STF tem maioria para determinar que Estado adote práticas contra o racismo
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28 de novembro, 2025
O Plenário do Supremo Tribunal Federal suspendeu, nesta quinta-feira (27/11), o julgamento da ação em que sete partidos pedem o reconhecimento de um quadro de violação massiva de direitos fundamentais e a adoção de políticas públicas de reparação para a população negra diante do racismo estrutural e do institucional.
Até o momento, o placar está 5 votos a 3 pelo não reconhecimento do estado de coisas inconstitucional contra negros. Porém, todos os ministros que já votaram reconheceram o racismo estrutural e a necessidade de o poder público adotar ações contra a prática.
Faltam apenas os votos dos ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin. O julgamento será retomado em data a ser marcada.
Estado de coisas inconstitucional
O relator do caso, ministro Luiz Fux, votou na sessão desta quarta (26/11) pelo reconhecimento do chamado estado de coisas inconstitucional e pela admissão de que há uma omissão estatal sistêmica no enfrentamento às violações de direitos da população negra. Ele lembrou que, por causa do racismo, pretos e pardos concentram os piores indicadores sociais, econômicos, educacionais, de saúde, saneamento, violência e encarceramento no país.
O ministro propôs que, em até um ano, a União elabore um plano nacional de enfrentamento ao racismo, com participação do Judiciário. O plano deve prever ações que priorizem áreas como trabalho e desenvolvimento econômico, educação, saúde, direitos humanos, segurança alimentar e nutricional, infraestrutura e apoio à juventude e aos povos e comunidades tradicionais.
Em seu voto, Fux ponderou que a realidade atual é distinta da do período anterior à abolição do regime escravocrata, em 1888, quando havia uma estrutura formal contra a população negra. Por isso, afirmou o relator, não se pode falar em racismo estrutural, mas em racismo histórico.
“Isso não significa que não haja omissão em relação a esse grupo majoritário da sociedade brasileira”, explicou. Segundo Fux, as gerações pós-escravidão ficaram presas a um ciclo de pobreza, resultado da incapacidade do Estado de criar condições reais de ascensão social. “Dizer que não há esse racismo histórico é negar a realidade. É só verificar órgãos públicos e universidades, mesmo com as cotas: pretos e pardos não têm a chance de alcançar cargos estratégicos.”
Os ministros Flávio Dino e Cármen Lúcia seguiram o voto do relator. Dino, na quarta, incluiu acréscimos à proposta de Fux. Ele sugeriu que o plano nacional inclua campanhas públicas contra o racismo, o incentivo à presença de pessoas negras nas produções audiovisuais a partir da Lei Rouanet (Lei 8.313/1991) e a ampliação da capacitação de professores no ensino da história e da cultura afro-brasileiras, como já determina a Lei 10.639/2003.
Cármen, nesta quinta, avaliou que as medidas adotadas pelo Estado brasileiro após a Constituição de 1988 não foram suficientes para superar o racismo histórico e estrutural, violando o princípio da igualdade.
Racismo estrutural
O ministro Cristiano Zanin acompanhou nesta quinta o relator com relação ao reconhecimento do racismo estrutural e das graves violações decorrentes disso. Porém, divergiu quanto à existência de um estado de coisas inconstitucional decorrente de omissão do poder público.
O magistrado destacou que o governo federal vem adotando uma série de medidas contra o racismo a partir de 2003, inclusive com a recriação do Ministério da Igualdade Racial, em 2023. Ou seja, as políticas até podem ser insuficientes para fazer a discriminação cessar, mas não se pode falar em omissão, disse Zanin. Por esse motivo, lembrou ele, a corte deixou de reconhecer o estado de coisas inconstitucional nas ADPFs 635 (segurança pública do Rio de Janeiro) e 760 (desmatamento na Amazônia).
O ministro seguiu Fux com relação à proposta para o aprimoramento ou criação de um plano nacional de enfrentamento ao racismo estrutural. Contudo, não declarou o estado de coisas inconstitucional, limitando-se a reconhecer as graves violações constitucionais e determinar providências alinhadas às já assumidas pelo Estado brasileiro.
A parcial divergência foi seguida pelos ministros André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Mendonça disse que a discriminação contra negros é inegável, mas opinou que as instituições públicas não são racistas. Na visão de Nunes Marques, o racismo é um problema social e humano, não uma estrutura institucionalizada do Estado.
Há discriminação histórica contra a população negra, mas houve avanços promovidos pelos Três Poderes desde a Constituição de 1988, apontou Alexandre, reconhecendo que os resultados são insuficientes.
O ministro propôs a determinação de providências administrativas específicas, como inclusão obrigatória de conteúdos sobre relações raciais na formação das forças de segurança; implementação de políticas de redução de letalidade policial nos planos de segurança; celeridade em procedimentos e inquéritos relacionados ao racismo; e proteção a comunidades quilombolas. Ele também recomendou prazo de 60 dias para o cumprimento das medidas e pediu tramitação urgente de projetos legislativos ligados ao assunto.
Já Toffoli destacou avanços para argumentar que não há estado de coisas inconstitucional. Entre eles, a criminalização do racismo, a proteção às comunidades quilombolas e políticas de cotas e ações culturais e educacionais voltadas à população negra.
Genocídio permanente
A ADPF foi ajuizada por PT, PSOL, PSB, PCdoB, Rede Sustentabilidade, PDT e PV. Os partidos sustentam que ações e omissões do Estado vêm negando sistematicamente os direitos constitucionais à vida, à saúde, à segurança e à alimentação digna da população negra. Eles alegam ainda que essa parcela da sociedade está submetida a um processo de genocídio permanente, com destaque para a crescente letalidade decorrente da violência policial e o hiperencarceramento de jovens pretos e pardos pela política antidrogas.
As legendas argumentam que esse cenário exige o reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional e pedem a adoção de políticas de reparação em um plano nacional de enfrentamento ao racismo estrutural. Elas solicitam ainda a definição de obrigações a serem cumpridas pelo Judiciário, pelo Legislativo e pelo Executivo.
Processo relacionado: ADPF 973
Fonte: Consultor Jurídico