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Lei das cotas raciais: vigência temporária e eficácia da ação afirmativa

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05 de julho, 2024

Encontram-se presentes os requisitos para a concessão da medida cautelar, pois: (i) há plausibilidade jurídica no que se refere à alegação de que, mesmo que sopesados os avanços já alcançados pela ação afirmativa de cotas raciais instituída pela Lei nº 12.990/2014, remanesce a necessidade da continuidade da política para que haja a efetiva inclusão social almejada; e (ii) há perigo da demora na prestação jurisdicional, consubstanciado na data de encerramento do período de vigência legal (10 de junho de 2024), o que pode gerar grave insegurança jurídica para os concursos em andamento ou finalizados recentemente.
A Lei nº 12.990/2014 previu a duração da reserva de vagas em concursos públicos federais para pessoas negras por 10 anos. Ocorre que essa temporalidade teve por finalidade a criação de um marco temporal para avaliar a eficácia da ação afirmativa, possibilitar seu realinhamento e programar o seu termo final, caso atingidos os seus objetivos.
O fim da vigência da ação afirmativa sem a devida avaliação de seu impacto e eficácia na redução das desigualdades raciais, das consequências de sua descontinuidade e dos resultados já alcançados, além de contrariar os objetivos da própria lei — considerada a intenção do legislador ao elaborá-la — afronta regras da Constituição Federal que visam erradicar as desigualdades sociais e construir uma sociedade justa e solidária, livre de preconceitos de raça, cor e outras formas de discriminação (1).
Nesse contexto, as cotas deverão continuar sendo observadas até que se conclua o processo legislativo de competência do Congresso Nacional — na análise do Projeto de Lei nº 1.958/2021 (2) — e, posteriormente, do Poder Executivo. Após essa conclusão, prevalecerá a nova deliberação do Poder Legislativo, de modo que o conteúdo da presente decisão cautelar poderá ser reavaliado.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, referendou a medida cautelar anteriormente concedida que deu interpretação conforme a Constituição ao art. 6º da Lei nº 12.990/2014 (3), a fim de que o prazo nele constante seja entendido como marco temporal para avaliação da eficácia da ação afirmativa, determinação de prorrogação e/ou realinhamento e, caso atingido o objetivo da política, previsão de medidas para seu encerramento, ficando afastada a interpretação que extinga abruptamente as cotas raciais.
(1) CF/1988: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
(2) PL nº 1.958/2021: “Ementa: Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.”
(3) Lei nº 12.990/2014: “Art. 1º Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei. § 1º A reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público for igual ou superior a 3 (três). (…) Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação e terá vigência pelo prazo de 10 (dez) anos. Parágrafo único. Esta Lei não se aplicará aos concursos cujos editais já tiverem sido publicados antes de sua entrada em vigor.” STF, Pleno, ADI 7.654 MC-Ref/DF, relator Ministro Flávio Dino, julgamento virtual finalizado em 14.06.2024.