JORNAL DO BRASIL: FAMÃLIAS BUSCAM DESAPARECIDOS HÃ 33 ANOS
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03 de março, 2008
A reconstituição dos locais onde ocorreram os principais conflitos no Araguaia e a busca de pistas sobre possíveis sepulturas de guerrilheiros desaparecidos carrega uma ironia histórica.
Enquanto o governo não consegue romper o imobilismo imposto pelas Forças Armadas e a esquerda que pegou em armas continua, como sempre, dividida, os ex-recrutas que ajudaram a reprimir a guerrilha é que chamaram para si a responsabilidade das buscas.
Mesmo sem estrutura e ignorados, são os que mais têm se aproximado de uma solução para o dilema que há 33 anos atormenta os familiares dos 58 ativistas do PC do B desaparecidos no Araguaia. Eles contam com a ajuda de 15 guias que estiveram na linha de frente, a serviço do Exército, e hoje ainda moram na mesma região do conflito, alguns em terras que ganharam de Sebastião Curió como recompensa.
Mapas
O principal deles é José Pereira, que esteve em todas as fases do combate, entre 1972 e 1975, e atualmente vive no povoado de Apinagés, em São João do Araguaia. Pereira ajudou os ex-soldados a desenhar os mapas sobre a os principais pontos de confronto e possíveis locais de sepulturas. Outros guias, com nomes completos e endereços, aparecem num conjunto de depoimentos prestados nos últimos anos por eles mesmos e moradores da região ao Ministério Público ou às comissões oficiais da Câmara ou do governo. Os relatos descrevem circunstâncias das prisões, tortura e morte dos ativistas a partir de 1973, quando nenhum guerrilheiro sobreviveu.
Pelos depoimentos é possível listar vários guias com identificação completa: Sinésio Martins Ribeiro, Luis Marinheiro, Cícero Saraiva da Silva, João Vitório da Silva, Agenor Moraes da Silva, Raimundo Nonato dos Santos, Manoel Leal de Lima (Vanu), Nelson Miranda Cortez, Abel Honorato de Jesus, Antônio Felix da Silva, Dionor Carlos Azevedo, Cícero Valdivino de Oliveira, Manoel Gomes e Arlindo Vieira, conhecido por Arlindo Piauí, apontado como o homem que matou com um tiro de fuzil o mais famoso dos guerrilheiros, Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão.
A Comissão de Mortos e Desaparecidos da Secretaria Especial de Direitos Humanos não reconhece o levantamento dos ex-soldados, mas pouco faz para elucidar o caso dos desaparecidos. Melo diz que as incursões já realizadas por representantes do governo à região foram marcadas erros primários, como se deslocar para fazer escavações no período das chuvas, que resulta em perda de tempo e ajuda a semear o descrédito às investigações.
O ex-soldado afirma que se o governo tomar uma decisão política de enfrentar a questão, a localização dos restos dos guerrilheiros é uma tarefa possível. As informações ainda estão vivas na memória de guias, moradores, soldados, ex-guerrilheiros e, especialmente, os oficiais do Exército que têm informações precisas, mas desafiam o governo escondendo o que sabem.
Rompendo o silêncio
O principal deles é Curió, que só agora ameaça a falar. Ele tem vários motivos: sabe que os ex-soldados estão cada vez mais perto de sepulturas que há décadas esconde, está negociando sua história com uma grande emissora de televisão, e não quer ser surpreendido com uma ordem judicial – prevista na sentença da juíza federal Solange Salgado, já transitada em julgado – obrigando-o a revelar o paradeiro dos desaparecidos.
O depoimento dos militares que participaram do conflito, conforme determina a decisão de Salgado, cabe ao Ministério da Defesa. O governo tem se mantido em silêncio sobre a ordem judicial, embora o secretário Nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi já tenha acenado com uma novas buscas aos desaparecidos depois que cessar a temporada de chuvas na região.