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Presunção de inocência e eliminação de concurso público – 4

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27 de fevereiro, 2020

Sem previsão constitucionalmente adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou a ação penal.
Com essa tese de repercussão geral (Tema 22), o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a possibilidade de se restringir a participação em concurso público de candidato que respondia a processo criminal (Informativo 825).
Na espécie, foi inadmitida a participação de soldado da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) — acusado pela suposta prática do delito de falso testemunho — em seleção para o Curso de Formação de Cabos no Quadro de Praças Policiais e Militares Combatentes (QPPMC). O ato de exclusão do candidato foi fundamentado no edital de convocação do referido processo seletivo, que vedaria a participação de concorrente “denunciado por crime de natureza dolosa”. Em sede de mandado de segurança, o magistrado de piso assegurou a matrícula e a frequência do soldado no Curso de Formação. Posteriormente, a decisão foi mantida pelo tribunal a quo no acórdão ora recorrido.
Prevaleceu o voto do ministro Roberto Barroso (relator), que assentou a necessidade de ponderação entre bens jurídicos constitucionais para a solução da controvérsia posta.
Assim, a questão não poderia ser solucionada a partir de um tradicional raciocínio silogístico, ou dos critérios usuais para resolução de antinomias — hierárquico, de especialidade e cronológico —, haja vista a existência de normas de mesma hierarquia indicando soluções diferentes.
Nessas situações, o raciocínio deve percorrer três etapas: a) identificar as normas que postulam incidência na hipótese; b) identificar os fatos relevantes ou os contornos fáticos gerais do problema; e c) harmonizar as normas contrapostas, calibrando o peso de cada qual e restringindo-as no grau mínimo indispensável, de modo a fazer prevalecer a solução mais adequada à luz de todo o sistema jurídico.
Na espécie, de um lado, destaca-se o princípio da presunção de inocência [Constituição Federal (CF), art. 5º, LVII], reforçado pelos princípios da liberdade profissional (CF, art. 5º, XIII) e da ampla acessibilidade aos cargos públicos (CF, art. 37, I). De outro lado, ressalta-se o princípio da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput).
O ministro Roberto Barroso apresentou duas regras para a ponderação dos valores em jogo e a determinação objetiva de idoneidade moral, quando aplicável ao ingresso no serviço público mediante concurso. A primeira, apta a estabelecer parâmetro pelo qual se pode recusar a alguém a inscrição em concurso público, é a necessidade de condenação por órgão colegiado ou de condenação definitiva. Há analogia com a Lei da “Ficha Limpa” (LC 135/2010), critério que já foi aplicado mesmo fora da seara penal.
A segunda regra é a necessidade de relação de incompatibilidade entre a natureza do crime e as atribuições do cargo. Nem toda condenação penal deve ter por consequência direta e imediata impedir alguém de se candidatar a concurso público.
Entretanto, para concorrer a determinados cargos públicos, pela natureza deles, é possível, por meio de lei, a exigência de qualificações mais restritas e rígidas ao candidato. Por exemplo, as carreiras da magistratura, das funções essenciais à justiça — Ministério Público, Advocacia Pública e Defensoria Pública — e da segurança pública.
O relator concluiu que a solução mediante o emprego dessas reA Primeira Turma iniciou julgamento de agravo regimental em recurso ordinário em mandado de segurança em que se pretende o reconhecimento da ilegalidade do gabarito definitivo atribuído a item (1) de prova de concurso público para provimento do cargo de analista judiciário do Superior Tribunal Militar (STM).
A agravante sustenta que o entendimento firmado no julgamento do RE 632.853 (Tema 485 da repercussão geral) não implica óbice ao provimento do recurso, em virtude de se estar diante de controle de legalidade do concurso público, insuscetível de ser enquadrado como incursão jurisdicional indevida em matéria de reserva da Administração.
A ministra Rosa Weber (relatora) negou provimento ao agravo para manter a decisão pela qual negou seguimento ao recurso ordinário. Assentada a possibilidade teórica de conciliação do gabarito com a legislação de regência, tendo em vista a polissemia inerente ao termo “juiz”, veiculado no referido item de prova, não vislumbrou situação de inconstitucionalidade ou de ilegalidade flagrante suscetível de autorizar a substituição, por ato jurisdicional, de critério de correção estipulado pela banca examinadora do concurso.
Segundo a relatora, o gabarito, além de encontrar fundamento no art. 5º, I, da Lei 12.016/2009 (2), admite leitura compatível com as regras que atribuem ao STM a competência para processar e julgar mandado de segurança impetrado contra ato emanado de seu presidente (Lei 8.457/1992, art. 6º, d, e Regimento Interno do STM, art. 4º, I, c).
Afastou a objeção levantada pela agravante no sentido de que a justificativa dada pela banca examinadora para o gabarito definitivo atribuído ao item em discussão autorizaria concluir pela legitimidade do indeferimento da inicial de mandado de segurança por juízo incompetente. A banca afirmou, literalmente, que, no caso de mandado de segurança impetrado contra ato de que caiba recurso administrativo dotado de efeito suspensivo, independentemente de caução, o juiz, seja de que instância for, deverá indeferir o mandado de segurança, haja vista disposição legal expressa. Dessa forma, o posicionamento da banca, sem investir contra regras de distribuição de competência, defende o indeferimento da inicial do mandado de segurança em qualquer grau de jurisdição, inclusive, no âmbito do STM, por ministro a que tenha sido distribuída impetração contra ato atribuído ao Presidente dessa Corte castrense.
Em divergência, o ministro Marco Aurélio deu provimento ao agravo para dar provimento ao recurso ordinário e deferir parcialmente o writ, a fim de anular o item e determinar que seja reapreciada a situação jurídica da impetrante.
Para ele, a banca incorreu em flagrante ilegalidade, o que justifica a atuação do Judiciário por meio da anulação da questão do concurso, tendo em conta gabarito de todo incompatível com a ordem legal.
Esclareceu que a questão do concurso, tal como formalizada, foi abrangente e levou a candidata a erro. Por sua vez, o gabarito alusivo a essa questão considerou correto que qualquer juiz, até de primeira instância, como está na formulação da pergunta, pode indeferir mandado de segurança impetrado contra ato do presidente do STM. Contudo, a competência para tanto é do plenário daquela Corte castrense. Caberia a um juiz de primeira instância remeter os autos ao juízo competente, e não indeferir liminarmente a impetração.
Rejeitou, também, a tese de que, reconhecida a polissemia do termo “juiz”, o qual abrangeria juízes de primeiro grau, desembargadores e ministros, seria possível conciliar, em sede teórica, o gabarito com a legislação de regência. A Lei 12.016/2009, ao veicular regras concernentes ao mandado de segurança, faz a devida distinção entre os termos “juiz de primeiro grau” e “relator”, utilizando a última expressão nas disposições especificamente relacionadas ao processamento das impetrações de competência originária dos tribunais, a teor dos arts. 10, § 1º, e 16, parágrafo único (3).
Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos.
(1) Item 116: “Situação hipotética: Determinado juiz indeferiu mandado de segurança por verificar que o pedido visava impugnar ato praticado pelo presidente do STM, estando tal ato sujeito a recurso administrativo com efeito suspensivo. Assertiva: Nessa situação, agiu corretamente o juiz.”
(2) Lei 12.016/2009: “Art. 5º. Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I – de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução;”
(3) Lei 12.016/2009: “Art. 10. A inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais ou quando decorrido o prazo legal para a impetração. § 1º Do indeferimento da inicial pelo juiz de primeiro grau caberá apelação e, quando a competência para o julgamento do mandado de segurança couber originariamente a um dos tribunais, do ato do relator caberá agravo para o órgão competente do tribunal que integre. (…) Art. 16. Nos casos de competência originária dos tribunais, caberá ao relator a instrução do processo, sendo assegurada a defesa oral na sessão do julgamento do mérito ou do pedido liminar. Parágrafo único. Da decisão do relator que conceder ou denegar a medida liminar caberá agravo ao órgão competente do tribunal que integre.”
STF, Pleno, RMS 36231 AgR/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 4.2.2020. (RMS-36231)gras satisfaz o princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, visto que é: a) adequada, pois a restrição imposta se mostra idônea para proteger a moralidade administrativa; b) não excessiva, uma vez que, após a condenação em segundo grau, a probabilidade de manutenção da condenação é muito grande e a exigência de relação entre a infração e as atribuições do cargo mitiga a restrição; e c) proporcional em sentido estrito, na medida em que a atenuação do princípio da presunção de inocência é compensada pela contrapartida em boa administração e idoneidade dos servidores públicos. Informativo 965.

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