Nas hipóteses autorizadoras de acumulação remunerada de cargos públicos inexiste limitação constitucional de carga horária às jornadas semanais
Home / Informativos / Jurídico /
27 de agosto, 2022
Cuida-se de ação ajuizada por servidora pública em face da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, objetivando tornar definitiva a aposentadoria da autora, bem como determinar a condenação da ré a efetivar a implantação e o pagamento dos valores referentes a progressão por capacitação desde setembro de 2012 e adicional de 1/3 das férias desde a mesma data, bem como a restituição dos valores descontados de contribuição previdenciária, com fundamento no § 19, do art. 40, da Constituição da República, a título de abono de permanência, desde 22/05/2015 até a efetivação da aposentação da autora.
Em sua exordial, sustentou a parte autora acumular 2 cargos públicos de auxiliar de enfermagem (1 no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – desde março de 1985 e 1 no Hospital Maternidade Alexandre Fleming – desde maio de 1986). Em maio de 2015 requereu a concessão de sua aposentadoria voluntária no cargo da UFRJ, a qual concluiu pela ilicitude da acumulação, além da determinação de que deveria realizar a opção ou reduzir a carga horária.
Explicou a autora que por 25 anos trabalhou em regime de plantões (12 por 60 horas), sem qualquer prejuízo à Administração ou qualquer anotação de eventual problema de compatibilidade de horários.
O juízo a quo deferiu, em parte, a tutela de urgência para determinar que a UFRJ desse regular prosseguimento ao processo de aposentadoria da autora, abstendo-se de exigir a exoneração ou redução da carga horária nos cargos exercidos. E, ao final, julgou procedente o pedido para condenar a ré à concessão da aposentadoria da autora no cargo de auxiliar de enfermagem, determinando que os valores devidos seriam apurados em liquidação de sentença.
A UFRJ apelou e em suas razões defendeu, em linhas gerais, que o pleito autoral carecia de amparo na legislação de regência.
A juíza federal convocada, Marcella Araújo da Nova Brandão, principiou seu voto se detendo à análise dos pressupostos de admissibilidade recursal e ponderando que, muito embora a sentença não tenha sido submetida ao duplo grau de jurisdição obrigatório, deve prevalecer o entendimento consolidado do STJ (ainda sob a égide do CPC/1973) de que é obrigatória a remessa necessária quando o valor da condenação depender de liquidação (cf. enunciado da sua Súmula nº 490: “A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas”). E registrou que tal posicionamento perdura, mesmo após a entrada em vigor do CPC de 2015, inclusive nesta Corte Regional, através da Súmula nº 61/2018.
Conheceu, portanto, da remessa necessária, considerada existente e do apelo da UF.
Declarou cingir-se a controvérsia à possibilidade de acumulação de 2 cargos de profissional da área de saúde, em função da exigência de limitação da carga horária estipulada em 60 horas semanais.
Nesse sentido, esclareceu que o art. 37, XVI, da CR/1988 dispõe como regra a vedação à acumulação remunerada de cargos públicos, ressalvando, porém, a ocupação de 2 cargos de professor, de 1 cargo de professor com outro técnico ou científico, e de 2 cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.
Acentuou a magistrada que, por muitos anos, prevaleceu na jurisprudência o entendimento pela presunção da incompatibilidade quando a soma da carga horária ultrapassasse 60 horas semanais, a evitar jornadas exaustivas, preservando a eficiência do serviço público. Evidenciou, porém, que, gradualmente, houve a superação de tal posicionamento, na trilha do firmado pelo STF, que pontuou pela inexistência de qualquer limitação constitucional de horário às jornadas de trabalho, devendo a análise da compatibilidade e eventual prejuízo ao exercício das funções ser verificados em cada caso concreto, e não a partir de interpretação ou de atos normativos infraconstitucionais.
Elucidou, ademais, que o STF, em sede de repercussão geral, em sessão realizada em março de 2020, fixou a tese: “As hipóteses autorizadoras de acumulação de cargos públicos previstas na Constituição federal sujeitam-se, unicamente, a existência de compatibilidade de horários, verificada no caso concreto, ainda que haja norma infraconstitucional que limite a jornada semanal.”
Destarte, salientou que deve ser afastado qualquer argumento que busque caracterizar a ilicitude da cumulação de cargos, com base na soma das cargas horárias, exclusivamente, e que cabe ao julgador o exame de compatibilidade concreta e desvinculada de padrões apriorísticos.
Desse modo, concluiu que, na hipótese, o conjunto fático-probatório dos autos não comprova a incompatibilidade concreta dos horários ou prejuízo do serviço público, em razão do exercício cumulativo de 2 cargos privativos de profissionais de saúde por mais de 32 anos (na data do ajuizamento da ação), devendo ser mantida a sentença de procedência, que reconheceu à autora o direito à aposentadoria e ao pagamento das vantagens remuneratórias indevidamente suprimidas, observada a prescrição quinquenal. Prosseguiu, asseverando que, em maio de 2015 (data apontada na exordial), a autora já contava com mais de 30 anos de tempo de contribuição, através de seu vínculo com a UFRJ e que, portanto, a partir de tal data já fazia jus a passar à inatividade. De tal modo, continuou, deve ser ressarcida dos valores descontados, desde então, a título de contribuição previdenciária, por sua equivalência com o valor de abono de permanência. Esclareceu, ainda, que conforme assentado na sentença vergastada, em se tratando de acumulação lícita de cargos deve haver a suspensão da restrição do sistema, no respeitante à atualização funcional da autora para todos os fins, inclusive para a concessão de férias e respectivos reflexos do adicional de 1/3 desde 2012, devendo a apuração do valor devido se dar em fase de liquidação, observada a prescrição quinquenal.
Já, no concernente à atualização monetária das parcelas em atraso, conforme entendimento do STF (Tema 810 da repercussão geral), deve ser utilizado o IPCA-E (parcelas não atingidas pela prescrição quinquenal), desde quando devidas. Quanto aos juros moratórios, devem incidir, a partir da citação (outubro de 2019), de acordo com os índices aplicáveis à caderneta de poupança, nos termos do art. 1º- F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009 para débitos de natureza não – tributária.
Quanto aos honorários advocatícios recursais, fixou-os em 10% sobre o valor da verba de advogado estabelecida na sentença, os quais serão a ela acrescidos.
A 7ª Turma Especializada decidiu, por unanimidade, conhecer e negar provimento à remessa necessária e ao apelo, nos termos do voto da relatora. TRF 2ª Região, ª Turma Especializada, AC 5000813-06.2019.4.02.5101, Relator: Juíza Federal Convocada MARCELLA ARAUJO DA NOVA BRANDAO, Decisão em 02/02/2022. Informativo de Jurisprudências nº 244/TRF2.
Deixe um comentário