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O direito universal à educação e o Estado, Katarina Tomasevski

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17 de janeiro, 2003

O direito universal à educação e o Estado KATARINA TOMASEVSKI O direito à educação demonstra simultaneamente o progresso e o retrocesso dos direitos econômicos, sociais e culturais no novo milênio. Um sinal de progresso foi a designação de um relator especial para o tema, em 1998. Mais visivelmente, a linguagem dos direitos humanos vem sendo usada na cooperação internacional para o desenvolvimento. Doadores individuais, a ONU e muitas ONGs se comprometeram com o desenvolvimento baseado nos direitos. Mesmo assim, o uso dessa linguagem não resulta diretamente no direito à educação. Há uma percepção errônea e generalizada de que a educação equivale ao direito à educação. A história do pós-guerra resume a diferença entre ambos. Os compromissos internacionais pela universalização do ensino primário foram firmados ao menos uma vez em cada década, e cada um desses compromissos foi rompido. Os direitos humanos foram invocados para evitar que isso acontecesse, convertendo compromissos políticos em obrigações legais, resultando no corolário de o direito à educação ser obrigação de todos os governos.Os direitos humanos são obrigações governamentais porque não se materializam espontaneamente pela interação das forças de mercado nem pela caridade. É imenso o poder mobilizador de chamar um compromisso não cumprido de violação dos direitos humanos. E a violação é cara -os governos devem providenciar a reparação, compensar as vitimas e assegurar que violações semelhantes não voltem a ocorrer.Em muitos países em desenvolvimento, as crianças constituem a maior parte da população. Crianças do ensino primário não podem se constituir em partido político, eleger-se ao Parlamento nem assegurar verbas orçamentárias para garantir a sua educação. Só podem votar depois de se tornarem adultas e, assim, dependem de seus pais e professores. Poucos pais pagam impostos simplesmente porque ganham pouco. Seu voto pode não afetar alocações orçamentárias onde há pouco a ser distribuído depois de pagar encargos da dívida externa e atender às alocações prioritárias, como as despesas militares. Os professores têm de lutar por seus direitos e pelo pagamento de seus salários para que possam ensinar. As crianças precisam do direito universal à educação, e a sua realização exige que as obrigações governamentais correspondentes sejam igualmente universais -tanto as individuais quanto as coletivas.A virada do milênio foi marcada pela tentativa de forjar consenso na comunidade internacional sobre os problemas globais não solucionados. Esta pode bem ser lembrada como “a era das cúpulas”. As cúpulas globais focam a geração de compromissos políticos e funcionam na base do consenso -tanto no diagnóstico dos erros quanto no projeto para corrigi-los. Sintomaticamente, o texto final da Sessão Especial sobre Crianças, após 18 meses, deixou de lado um acordo sobre duas palavras-chave: direitos e recursos.A unanimidade global crescente sobre a necessidade de todas as crianças concluírem o ensino primário ignora o direito à educação secundária e universitária, que corre o risco de se transformar totalmente em um serviço comprado e vendido a um preço. Mas a Coréia do Sul, por exemplo, indica que a chave para a redução da pobreza é a educação secundária, não a primária. A Comissão Econômica da ONU para a América Latina e o Caribe percebeu que os jovens que completam a educação secundária têm uma probabilidade de 80% de evitar a pobreza enquanto 96% das famílias em que os pais têm menos de nove anos de escolaridade vivem na pobreza. A Assembléia Geral da ONU reafirmou recentemente o núcleo das obrigações governamentais relacionadas ao ensino primário (gratuito, compulsório e de boa qualidade), mas o restringiu a um período de cinco anos. Se começam a estudar aos seis anos, as crianças completam os estudos aos 11, quando são jovens demais para o trabalho e, a rigor, são legalmente impedidas de fazê-lo.A educação funciona como multiplicador. Negar o direito à educação acarreta a exclusão do mercado de trabalho e a adesão ao setor informal. Remediar o desequilíbrio existente nas oportunidades de vida sem o reconhecimento pleno do direito à educação é impossível. Ademais, em vários países, as pessoas analfabetas são impedidas de exercer representação política. Há, portanto, um grande numero de problemas envolvendo os direitos humanos que não podem ser resolvidos sem que o direito à educação seja encarado como questão-chave.Os direitos humanos são a salvaguarda contra abusos de poder. A herança do trabalho com direitos humanos demonstra que a lei é indispensável para que os governos prestem contas. A militância surgiu com o slogan que afirmava que as pessoas que tinham seus direitos protegidos deveriam agir pelos mais vulneráveis. A denúncia de violações foi o primeiro passo. O que é preciso hoje é a globalização dessa militância. O adjetivo humano remete ao dever de defender os direitos de todos para que as recusas ao direito à educação não fiquem sem ser expostas nem sem opositores.Katarina Tomasevski, 50, croata, é relatora especial da ONU para o direito à educação.

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