Entidades de magistrados querem excluir Judiciário da emenda do teto de gastos
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16 de dezembro, 2016
A Emenda Constitucional 95/2016, que limita os gastos públicos por 20 anos, viola a autonomia administrativa e financeira dos tribunais, ferindo o artigo 99 da Constituição Federal e a independência dos três Poderes (artigo 2º da Constituição).
Esse é o argumento da ação proposta conjuntamente pelas associações dos Juízes Federais (Ajufe), dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) no Supremo Tribunal Federal.
A emenda passou a valer depois que a PEC 55/2016 foi aprovada pelos senadores na última terça-feira (13). Na peça, as entidades também pedem, liminarmente, que o Judiciário seja liberado da aplicação do regime fiscal imposto pela nova norma. No mérito, querem que seja declarada a inconstitucionalidade do inciso II, do artigo 102, além de seus parágrafos e incisos.
Também pedem a inconstitucionalidade dos artigos 103 e 104, inseridos pela Emenda Constitucional 95/2016. Segundo as entidades, o Judiciário não foi chamado em momento algum para debater as propostas de revisão dos limites orçamentários.
“[O Novo Regime Fiscal] Está limitando e restringindo a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário de participar da elaboração do seu próprio orçamento, (a) seja porque o Novo Regime Fiscal já impôs limitações — que somente a “realidade orçamentária” poderia impor — sem a participação do Poder Judiciário pelo período de 20 anos, (b) seja porque atribuiu com exclusividade ao Chefe do Poder Executivo a possibilidade de promover a revisão das limitações, após o 10º ano de vigência do Novo Regime Fiscal, uma vez mais sem a participação do Poder Judiciário”, afirmam os autores da peça.
As entidades destacam que a limitação dos gastos, que já valerá em 2017, impedirá o Judiciário de criar cargos e varas, promover concursos e ampliar tribunais. “Pouco importando que venha a ocorrer uma grande ampliação do número de processos.”
Dizem ainda que o orçamento da Justiça brasileira é ínfimo se comparado a todo o aparato estatal. “Representou, por exemplo, 2,181% do orçamento da União de 2016, que vem a ser um percentual que tem se repetido ao longo dos anos, para não dizer de décadas.”
Fogo amigo
A Ajufe, a AMB e a Anamatra destacam na peça que a necessidade de investimentos no Judiciário se dá pelo estoque processual existente no Brasil (mais de 100 milhões de processos). Explicam que, em grande parte, essa alta litigância é culpa do próprio poder público.
As instituições, com base em dados do CNJ, mostram que o setor público é o responsável por 38% das ações em todo o país. Mas esse percentual aumenta quando o cálculo é individualizado por áreas da Justiça.
Situação das contas
Só neste ano, entre janeiro e agosto, o déficit primário do governo federal totalizou R$ 68,5 bilhões. Em 2013 e 2014 também foram apresentados déficits (R$ 32,5 bilhões e R$ 114,9 bilhões, respectivamente). Com a emenda constitucional aprovada, a partir de 2018, e pelos próximos 20 anos, os gastos federais só poderão ser corrigidos com base na inflação registrada pelo IPCA e acumulada nos últimos 12 meses, até junho do ano anterior.
Porém, para o primeiro ano de vigência da PEC (2017), o teto será definido com base na despesa primária paga em 2016 (incluídos os restos a pagar), com a correção de 7,2%, que é a inflação prevista para este ano. O novo regime fiscal valerá para os orçamentos fiscal e da seguridade social e para todos os órgãos e Poderes da República.
Dentro de um mesmo poder, haverá limites por órgão. Existirão, por exemplo, tetos individualizados para tribunais, Conselho Nacional de Justiça, Senado, Câmara, Tribunal de Contas da União, Ministério Público da União, Conselho Nacional do Ministério Público e Defensoria Pública da União.
O órgão que desrespeitar seu teto ficará impedido, no ano seguinte, de dar aumento salarial, contratar pessoal, criar novas despesas ou conceder incentivos fiscais, no caso do Executivo. A partir do décimo ano, o presidente da República poderá rever o critério uma vez a cada mandato presidencial, enviando um projeto de lei complementar ao Congresso Nacional.
Algumas despesas não ficarão sujeitas ao teto. É o caso das transferências de recursos da União para estados e municípios. Também escapam gastos para realização de eleições e verbas para o Fundeb. Saúde e educação também terão tratamento diferenciado.
Para 2017, a saúde terá 15% da Receita Corrente Líquida, que é o somatório arrecadado pelo governo, deduzido das transferências obrigatórias previstas na Constituição. A educação, por sua vez, ficará com 18% da arrecadação de impostos. A partir de 2018, as duas áreas passarão a seguir o critério da inflação (IPCA).
Aprovação legislativa
Apesar da aprovação do regime fiscal proposto pelo governo Michel Temer, foram produzidos pareceres por consultores do Senado apontando problemas na PEC. Entre eles estão a total inconstitucionalidade da iniciativa e o exagero das expectativas da proposta.
Um dos estudos apresentados, assinado pelo consultor Ronaldo Jorge Araújo Junior, destaca a inconstitucionalidade da PEC citando a violação de todos os critérios do parágrafo 4º do artigo 60 da Constituição Federal, que proíbe a promulgação de emendas constitucionais que tratem de garantias individuais, do voto direto, secreto, universal e periódico, a forma federativa e a separação de poderes.
Outro estudo afirma a constitucionalidade da PEC do novo regime fiscal, mas com ressalvas. Os consultores Francisco Schertel e Paulo Springer de Freitas não veem violações à federação ou ao voto direto, mas afirmam que a análise a respeito das violações à federação (inciso III) e aos direitos fundamentais (inciso IV) deve ser feita com mais cuidado.
Segundo os consultores, é difícil apontar com clareza como a PEC seria inconstitucional em relação aos incisos III e IV do parágrafo 4º do artigo 60 da Constituição. De acordo com os consultores do Senado, no entanto, a existência de cláusulas pétreas não impede que seu conteúdo seja objeto de emenda. É apenas “a definição de uma esfera mínima de proteção, que preserve os seus elementos essenciais”.
Brigas políticas
Mesmo sendo considerada essencial para o desenvolvimento do Brasil e o equilíbrio fiscal do país pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles, a PEC do Teto de Gastos sofreu ataques de partidos da oposição e da Procuradoria-Geral da República, que viu inconstitucionalidade no projeto que criaria um “superórgão”. “Estou seguro de que, passada a incerteza política e aprovada a PEC, o índice de confiança vai continuar aumentando, e o crescimento vai voltar”, disse o Meirelles em junho deste ano.
“A busca pelo almejado equilíbrio [fiscal] não pode se dar em detrimento de direitos assegurados pela Constituição — sob pena de retrocesso — inserindo-se nesse contexto também os órgãos e instituições que desempenham funções auridas do próprio contexto constitucional visando à tutela do interesse público primário”, rebateu a PGR em parecer à Câmara dos Deputados.
A opinião da PGR foi criticada por Gilmar Mendes. “Eu confesso que nem consigo entender o alcance dessa proposta [do MPF]. Significa que o Ministério Público deve poder gastar ou que a União deve fazer dívida para sustentar o Ministério Público? É essa a questão que se coloca? Eu confesso que essa colocação do Ministério Público foge ao meu alcance, talvez seja muito elevada para a minha concepção e para a minha inteligência.”
E também por Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados. “[O objetivo da PEC é] Corrigir o desequilíbrio instaurado nas contas públicas a partir do acelerado aumento da despesa pública primária entre os anos de 2008 e 2015 […] condição indispensável para a retomada de uma trajetória de crescimento sustentável da economia brasileira, bem como para o estabelecimento de padrões de gestão responsável da dívida pública”, disse o parlamentar em nota à imprensa.
Além da briga sobre esse parecer, também houve uma disputa no Supremo Tribunal Federal. PT e PCdoB apresentaram ação para barrar a tramitação da proposta, mas o pedido foi negado liminarmente pelo ministro Luis Roberto Barroso, que entendeu ser antidemocrático impedir o andamento de um projeto que pode, ou não, produzir um consenso parlamentar.
As siglas argumentavam que o reajuste anual seguiria o IPCA — elaborado por uma autarquia ligada ao governo federal, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) —, o que geraria uma “proeminência do Poder Executivo sobre os demais”.
Barroso respondeu que o cálculo do IPCA não segue valores definidos pelo Executivo, servindo para retratar a variação do poder aquisitivo das famílias brasileiras. Ele entendeu ainda que a criação de um limite linear de gastos não compromete a atribuição de cada Poder, pois não interfere no modo como Executivo, Legislativo e Judiciário vão elaborar suas propostas orçamentárias.
Fonte: Consultor Jurídico