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Entrevista de Carlos Fuentes ao Jornal El País

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11 de março, 2003

“Bush é o rei. Aznar e Blair, os cortesãos”, segundo o escritor Carlos Fuentes Juan Jesús AznárezCIDADE DO MÉXICO – Carlos Fuentes situa a ação de seu último livro, “La Silla del Aguila” [A Cadeira da Águia] (ed. Alfaguara) no ano de 2020. O autor aborda magistralmente as baixezas e traições que orbitam sobre os presidentes do México, e adivinha seu país mergulhado em problemas e isolado pelos Estados Unidos em represália por ter solicitado na ONU a retirada de suas tropas da Colômbia. As pressões e o novo belicismo de Washington, desta vez real e contra o Iraque, indignam o narrador: “O que coloco no romance, que nos deixem isolados, pode acontecer”.A coalizão entre os presidentes George W. Bush, Tony Blair e José María Aznar, ele acrescenta, não é uma aliança entre pares, mas entre “o rei e dois cortesãos”, que serão esquecidos quando o primeiro tiver alcançado seus objetivos. Como “La Silla del Aguila” é um romance político, Fuentes entra na política e diz que com os Estados Unidos se fala de pé, com dignidade, olhando nos olhos, porque o desprezo costuma ser o pagamento do império aos submissos. Seu livro, para o qual fez anotações durante 20 anos e escreveu em dois, é um epistolário da podridão humana, um tratado sobre os vícios dos políticos mexicanos, às vezes parecidos com os de outras latitudes.El País – “La Silla del Aguila” perscruta o perfil de dois presidentes. Agora há um triunvirato polêmico- Bush, Blair e Aznar.Carlos Fuentes – Não é um triunvirato. Há um rei e dois cortesãos. É uma corte de um senhor que quer dominar o mundo e que no momento em que o conseguir vai jogar fora seus aliados submissos como sapatos velhos.El País – O México conhece bem isso, não?Fuentes – A experiência mexicana com os Estados Unidos é muito antiga e sabemos muito bem que com os americanos se fala de pé e olhando nos olhos, com dignidade. Se alguém não lhes fizer favores, e digo de maneira grotesca: se der as nádegas aos gringos, se esquecem dele para sempre e dão um pontapé no mesmo traseiro. Os governos americanos, quando são tratados com subserviência, respondem com desprezo. Sairão ganhando no final Alemanha, França e Rússia.El País – Mas os Estados Unidos podem aplicar represálias contra o México caso vote contra no Conselho de Segurança.Fuentes – Estão ameaçando o México. Bush e seu embaixador no México ameaçam com represálias se votarmos contra, mas lembro que nos opusemos aos Estados Unidos em diversas ocasiões, na Guatemala, na América Central, Cuba ou Panamá, e nunca nos aconteceu nada porque existe uma dependência mútua.El País – O embaixador americano, Tony Garza, insinua problemas com os imigrantes mexicanos sem documentos.Fuentes – Se, como diz o embaixador, vão expulsar todos os trabalhadores sem documentos, quer dizer que vão chegar 1,5 milhão de trabalhadores ao México pedindo emprego e desestabilizando totalmente o México, o que cria um problema para a segurança americana maior que Saddam Hussein e o Iraque. O motivo comercial é grande demais para que nada possa sustentá-lo. Creio que podemos atuar com dignidade e independência, sem temer as represálias dos americanos.El País – Voltando à sua última obra, dá vontade de sair correndo do México depois de imaginar sua possível evolução e a aparência de sua classe política.Fuentes – Bem, dá vontade de sair correndo da Inglaterra depois de ler Jonathan Swift- as sátiras têm de ser pessimistas. Mas também há uma vontade de exorcismo, mais que de profecia. O ruim é que meus exorcismos costumam se transformar em profecias. Não é uma novela cor-de-rosa. Mas vejo elementos positivos. Neste país sempre houve uma luta social permanente do povo mexicano, que o manteve vivo. Agora há uma sociedade pujante.El País – “O Príncipe” de Maquiavel foi seu livro de cabeceira durante a redação, mas me dá a impressão de que o florentino poderia ter aprendido muito com os políticos de seu país.Fuentes – Para falar como Fox, dão a Maquiavel “uma sopa de seu próprio chocolate”. Em uma entrevista que minha esposa fez com Carlos Andrés Pérez (quando já não era presidente), ele lhe disse: “O senhor sabe que o presidente Carlos Salinas de Gortari tem como livro de cabeceira “O Príncipe””. Carlos Andrés respondeu: “Do jeito que andam as coisas, mais vale que o novo livro de cabeceira seja “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint Exupéry”.El País – Se todos os políticos fossem como os de seu romance, não haveria salvação possível.Fuentes – Deus me livre. Não creio que sejam todos assim. Eu quis fazer uma crítica à classe política que se fecha em si mesma e perde todo o contato com a cidadania. Os políticos mexicanos agora estão muito desconcertados, depois de mais de sete décadas de regime monopartidário, ou melhor, de monopoder. Não sabem bem onde se colocar. Tivemos alternância no poder, mas não transição democrática. Continuam funcionando muitas das velhas estruturas, das velhas formas e dos velhos estilos.El País – Em seu romance o PRI, que chegou a ser o partido mais longevo do mundo, fica dividido em oito grupos, e o governamental Partido da Ação Nacional é…Fuentes – O PRI, na realidade, se transformou em um galinheiro sem galo, e as galinhas andam sem cabeça e correndo soltas. O PRD tem tendências muito diferentes e o PAN está distanciado até de seu próprio presidente, Fox.El País – Qual seria sua proposta de mudança para o México?Fuentes – Pode parecer ilusória, utópica, mas não o é na Europa. Temos que acabar por conformar no México as duas grandes correntes políticas modernas partidaristas – a centro-direita democrata-cristã e a centro-esquerda social-democrata. Isso é suficiente, e depois partidos pequenos que representem interesses particulares da sociedade.El País – Fox pode realizar as reformas necessárias no México, entre elas a reeleição de deputados e senadores e a formação de uma classe política profissional, e um segundo turno na eleição presidencial, como o senhor propõe?Fuentes – Duvido muito, diante da atual composição do Congresso, e temo muito que se repita em julho. Com poucas variações, vai ser a mesma e vai ter de boiar como morto durante o resto de seu governo, mas pode trabalhar para o futuro, pode introduzir desde já propostas de lei, reformas que sirvam aos sucessores de Vicente Fox.El País – O personagem mais intrigante do romance é uma mulher ambiciosa, manipuladora de presidentes. O gênero tem algo a ver em sua escolha?Fuentes – Sou leitor de Stendhal, e a figura da San Severina em “A Cartuxa de Parma” me impressionou muito, ou a participação das Júlias na política romana. E outro livro que li muito para “La Silla del Aguila” foi “Tibério”, de Gregorio Marañón, cujas mulheres exercem um papel político determinante, ou os “Idos de Março” de Thornton Wilder, em que a mulher é sempre protagonista.El País – A política e a literatura mexicana tiveram um caráter machista.Fuentes – Por isso. São raros os romances em que a mulher é o personagem principal, mas não submisso, e sim determinante para a ação do romance, ainda mais em um livro de caráter político.El País – María Rosario Galván realmente o é em seu livro.Fuentes – Ela abre e fecha o romance com uma frase: “Você será presidente do México”.El País – É tenebroso imaginar um México como o de suas páginas.Fuentes – Sim, mas poderia acontecer. É uma advertência de que o pior poderia acontecer. Uma das funções da ficção é imaginar a catástrofe. Que catástrofe maior que em “1984”, de Orwell, que já aconteceu, mas Swift, Voltaire, descreveram cenários muito pessimistas. E creio que pelo menos servem de advertência, ao mesmo tempo que diversão.El País – Efetivamente, algumas situações são dramáticas e hilariantes ao mesmo tempo.Fuentes – Eu ri muito escrevendo.El País – Quando começou a escrever seu livro a situação internacional era muito diferente.Fuentes – Durante 20 anos fiz anotações para esse romance. Quando chegou a alternância (a derrota do PRI nas eleições presidenciais em 2 de julho de 2000) senti que era um bom momento para escrevê-lo, mas o que não pude imaginar é que seria publicado em um momento de tão grave tensão entre o México e os Estados Unidos. O que coloco no romance, que nos deixem isolados, pode acontecer.El País – “La Silla del Aguila” mais parece um tratado político que um romance?Fuentes – De maneira alguma. O que está subjacente em todo o romance é a paixão. María del Rosario Galván diz que a política é a atuação pública das paixões privadas. O que está por baixo é todo um repertório de paixões humanas que se manifestam na vida política. É sempre assim.Tradução- Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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