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Justiça prospectiva na Previdência Social, Misabel Abreu Machado

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26 de fevereiro, 2003

Justiça prospectiva na Previdência Social MISABEL ABREU MACHADO DERZI A concepção de que os sistemas previdenciários assentam-se apenas na relação entre contribuição e benefícios, como equação financeira comutativa, equiparável às relações mercantis de seguro, não encontra ressonância nos países desenvolvidos, em especial naqueles construtores de uma democracia de direitos fundamentais, como o Canadá, a Suíça, a Alemanha, alguns Estados dos EUA etc.Uma série de problemas sociais é desencadeada toda vez que pessoas não ativas profissionalmente ou parcialmente ativas não dispõem de recursos suficientes para pagar o prêmio do seguro, ficando privadas, nas situações de velhice e invalidez, de uma proteção mínima essencial. Isso ocorre com milhões de cônjuges (geralmente as mães) que se dedicam à educação dos filhos (em tempo integral ou parcial) e com todos aqueles, chamados “cuidadores”, que tratam de doentes em família.As creches, escolas e asilos são importantíssimas estruturas de responsabilidade do Estado que, entretanto, não substituem os pais nem tampouco preenchem a necessidade de afetividade, recrudescida nos momentos de fragilidade, como infância e velhice. No mundo inteiro constatou-se que os resultados são melhores e menos dispendiosos se são prestigiadas tais funções no seio da família e, de alguma forma, cobertos esses períodos carentes de contribuição.Assim é que a mulher, além de auferir salários inferiores no mercado de trabalho, costuma ter uma biografia profissional interrompida pela educação dos filhos ou pela administração do lar, consequências negativas de impossível ou difícil recuperação posterior quando os benefícios previdenciários estão embasados nos fatores tempo versus valor da prestação. Tais fatores prejudicam as pessoas de biografia social descontínua, como lembra H. J. Reinhard (Instituto Max Planck).Assim como acontece ainda hoje em nosso país (mesmo após o advento do novo Código Civil, no qual se introduziu um outro regime de bens, denominado Participação Final nos Aquestos), até a década de 70 a lei civil alemã não incluía, na compensação de ganhos por ocasião do divórcio, a divisão das expectativas de aposentadoria entre os cônjuges. Inspirado nos trabalhos pioneiros de Plancken, mas modificando-os, o legislador alemão, há quase 30 anos, criou o instituto da compensação, por ocasião do divórcio, de todas as previsões, expectativas ou direitos nacionais e estrangeiros de amparo-aposentadoria adquiridos pelo trabalho remunerado ou patrimônio dos cônjuges durante o período de casamento.No Canadá, sem a longa teorização germânica, a Previdência Social norteia-se por regras similares. O instituto da compensação de amparo não se confunde com a pensão de alimentos (de caráter provisório), nem tampouco com o regime de bens, nem ainda com as prestações compensatórias de cunho indenizatório do modelo francês, voltadas às perdas anteriores ao divórcio, como expressão da justiça regressiva.Liga-se antes à justiça prospectiva de divisão das expectativas de direito de aposentadoria, formadas no decurso da vida conjugal, à proteção da confiança, à elevação da auto-estima feminina, à segurança independente do cônjuge economicamente mais fraco, como direito social fundamental -questão vista pelos países mais desenvolvidos tão essencial como os “bons costumes”. Em língua portuguesa e espanhola, inexiste estudo mais profundo e técnico do que o desenvolvido sobre o assunto, nos campos civil e previdenciário, pela prof. Myriam Campos, a ser publicado ainda este mês.O tema, a par de ser concreção de direito fundamental, envolve, na verdade, o direito previdenciário, civil, tributário e internacional do trabalho. No imposto sobre a renda das pessoas físicas, já alertamos para a conveniência de se adotarem outros modelos, mais coerentes com tal realidade. Nos EUA, Alemanha, França, Portugal e em outros países, se um dos cônjuges não trabalha fora, permite-se dividir por dois a renda familiar conjunta, com o fito de se alcançarem, na tabela progressiva, alíquotas mais baixas, em razão da perda de capacidade econômica decorrente da educação dos filhos.A elevação da auto-estima do cônjuge que se dedica à nobilíssima função de educar os filhos deve orientar as decisões tributárias, de tal forma que o imposto seja neutro, em face das opções do casal, e sem penalizar o modelo em que um deles escolhe a administração do lar. A justiça prospectiva deve alimentar os princípios inerentes ao direito tributário e previdenciário, e as reformas que ora se anunciam não podem ignorar tão relevantes aspectos em que se desdobram os direitos fundamentais.Misabel Abreu Machado Derzi, advogada, é professora de direito financeiro e tributário da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).Fonte: FSP, Tendência e Debate, 26.02.2003

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