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O drama da Previd̻ncia Р3: Reforma ou novo ajuste privatizante?, Ruy Brito

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21 de fevereiro, 2003

O drama da Previdência – 3: Reforma ou novo ajuste privatizante?Ruy Brito, 18/02/03Quatro anos após o ajuste expresso na Emenda Constitucional nº 20/98, com supressões e restrições de benefícios no Regime Geral de Previdência Social – RGPS e no Regime dos servidores públicos, volta-se a falar em reforma da previdência, em caráter prioritário.As justificativas são as mesmas de sempre: “corrigir distorções dos planos de benefícios, em especial no regime dos servidores públicos; extinguir privilégios injustificáveis, capazes de inviabilizar o sistema e evitar que seus problemas afetem o crescimento econômico”. “Sem a reforma, o Brasil quebra”, diz o slogan alarmista.Alega-se, ainda, ser necessário complementar a EC nº 20/98, cujo projeto (o da PEC 21/95), teria sido prejudicado pela ação dos defensores dos privilégios. Mas, essa alegação é contestada pelos fatos: a PEC 21/95 foi aprovada no essencial, e ampliada pelas restrições da Lei nº 9876/99, do fator previdenciário, cujo projeto foi previamente submetido à apreciação do Fundo Monetário Internacional em Washington pelo então ministro da Previdência, Waldeck Ornellas.Além disso, dos três projetos de leis complementares da EC 20/98, dois foram aprovados nas leis 108 e 109, com os respectivos decretos; e o terceiro, o de nº 9-A, da previdência complementar dos servidores públicos, continua em tramitação por haver recebido emendas supressivas (a) do dispositivo que impunha o plano de contribuição definida, no qual os participantes seriam responsáveis pela cobertura das insuficiências financeiras, mas o governo controlaria a gestão, tornando-se um gestor juridicamente irresponsável; e (b) da proposta (não relacionada com o tema) que pretendia a privatização, com fins mercantis, da previdência complementar dos servidores públicos, como já ocorre no RGPS em obediência ao decálogo do Consenso de Washington, que recomenda a privatização da previdência social.Da PEC 21/95, foram rejeitadas pelo legislativo apenas as proposições autoritárias que ostentavam veementes indícios de que perseguiam objetivos diferentes dos da reforma previdenciária, a exemplo:(a)das que propunham a supressão de benefícios e de direitos constituídos e proibiam a invocação de direito adquirido, cuja aprovação violentaria o estado de direito;(b)da que visava transferir para o presidente da República, com exclusividade, a competência para propor projetos de Lei em matéria de custeio, restringindo prerrogativa do Poder Legislativo e o princípio Federativo do Estado, o que não seria bom para a democracia e para a relação harmônica e independente entre os poderes da República; e(c)da que propunha a substituição do caráter universal e gratuito da prestação do serviço de saúde por outro regime a ser definido posteriormente, o que seria perigoso precedente tendo em vista os notórios interesses da rede hospitalar privada pela mercantilização da assistência à saúde;(d)da tentativa de cobrar contribuição dos aposentados, por ser incompatível com a doutrina do seguro (principalmente do social), e cuja finalidade era a de constituir mais uma fonte de receita para encobrir o rombo deixado com a dilapidação das reservas previdenciárias. Imagine-se uma seguradora que cobrasse mensalidade do segurado depois de pagar o risco. Seria processada por estelionato.A verdade é que a EC nº 20 fracassou, como as anteriores, porque ignorou as mais importantes causas da crise e, em vez de ataca-las, para escoimar o sistema de suas imperfeições, promoveu um ajuste fiscal para reduzir os gastos do tesouro. Até parece que seu objetivo era o de lançar as bases para a privatização da previdência, o que, aliás, foi conseguido com a aprovação simultânea do projeto de lei que criou o Fundo de Aposentadoria Programada Individual – FAPI, um Fundo de Poupança (não de previdência), explorado por bancos e seguradoras. Enquanto o Congresso era pressionado para aprovar a referida emenda, com tudo o que tinha de nocivo para a previdência, o então ministro da Previdência e o secretário de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda participavam de um seminário no Instituto Liberal em São Paulo para debater a estratégia de privatização da Previdência Social.Eis porque não solucionou a crise -, que se agravou. E, em vez de extinguir privilégios, instituiu, no Regime Geral da Previdência Social, o mais escandaloso e discriminatório privilégio existente em todo o sistema previdenciário: o de possibilitar a concessão de benefícios na previdência complementar patrocinada por empresas privadas sem a contrapartida do pagamento de contribuições pelos beneficiários, entre os quais os altos executivos de tais empresas. E quem paga esse privilégio é o cidadão consumidor/contribuinte, com destaque para o de menor renda, que consome tudo o que ganha e paga imposto sobre tudo o que consome.Em uma reforma esse privilégio deve ser extinto porque a contribuição patronal da empresa privada e dos entes estatais é transferida para o consumidor/contribuinte nos preços dos produtos e serviços e nos incentivos fiscais concedidos à empresa patrocinadora. Por ser assim não se justifica a imposição da paridade apenas para os entes estatais, nem a manutenção do privilégio da dispensa de contribuição dos beneficiários dos fundos patrocinados por empresas privadas.A Secretaria da Previdência Complementar pode fornecer a relação dos Fundos patrocinados por empresas privadas que não cobram contribuições de seus participantes.As causas dos fracassosOs ajustes, impropriamente denominados “reformas” pelos governos anteriores, fracassaram por resultarem de um diagnóstico reducionista, e preconceituoso do sistema previdenciário e pela interferência dos grupos nacionais e estrangeiros interessados na privatização da previdência, com objetivos mercantis.Reducionista, ao responsabilizar pela crise apenas as distorções na área dos benefícios, ignorando o inadmissível descalabro reinante nas demais áreas do sistema. Preconceituoso, por se basear em sofismas, segundo os quais:a) “a aposentadoria do segurado do INSS é limitada pelo teto de R$1.56l,41, enquanto a inatividade do servidor público corresponde ao maior salário percebido na ativa”;b) “a contribuição patronal dos entes estatais é paga pelo tesouro, onerando o contribuinte, enquanto a da empresa privada é paga por seus proprietários”;c) “a manutenção desse privilégio é a principal causa do déficit das finanças públicas”.Mas não se esclarece que:(a)a contribuição do segurado do INSS é de 8%/11%, até o teto de R$1.561,41, enquanto o servidor contribui com 11% sobre a totalidade de seus vencimentos. Teto de benefício mais elevado não significa privilégio se o beneficiário paga contribuição correspondente; e(b)tanto a contribuição dos entres estatais, quanto a da empresa privada é paga pelo cidadão consumidor/contribuinte, direta e indiretamente;(c)a causa principal do déficit da União, dos Estados e dos Municípios, é a dívida pública, que já representa quase 60% do Produto Interno Bruto. Só o pagamento do serviço dessa dívida, impõe brutais sacrifícios para a geração de superávits primários, impedindo o reajustamento adequado do salário mínimo, os investimentos nos setores de saúde, segurança e habitação, e o pagamento da divida previdenciária estatal, podendo levar o Brasil à quebra.Disseminados, como acima descritos tais sofismas são acolhidos com ressentimento pela opinião pública desinformada, como se fossem verdades, favorecendo a noção diversionista de que a reforma da previdência se esgota com a extinção de privilégios e a privatização do sistema com fins mercantis.Veja-se, a propósito, a reportagem de capa da revista Veja, de 22.01.2003. Depois de responsabilizar apenas os privilégios previdenciários pelo rombo das contas públicas, (págs. 30/34) transmite a mensagem subliminar da privatização recomendada pelo consenso de Washington: “O Chile foi o primeiro país do ocidente a tomar providências e resolveu privatizar a previdência há vinte anos. Na sua esteira, sete paises latino-americanos implantaram modelo assemelhado: Peru, Colômbia, Argentina, Uruguai, Bolívia, México e El Salvador. Em alguns, como o Brasil, a oposição política, comandada na época pelo PT, inviabilizou as transformações. Na Austrália, o sistema de previdência foi aberto ao capital privado há quase quinze anos. A mudança foi conseguida com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores. Até a Suécia, a primeira nação do mundo a criar um sistema de previdência oficial de cobertura nacional, considerada modelo por excelência do Estado do Bem-Estar Social, iniciou um processo de privatização de parte de seu sistema previdenciário”.O que não se diz é que a privatização nesses países está dando lucro às empresas administradoras, mas o custo é extremamente elevado para suas economias, notadamente naqueles em que, como no Brasil, a previdência operava sob regime de repartição. Sem reservas, que só existem no regime de capitalização, e sem a receita das novas contribuições, seus governos tiveram de assumir o estoque dos benefícios concedidos e a conceder anteriores à privatização. No Chile, 21 anos depois da reforma esses benefícios custam ao governo cerca de 5% do PIB do país, o que, no Brasil (ver FSP, de 19.01.03) corresponderia a R$50 bilhões anuais, sem fonte de receita. Na Argentina, a privatização ocorreu em 1994, e já em 1999 o déficit ocasionado pelo pagamento dos benefícios da fase anterior era apontado como uma das causas do colapso econômico do país.”Hoje o sistema está virtualmente quebrado e depende do governo”.Também não se diz que os fundos de pensão daqueles países não são fundos de previdência. São fundos de poupança: o pagamento da renda vitalícia cessa quando termina o saldo acumulado na conta de poupança individual do beneficiário. Como reformar significa dar nova forma a. Mudar a forma de corrigir, só haverá reforma se forem corrigidas as mazelas e deformações do sistema previdenciário que permanecem intocadas há décadas. Elas são conhecidas: estão na calamitosa gestão estatal; na unificação desordenada do sistema (instituto único), com o abandono da estrutura pluralista na década de 1960; na substituição do regime financeiro de capitalização pelo de repartição, etc.Só essas mazelas são suficientes para inviabilizar a previdência. Se não forem eliminadas, qualquer ajuste dos planos de benefícios será inútil. O sistema permanecerá inviável.A gestão estatal tem como características a descontinuidade administrativa, a incompetência gerencial, o autoritarismo, a centralização administrativa incompatível com a descentralização do Estado Federativo, a corrupção generalizada, as fraudes, o empreguismo, o tráfico de influência, a manipulação político-partidária, a submissão aos interesses dos grupos privados infiltrados no aparelho do Estado, etc.Pois o Estado gestor é conivente com o não recolhimento das contribuições devidas pela União, Estados e Municípios. Ao conceder sucessivas anistias, estimulou a sonegação e a apropriação indébita por uma minoria empresarial faltosa; dilapidou as reservas acumuladas durante a vigência do regime de capitalização; criou, e continua criando, benefícios sem cobertura financeira, transferindo para o RGPS a responsabilidade do pagamento, sem reembolsá-lo; desviou, e continua desviando, fabulosas quantias da receita da previdência, para pagamento dos encargos previdenciários da União e até do serviço da dívida pública; não repassa aos cofres da previdência os impostos e taxas previdenciárias recolhidas pelo Tesouro. (vide EC nº 27/00). Em fins de 1963 a dívida da União (que continuou crescendo porque nunca foi paga) era de 288 bilhões de cruzeiros e a dos empregadores era de 77 bilhões. Apesar de tudo isso, ao contrário do que afirmava o governo passado, o RGPS é superavitário, conforme foi demonstrado no trabalho intitulado “Análise da seguridade social em 2001”, da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social.A estrutura unitária, com a unificação caótica da estrutura descentralizada (a dos ex-IAP`s) criou um órgão gigantesco, sem qualquer controle, com notórias incompatibilidades com as estruturas descentralizadas nas esferas federais, estaduais e municipais do Estado Federativo Brasileiro. Não existe, em nenhum país, estrutura previdenciária semelhante a do INSS.O regime financeiro de repartição é inadequado para os benefícios de duração indefinida, tanto que a previdência complementar adota o regime de capitalização Caracterizado pela distribuição, a cada ano, do custo exato do seguro entre os participantes, o regime de repartição só é considerado adequado para a cobertura de despesas de pagamento temporário, de curta duração, como auxílio enfermidade, salário família, etc. Para os benefícios de duração indefinida (sobretudo em situações inflacionárias), a sua adoção implica na necessidade de elevação anual das taxas de contribuição para que a receita acompanhe o crescimento das despesas.Aqui foi adotado há aproximadamente 30 anos em substituição ao regime de capitalização, no período em que cresciam as despesas com aposentadorias e pensões; caia a arrecadação, com o aumento do desemprego e da economia informal; e o governo havia dilapidado as reservas que deveria ter acumulado desde a implantação da previdência, nos anos vinte, sob regime de capitalização. Entre outras coisas, serviu para fazer desaparecer da memória coletiva um fabuloso saldo contábil das reservas dilapidadas. Assinale-se que o regime de capitalização foi abandonado no momento em que deveria assegurar a estabilidade financeira do sistema, com taxas estáveis de contribuições, se as reservas não tivessem sido dilapidadas.Conclusão Em uma reforma a gestão deve ser descentralizada ao máximo possível, cabendo ao governo formular a política previdenciária e fiscalizar a administração em regime de co-gestão de empregados e empregadores. Trata-se de segregar as funções: quem administra não fiscaliza e vice-versa. A legislação deve ser unificada. Não há qualquer fundamento para a vigência de leis diferentes dispondo sobre o mesmo assunto.Preliminarmente o governo deve situar com clareza o sistema previdenciário na área social revisando todas as leis que autorizam a atuação de empresas mercantis no sistema previdenciário, em áreas como a do seguro de acidentes do trabalho, a administração de fundos de pensão, com a possível exceção dos que já são administrados por bancos e seguradoras.Ruy Brito é economista e ex-presidente do DIAP.

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