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Período eleitoral e liberdade de expressão

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10 de julho, 2018

O Plenário confirmou os termos da medida cautelar (Informativo 598) e julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do inciso II, da segunda parte do inciso III e, por arrastamento, dos §§ 4º e 5º, todos do art. 45 da Lei 9.504/1997.
Os dispositivos impugnados da “Lei das Eleições” estabeleceram ser vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário, a partir de 1º de julho do ano da eleição: a) “usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito” (inciso II) e b) “difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes” (segunda parte do inciso III). Os §§ 4º e 5º explicam o que se entende, respectivamente, por trucagem e por montagem.
Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes (relator).
De início, esclareceu que o constituinte, ao tratar da comunicação social, optou por atribuí-la a agentes econômicos privados. Para impedir direcionamentos específicos dos meios de comunicação, a Constituição Federal (CF) prevê princípios na produção e difusão de conteúdo informativo pelas emissoras de rádio e televisão (art. 221), proíbe a formação de monopólios e oligopólios (art. 220, § 5º) e limita aspectos da atividade a brasileiros natos e a empresas de determinado perfil (art. 222).
No “caput” do art. 220, define que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Em seguida, reforça a garantia fundamental “lato sensu” da liberdade de expressão no cenário da comunicação social [CF, art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV (1)].
Historicamente, a liberdade de discussão, a ampla participação política e o princípio democrático sempre estiveram interligados com a liberdade de expressão. Todos têm por objeto a proteção de pensamentos, ideias, opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, com vistas a garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva.
A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: positivo e negativo. O positivo é a livre possibilidade de manifestação de qualquer pessoa e permite a responsabilização nos termos constitucionais. É a liberdade com responsabilidade. O negativo proíbe a ilegítima intervenção do Estado por meio de censura prévia.
Não existe permissivo constitucional para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de conjectura sobre o efeito que alguns conteúdos possam vir a ter junto ao público. O exercício do direito à liberdade de expressão não pode ser cerceado pelo Estado ou por particular.
O traço marcante da censura prévia, com seu caráter preventivo e abstrato, está presente em ambas as normas questionadas. São inconstitucionais porque consistem na restrição, subordinação e forçosa adequação programática da liberdade de expressão a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral, pretendendo diminuir a liberdade de opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático. Deste modo, está configurado a ilegítima interferência estatal no direito individual de criticar.
Não se ignora a possibilidade de riscos impostos pela comunicação de massa ao processo eleitoral — como o fenômeno das “fake news” —, porém se revela constitucionalmente inidôneo e realisticamente falso assumir que o debate eleitoral, ao perder em liberdade e pluralidade de opiniões, ganharia em lisura ou legitimidade. Ao contrário, o combate às “fake news” dá-se pelos meios legais e pela boa imprensa, que rapidamente podem levar a correta notícia à população.
A censura prévia desrespeita diretamente o princípio democrático, pois a liberdade política termina e o poder público tende a se tornar mais corrupto e arbitrário quando pode usar seus poderes para silenciar e punir seus críticos.
Numa democracia representativa, a liberdade de expressão e a participação política se fortalecem em ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas opiniões sobre todos os assuntos e governantes, que nem sempre — tratando da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa — serão “estadistas iluminados”. É necessário o exercício da política de desconfiança na formação do pensamento individual e na autodeterminação democrática para o livre exercício dos direitos de sufrágio e oposição. Além disso, não existe fiscalização sem informação.
Todas as opiniões são possíveis em discussões livres, uma vez que faz parte do princípio democrático “debater assuntos públicos de forma irrestrita, robusta e aberta”. O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também as duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como aquelas não compartilhadas pelas maiorias.
Não cabe ao Poder Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou no controle do juízo de valor das opiniões dos meios de comunicação e na formatação de programas humorísticos a que tenham acesso os indivíduos.
O funcionamento eficaz da democracia representativa exige absoluto respeito à ampla liberdade de expressão, proporcionando a liberdade de opinião, de criação artística, a proliferação de informações, a circulação de ideias, de modo a garantir os diversos e antagônicos discursos.
A liberdade de expressão autoriza que os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor, bem como autoriza programas humorísticos, “charges” e sátiras realizados a partir de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral.
A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião não significa a impossibilidade posterior de análise e de responsabilização por eventuais informações mentirosas, injuriosas, difamantes.
Por fim, o relator assinalou serem inconstitucionais quaisquer leis ou atos normativos tendentes a constranger ou inibir a liberdade de expressão a partir de mecanismos de censura prévia, como na presente hipótese, em que os dispositivos interferem prévia e diretamente na liberdade artística e na liberdade jornalística e de opinião.
O ministro Luiz Fux distinguiu a liberdade de expressão da propaganda eleitoral sabidamente enganosa e que causa dano irreversível à candidatura alheia. A seu ver, as notícias fraudulentas (“fake news”) importantes para o Direito Eleitoral são aquelas que violam a lisura informacional da opinião pública, que deve ser livre.
(1) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (…) XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; ” STF, Plenário, ADI 4451/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 20 e 21.6.2018. Inf. 907.

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