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Jornada de trabalho máxima definida na CF não afasta outras mais benéficas estabelecidas pelo legislador infraconstitucional

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27 de agosto, 2022

Em agosto de 2017 foi deferida, em sede de ação ordinária, tutela de urgência pela 16ª vara federal cível do Rio de Janeiro, para a redução da jornada de trabalho, de servidor da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN.
Afirmou o trabalhador, em sua exordial, ser ocupante de cargo de técnico na supracitada autarquia federal, tendo sido classificado como IOE (Indivíduo Ocupacionalmente Exposto), nos termos da Orientação Normativa SEGEP n° 06/2013. Daí sustentar que faz jus, não apenas ao adicional de irradiação ionizante e às férias radiológicas que já recebe, mas também à jornada especial de vinte e quatro horas semanais, nos termos da Lei nº 1.234/1950.
A sentença de piso proveu o pedido, condenando a parte ré a reduzir a carga horária do servidor, conforme requerido, bem como a ressarcir as horas extras trabalhadas, até o limite de duas horas diárias, com repercussão no repouso semanal remunerado, nas férias e gratificações natalinas.
Outrossim, reconheceu a prescrição das parcelas vencidas há mais de cinco anos do ajuizamento do pedido, como também atribuiu à condenação, correção monetária e juros de mora de 1% ao mês, contados da citação.
Inconformada, a CNEN interpôs apelação para desconstituir a sentença, alegando prescrição e insuficiência de provas da exposição do autor aos raios ionizantes. Ademais, defendeu a não recepção da Lei nº 1.234/1950 e, subsidiariamente, que suas disposições foram revogadas pelo Regime Jurídico Único, instituído pela Lei nº 8.112/1990. Para mais, declarou que com o advento da Lei nº 8.460/1992, os servidores tiveram sua jornada de trabalho modificada. A partir de então suas remunerações passaram a ser calculadas com base nos anexos da referida lei, e as jornadas, definidas em 30 ou 40 horas semanais. Destacou, também, que a Lei nº 8.691/1993 instituiu o Plano de Carreiras para a área de Ciência e Tecnologia. Tal norma – que abrange o cargo do autor – faz referência ao mesmo período de 30 ou 40 horas semanais.
Por fim, fez uma série de ressalvas quanto aos elementos que comporiam a base de cálculo das horas extras remuneradas que, supostamente, deve ao autor, e pediu o abatimento das contribuições previdenciárias devidas no pagamento das horas extras, na medida em que “as horas extras, especialmente aquelas que são pagas de modo contínuo como nos autos, têm natureza remuneratória, razão pela qual incide contribuição previdenciária”.
O processo veio a este Tribunal para julgamento da apelação da CNEN e da remessa necessária. Inaugurando seu voto, a relatora e desembargadora federal Vera Lúcia Lima conheceu do apelo e limitou seu escopo, conforme o disposto na Súmula 85 do STJ, às parcelas vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação, por se tratar de obrigação de trato sucessivo em que a fazenda pública figura como devedora.
Prosseguindo, rejeitou a tese da não recepção da Lei nº 1.234/1950 pelo ordenamento jurídico inaugurado em 1988. Esclareceu, nessa toada, que a Carta da República, ao estabelecer jornada não superior a 44 horas semanais (art. 7º, XIII) trata de uma proteção mínima ao trabalhador, podendo o legislador infraconstitucional ampliar seu escopo. Destacou a eminente magistrada, que a própria Lei nº 8.112/1990 reduziu a jornada do servidor público federal para 40 horas, conferindo tutela mais ampla que a constitucional, sem que isso implicasse em sua inconstitucionalidade.
De mais a mais, ponderou que o art. 19, §2° da Lei nº 8.112 ressalvou a possibilidade de servidores que exerçam funções mais perigosas ou insalubres, se submetam à legislação especial – como na espécie – e com isso adotem jornada laboral distinta. Nesse sentido, concluiu que o dispositivo concretiza o princípio da isonomia, por garantir o respeito dos desiguais frente às desigualdades fáticas eventualmente existentes. À vista disso, lançou mão de jurisprudência do STF, demonstrando que a norma especial afasta a norma geral, ao reconhecer a constitucionalidade de lei que preceitua período de trabalho especial para servidores ocupantes de cargos das categorias médicas integrantes da Administração Federal.
Nesse mesmo diapasão, salientou a relatora que a Lei nº 1.234/1950 é especial em relação à Lei 8.112/90, estabelecendo direitos e vantagens aos servidores que operem diretamente e de modo não ocasional com Raios-X e substâncias radioativas, devendo aquela ser aplicada no lugar da regra geral, em tal circunstância.
Para mais, registrou que a Lei nº 8.270/1991 derrogou a Lei nº 1.234/1950 tão somente para reduzir a gratificação de Raios-X para 10%, mantendo a carga horária semanal de 24 horas.
Ademais, pontuou que a Lei nº 8.691/1993, que criou o Plano de Carreiras para a área de Ciência e Tecnologia, não revogou tacitamente a possibilidade de adoção de regime diferenciado previsto na Lei nº 1.234/1950, tal como no caso.
Reforçou seu posicionamento, citando o disposto no art. 5º, da Medida Provisória 2.229-43/2001, que, ao reestruturar a carreira dos servidores da CNEN, ressalvou a possibilidade de jornada diferenciada para casos amparados por legislação específica. E trouxe à baila julgado desta Corte em igual sentido.
Prosseguiu sua exposição salientando que o autor, efetivamente, exerce cargo que o expõe diretamente e de forma não esporádica a Raios-X e substâncias radioativas, fazendo jus à jornada de vinte e quatro horas semanais.
Nesse respeitante, verificou que, dos documentos acostados aos autos, consta o recebimento, pelo autor, do Adicional de Irradiação Ionizante, que é devido a servidores que desempenham atividades que possam resultar em exposição à radiação. E, muito embora, tenha reconhecido a votante que receber o adicional não significa, per se, a necessidade de redução da jornada de trabalho, frisou que, nos termos art. 2º, §1° do Decreto nº 877/1993, a concessão de tal adicional ocorre na hipótese de a atividade ser exercida em local de risco potencial de exposição.
Além do mais, constatou que o servidor, desde 2011, vinha fruindo de férias semestrais de 20 dias – quando passou a receber gratificação por trabalho com Raio X ou substância radioativa – o que mostra o cumprimento, pela parte ré, do disposto nas alíneas “b” e “c”, mas não da “a” (carga horária de 24 horas semanais), do art. 1º da Lei nº 1.234/1950.
Por derradeiro, citou jurisprudência do STJ e do TRF2 no sentido de aplicar, a servidores da CNEN, o regime da Lei nº 1.234/1950.
No que tange à base de cálculo das horas extras, rechaçou a alegação de que “as vantagens recebidas a título de exposição a fontes de radiação constantes das fichas financeiras da parte autora devem ser excluídas dos cálculos de aferição das horas extras trabalhadas”, na medida em que o art. 73 da Lei nº 8.112/90 dispõe expressamente que as horas que extrapolam a jornada comum devem ser fixadas com fundamento no vencimento básico, circunstância que afasta a incorporação de quaisquer gratificações eventualmente percebidas pelo servidor público do cálculo das horas extraordinárias. E afirmou que a fixação do quantum devido ocorrerá na liquidação da sentença.
Na mesma toada, determinou, com relação ao fator de divisão para cálculo das horas extras e eventual incidência de contribuição previdenciária, que tais temas devem ser analisados no momento da liquidação da sentença.
Votou, diante do exposto, no sentido de negar provimento à remessa necessária e ao apelo da autarquia federal, determinando a majoração da verba honorária em 1% sobre o valor anteriormente fixado na sentença.
Inaugurando divergência, que não prosperou, o desembargador federal Marcelo Pereira da Silva defendeu a revogação da Lei nº 1.234/1950.
Ponderou o julgador que foi com a edição da Lei nº 8.691/1993 que tal revogação se sucedeu, posto que as disposições desta abarcam toda a matéria relativa aos servidores que trabalham com Raios-X e substâncias radioativas.
Assim, entendeu o votante que a Lei nº 8.691/1993 determina que os atuais servidores dos órgãos e entidades referidos nos §§ de seu artigo 1º serão enquadrados nas carreiras constantes do anexo I, da Lei nº 8.460/1992 e que suas remunerações corresponderão àquelas fixadas no anexo II, da mesma lei, onde consta tabela de vencimentos para jornada de 30 e 40 horas semanais. Ademais, colacionou julgado unânime, de sua lavra, datado de 2016, que adota a tese em seu voto defendida.
Por fim, ressaltou inexistir direito adquirido quanto ao regime jurídico, sendo irrelevante o momento do ingresso do servidor (se antes ou depois do advento da Lei nº 8.691/1993).
À vista do exposto, votou no sentido de divergir da relatora e dar provimento à remessa necessária e à apelação da CNEN, julgando improcedentes os pedidos e invertendo os ônus sucumbenciais.
O desembargador federal Guilherme Diefenthaeler secundou a divergência, o que resultou no sobrestamento do feito para o cumprimento do disposto no art. 942 do NCPC.
Em sessão ampliada, após os votos do desembargador federal Luiz Paulo da Silva Araújo Filho e da Juíza Federal convocada Marcella Araújo da Nova Brandão, ambos acompanhando a relatora, a turma decidiu, por maioria, negar provimento à remessa necessária e à apelação da CNEN, majorados os honorários à razão de 1%.
A autarquia federal opôs embargos declaratórios alegando diversas omissões. A relatora, desembargadora federal Vera Lucia Lima da Silva, em sua análise, constatou omissão no voto condutor do acórdão atacado, tão somente quanto à compensação das parcelas pagas administrativamente. Consignou, então, que eventuais diferenças pagas na via administrativa serão compensadas ou deduzidas do valor a ser executado.
Deu, portanto, parcial provimento aos aclaratórios da CNEN para, integrando o julgado, sanar omissão, nos termos acima evidenciados. Os demais votantes acompanharam a relatora, à unanimidade. TRF 2ª Região, 8ª Turma Especializada, EmbDec 0119932-17.2017.4.02.5101, Rel. Des.Federal VERA LUCIA LIMA DA SILVA, Decisão em 10/03/2022. Informativo de Jurisprudências nº 244/TRF2.

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