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PEC dos Precatórios trava Judiciário e transforma Brasil em país caloteiro, diz comissão da OAB

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26 de novembro, 2021

Eduardo Gouvêa, que preside o colegiado, diz que solução é tirar dívida do teto de gastos

Eduardo Gouvêa, presidente da Comissão de Precatórios da OAB Nacional, afirma que a PEC dos Precatórios, em sua forma atual, é inconstitucional, vai travar o funcionamento do Judiciário e transformar o Brasil definitivamente em um país caloteiro.

Ele afirma que a solução para o problema que o governo classifica como um “meteoro” sobre as contas públicas é retirar essas dívidas do teto de gastos.

Diz ainda que o Senado tem a oportunidade de mudar o texto vindo da Câmara para criar ferramentas que permitam acabar com a própria existência dos precatórios, algo que só existe em países em que o governo, ao contrário dos contribuintes, não tem obrigação de pagar suas dívidas.

“Se criar uma situação em que o credor possa aderir com segurança jurídica, a gente consegue melhorar inclusive o cenário para o mercado financeiro, evoluindo para uma situação que culminaria com a destruição desse sistema perverso de precatórios que está aí para matar as pessoas na fila”, afirma.

O governo escolheu os precatórios como despesa que será cortada para viabilizar diversas despesas dentro do teto de gastos em 2022. Foi uma escolha equivocada? Quem será prejudicado? É uma escolha equivocada, porque decisão judicial não é despesa, é dívida, e dívida tem de ser paga. É uma interferência entre Poderes. Os grandes prejudicados são o Judiciário e os credores do Estado, que vão deixar de receber créditos transitados em julgado, muitas vezes há décadas, e que vão para uma fila sem a menor ideia de quando serão pagos.

A Comissão de Precatórios apontou diversas inconstitucionalidades na PEC. Quais os principais problemas?
São as duas cláusulas pétreas, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Você vai ao Judiciário, vence uma ação, tem uma sentença transitada em julgado com prazo e valor a ser pago. Não fazê-lo da forma determinada pelo Judiciário é um ferimento de uma cláusula pétrea da Constituição, que são os direitos e garantias individuais. E você está atuando contra o Judiciário. Há uma interferência do Legislativo, porque está mandando descumprir uma decisão judicial.

Vocês pretendem acionar o STF (Supremo Tribunal Federal) se a norma for aprovada na forma como está hoje?
Inclusive com pedido de liminar para suspender imediatamente. Tão ruim quanto manter a emenda em vigor é demorar para julgar a inconstitucionalidade. Se o Supremo não se posicionar rapidamente, suspendendo alguns desses dispositivos que são muito graves, de se criar uma fila interminável, de se passar na frente certos tipos de crédito em detrimento de outros, já teremos um problema de proporções muito graves.

A OAB listou uma série de tentativas de adiar esses pagamentos. O STF deve se posicionar novamente contra?
O Supremo sempre se posicionou pela inconstitucionalidade de qualquer alteração nas condenações judiciais, seja por moratória, seja por impor compensações obrigatórias a credores de precatórios. Modificar o que foi determinado em juízo é inconstitucional. Esta nova iniciativa é muito pior do que as outras. Se o Supremo não permitiu parcelamento de precatórios, nem nas disposições transitórias, não vai permitir isso no corpo da Constituição, o que seria determinar que o Brasil passa a ser um país caloteiro definitivamente.

Uma das discussões no Senado é a possibilidade de se fazer uma auditoria dos precatórios. É uma boa iniciativa?
É mais uma forma de tentar interromper o cumprimento de decisões judiciais. Essa auditoria não faz o menor sentido, porque as decisões passaram sob crivo do Judiciário em várias instâncias e, ao final, foram conferidas pelos presidentes dos tribunais, sejam estaduais, federais, o Supremo ou o STJ (Superior Tribunal de Justiça). Não faz sentido auditar uma coisa que já foi transitada em julgado.

A Justiça teria dificuldade de administrar a fila que vai se formar?
O Judiciário vai deixar de funcionar definitivamente. Na maior parte dos processos, o poder público está de um lado, do outro ou dos dois. Hoje, o Judiciário administra o passivo judicial de 24 estados e cerca 1.000 municípios [inadimplentes com precatórios]. Se colocar para dentro todos os municípios, estados e a União, aí não vai dar conta. O Judiciário vai se transformar em um mero carimbador de processo, porque, no final das contas, ninguém vai pagar.

E do jeito que está posta a emenda, com o Fundef/Fundeb furando a fila, é impraticável. Todos os precatórios têm de ser expedidos até 1º de julho de um ano para entrar no Orçamento do ano seguinte. Vai mandar todos os juízes esperarem e, em 1º de julho, quando sair o Fundeb, se tiver um limite, os juízes terão de expedir tudo no mesmo dia? Isso não faz sentido nenhum.

A PEC também vai mexer com estados e municípios?
Obviamente, os municípios e estados que puderem vão acessar. Por que o prefeito vai pagar precatório se a Constituição diz que ele não precisa?

Vocês fizeram sugestões de compensações para viabilizar o recebimento dessas dívidas que entraram no projeto, como quitação de débitos e compra de ativos do governo, mas isso entrou como obrigação e não opção para o credor.
O governo não pode impor a compensação aos credores. Agora, se criar um programa alternativo de liquidação, não só de precatórios, mas que não permita nem que os precatórios sejam expedidos…. A pessoa que tem um crédito para receber que ainda não virou precatório tem uma incerteza com relação ao prazo. Essa pessoa ou empresa está mais suscetível a querer antecipar esse crédito, via desconto, pagamento de impostos atrasados, venda no mercado financeiro, qualquer que seja a solução.

Quais as alternativas que o governo teria para resolver a questão do aumento da despesa com precatórios em 2022?
Dinheiro para pagar a União tem. O problema é o teto. A primeira ação que resolveria o problema do governo hoje e não teria ninguém para se opor é excluir a rubrica precatório do teto de gastos. Decisão judicial não pode se submeter a qualquer limitação. Tirou do teto a dívida de precatório, equiparou ela à dívida mobiliária, que também não está no teto, estaria resolvido esse problema.

O que aumentou de precatório de um ano para o outro, o grande susto, foram R$ 40 bilhões. Isso é 0,7% da dívida pública mobiliária do Brasil. São 0,7% para manter um país sério, que paga suas dívidas judiciais, e não provocar uma bola de neve, não destruir as finanças públicas. É um custo muito baixo.

O Senado ainda pode melhorar o texto?
A PEC pode ficar melhor pelo filtro do Senado. As conversas com os senadores estão sendo produtivas. Discussões sobre tirar os alimentares, tirar o Fundef do teto, começaram a partir daí. Se não aprovar a PEC, melhor. Aprovando, há vantagem se tirar os precatórios do teto de gastos. É uma demanda importante nossa agora. Senão, todo ano vai ter essa discussão.

Em tese, nem precisava de uma PEC para dizer que o governo pode negociar para pagar com deságio. E temos a transação tributária, pode incluir precatório no Refis, tem várias ferramentas que são lei ordinária. Precisamos resolver isso e permitir que o governo tenha mais força para fazer a administração do estoque que ainda não virou precatório. Tem um grande ganho para o governo, que já percebeu isso.

Se criar uma situação em que o credor possa aderir com segurança jurídica, a gente consegue melhorar inclusive o cenário para o mercado financeiro, evoluindo para uma situação que culminaria com a destruição desse sistema perverso de precatórios que está aí para matar as pessoas na fila.

O precatório é um problema brasileiro? Como isso funciona em outros lugares do mundo?
O problema do precatório é o próprio precatório. Se você acabasse com ele, usar o princípio constitucional da isonomia, de que o credor tem o mesmo direito e as mesmas obrigações que o devedor, a gente não estava discutindo isso. Todo mundo teria recebido um valor menor lá atrás, não entraria em uma fila de 20 anos, e o débito não cresceria tanto. A grande solução é acabar com esse sistema todo. No mundo inteiro as dívidas judiciais do poder público são pagas. Transitou em julgado, o juiz manda intimar. Intimou, deposita e libera o dinheiro para o credor.

O governo já falou diversas vezes que existe uma indústria do precatório. Como o senhor vê a questão?
O que existe no Brasil é uma indústria do poder público de descumprir a lei e a Constituição e de causar prejuízo ao cidadão e às empresas. Quem causou isso foi o poder público, governadores, prefeitos e presidentes que não quiseram pagar suas dívidas. O que eles chamam de super precatórios eu chamo de super lesões ao patrimônio público. Se for analisar o quanto isso custou para os entes públicos, quantas vezes deixaram de pagar uma pensão corretamente e quantas foram para a Justiça, foi um número muito menor. Valeu, entre aspas, causar essa lesão, e esse é o grande problema. Conheço famílias que se destruíram por causa dessas ações judiciais, que ficaram esperando, achando que iam receber, aí vinha mais um recurso, e depois de 40 anos, o bisneto recebeu o crédito.

É um sistema destrutivo. Você vai tirando riqueza e enterrando ela no Judiciário. Por isso a compensação é uma grande solução. Ela desenterra a riqueza dos dois lados, tanto do poder público que consegue deixar de pagar uma dívida, quanto do credor privado que consegue receber. É a grande oportunidade que pouca gente está vendo. Esses passivos todos se acumularam ao longo de décadas. A gente pode desenterrar tudo isso e botar na economia, na mão das empresas e famílias, gerar crescimento, e não essa recessão que a gente está provocando com essa medida.

Fonte: Folha de São Paulo