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Lei Geral dos Temporários: a nova cara do funcionalismo público?

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08 de julho, 2025

PL 3069/25 mira categoria que hoje domina áreas estratégicas como saúde, educação e assistência social

Está em discussão no Congresso Nacional proposta que pode transformar o modo como o Estado brasileiro contrata uma parte relevante de sua força de trabalho. O PL 3069/2025 propõe a criação da Lei Geral dos Temporários — marco de alcance nacional para organizar e dar mais segurança jurídica às contratações por tempo determinado no serviço público.

A proposta nasce de articulação entre especialistas em direito público, gestores e organizações da sociedade civil – entre eles, a Sociedade Brasileira de Direito Público (sbdp), o Movimento Pessoas à Frente, o Movimento Profissão Docente e o Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração (Consad). Recentemente, ganhou impulso político com o apoio de parlamentares como Tabata Amaral (PSB-SP).

Mas, afinal, quem são os servidores temporários e por que eles importam? Qual o diagnóstico que a proposta pretende enfrentar? Que soluções estão sendo desenhadas e o que se espera alcançar com elas?

Quem são os servidores temporários e por que eles importam?
A contratação por tempo determinado é uma modalidade prevista na Constituição (art. 37, IX) e na legislação infraconstitucional de alguns entes federativos. Permite que governos contratem profissionais por prazo certo para atender a demandas excepcionais de interesse público.

Na prática, o modelo é utilizado em emergências sanitárias, na substituição de professores da rede pública, na realização de censos e pesquisas do IBGE, em ações de saúde voltadas a povos indígenas ou na implementação de políticas públicas específicas, como o atendimento especializado a pessoas com deficiência.

Esse tipo de vínculo tem crescido e os dados oficiais evidenciam essa tendência.

Aliás, na educação, essa tendência não é exclusiva do Brasil. Estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), divulgado em maio de 2025, aponta crescimento na contratação de professores temporários na maior parte dos países da América Latina e Caribe. Esse fenômeno é visto como uma resposta dos sistemas educacionais à necessidade de opções mais econômicas e flexíveis, diante das limitações orçamentárias e da crescente demanda por educação.

A contratação temporária já é, então, parte do cotidiano do setor público. Pode oferecer agilidade e eficiência – e por isso tem se expandido. O desafio, agora, é dar forma jurídica adequada a essa realidade.

O que a proposta quer resolver – e como?

Apesar da ascensão dos temporários, o diagnóstico que baseia a proposta é o de que o regime jurídico que rege esse vínculo precisa ser aperfeiçoado. Por diversas razões.

Primeiro ponto: a ausência de um regime jurídico unificado. Hoje, temporários não seguem um regime único. Leis, regulamentos e práticas variam conforme o ente federativo. Essa fragmentação tem gerado distorções: lacunas na proteção de direitos básicos (como licença-maternidade), contratos sucessivos que perpetuam vínculos precários, além de baixa transparência nos processos e resultados.

A proposta busca enfrentar esse cenário com uma lei nacional, enxuta, mas que preveja este regime mínimo comum. O objetivo é aprimorar a governança dessas contratações nos estados e municípios, com maior segurança jurídica para quem contrata e com a garantia de direitos básicos para quem é contratado.

A base jurídica é o art. 22, XXVII da Constituição, que atribui à União a competência para editar normas gerais sobre contratação pública, “em todas as modalidades” — o que inclui os vínculos por tempo determinado.

Então, caso aprovado, o projeto terá aplicação nacional e alcançará a administração direta, autárquica e fundacional da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Entre os principais elementos desse regime jurídico geral estão: (i) mais transparência nos processos seletivos e nas informações sobre a categoria, com dados que permitam acompanhamento, avaliação e comparação de resultados (art. 3º e seguintes); (ii) obrigatoriedade de contratos com prazo certo, para evitar vínculos indefinidos e a “eternização” dos temporários (arts. 7º e 8º); (iii) definição de direitos mínimos para os contratados, como 13º salário, férias, estabilidade à gestante e aviso prévio (art. 10).

Mas o texto respeita a autonomia dos entes subnacionais. Estados e municípios poderão, por iniciativa própria, garantir outros direitos aos temporários, inclusive de natureza remuneratória (art. 1º, § 2º).

Segundo ponto: a desconfiança dos órgãos de controle. Um dos entraves à contratação temporária no Brasil tem sido a resistência de órgãos de controle, incluindo o Judiciário. Embora haja certo reconhecimento da importância de margens de flexibilidade na gestão de pessoal, a falta de um regime claro e uniforme alimentaria a insegurança jurídica.

Há uma certa confusão quanto ao regime dessa categoria. A jurisprudência dominante, pacificada pelo STF, entende que o regime celetista não se aplica aos temporários, por haver legislação própria (RE 1.152.713, rel. min. Luiz Fux, Pleno, julgado em 3/3/2020). Também não se aplicam os direitos estatutários. Já em relação aos direitos sociais do art. 7º da Constituição, os tribunais ainda divergem — não há um entendimento consolidado.

Paralelamente, pesquisas indicam que persiste, também no Judiciário, a ideia de que os temporários devem ser exceção – uma forma excepcional de acesso ao serviço público.

Para lidar com essa ambiguidade, o projeto procura dar estabilidade jurídica ao modelo, consolidar os direitos mínimos e reduzir disputas judiciais. Um exemplo: a previsão de que os direitos e vantagens dos temporários estarão limitados ao que for estabelecido pela legislação específica (art. 20). Isso busca impedir ações que peçam equiparação com servidores efetivos — ou interpretações administrativas que acabem fazendo o mesmo.

A contratação temporária já é uma engrenagem essencial do serviço público brasileiro. Ignorar isso seria fechar os olhos à realidade. O desafio, agora, é outro: regular com precisão uma prática que já se tornou estrutural — e que, se bem desenhada, pode contribuir para um Estado mais responsivo, transparente e eficiente.

Fonte: Jota (artigo de Camila Castro Neves, doutoranda em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Pesquisadora do Núcleo de Inovação da Função Pública – SBDP)