, ou seja, tirar licitamente de quem possui muito e transferir para os menos favorecidos.A seletividade consta de nossa legislação. A emenda constitucional 20, de 1998, prevê salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda. Hoje, recebe salário-família para ajudar na criação de filhos com até 14 anos ou inválidos quem possui renda de até R$ 468,47. Seu valor é de R$ 11,26 mensais, por filho. É muito pouco, muito aquém das necessidades da criança.Não conceder benefício previdencial apesar de ter havido contribuição e repassar o dinheiro a outro é uma forma de distribuir renda. É cediço dizer que todos são a favor da distribuição de renda, desde que o seu próprio bolso não seja atingido. Grita existirá.O auxílio-reclusão também já obedece o princípio da seletividade.Além desses benefícios e das aposentadorias, o INSS concede auxílio-doença, auxílio-acidente, salário-maternidade e o serviço de reabilitação profissional, todos custeados pelas mesmas contribuições que pagam aposentadorias.O comando de que o legislador deve obedecer aos mencionados princípios serve tanto para a previdência dos trabalhadores da iniciativa privada quanto para a dos servidores públicos, visto que a Constituição estabelece que os requisitos e critérios fixados para o regime geral são aplicáveis à previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo.Nessas condições, cautela é necessária por parte dos legisladores. Eles devem respeitar os princípios constitucionais existentes -sobre os quais não se lê ou ouve qualquer manifestação, oficial ou não- para não editarem uma reforma que agrida a Carta Magna.Marly A. Cardone, advogada, é livre-docente e professora-assistente-doutora, aposentada, em direito do trabalho e da previdência social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pela Universidade de São Paulo.

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