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Covid-19 e responsabilização de agentes públicos

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30 de junho, 2020

O Plenário, em julgamento conjunto e por maioria, deferiu parcialmente medidas cautelares em ações diretas de inconstitucionalidade, em que se discute a responsabilização de agentes públicos pela prática de atos relacionados com as medidas de enfrentamento da pandemia do novo coronavírus e aos efeitos econômicos e sociais dela decorrentes, para: a) conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 2º da Medida Provisória (MP) 966/2020 (1), no sentido de estabelecer que, na caracterização de erro grosseiro, deve-se levar em consideração a observância, pelas autoridades: (i) de standards, normas e critérios científicos e técnicos, tal como estabelecidos por organizações e entidades internacional e nacionalmente conhecidas; bem como (ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção; e b) conferir, ainda, interpretação conforme à Constituição ao art. 1º da MP 966/2020 (2), para explicitar que, para os fins de tal dispositivo, a autoridade à qual compete a decisão deve exigir que a opinião técnica trate expressamente: (i) das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades reconhecidas nacional e internacionalmente; (ii) da observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.
Foram firmadas as seguintes teses: “1. Configura erro grosseiro o ato administrativo que ensejar violação ao direito à vida, à saúde, ao meio ambiente equilibrado ou impactos adversos à economia, por inobservância: (i) de normas e critérios científicos e técnicos; ou (ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção. 2. A autoridade a quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem expressamente: (i) das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades internacional e nacionalmente reconhecidas; e (ii) da observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos”.
Preliminarmente, o colegiado, por maioria, deliberou por proceder à análise das medidas acauteladoras. Quanto a esse tópico, considerou que o tema tratado na MP é revestido de relevância e urgência. No que se refere à plausibilidade do direito, observou que o novo coronavírus representa problemas em várias dimensões. Na dimensão sanitária, trata-se de uma crise de saúde pública, pois a doença se propagou sem que haja remédio eficaz ou vacina descoberta. A única medida preventiva eficaz que as autoridades de saúde têm recomendado é o isolamento social em toda parte do mundo. Na dimensão econômica, está ocorrendo uma recessão mundial. Na dimensão social, existe uma grande parcela da população nacional que trabalha na informalidade; e/ou que não consta em qualquer tipo de cadastro oficial, de modo que há grande dificuldade em encontrar essas pessoas e oferecer a ajuda necessária. Por fim, há a dimensão fiscal da crise, que consiste na pressão existente sobre os cofres públicos para manter os serviços, principalmente de saúde, em funcionamento. Vencido, no ponto, o ministro Marco Aurélio, que entendeu inadequada a via eleita.
No mérito, explicitou que as ações diretas têm por objeto a MP 966/2020, o art. 28 do Decreto-Lei 4.657/2018 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro ou LINDB), com a redação dada pela Lei 13.655/2018 e, ainda, os arts. 12 e 14 do Decreto 9.830/2019, que regulamentam o referido art. 28.
No que se refere ao art. 28 da LINDB, o Plenário anotou que a lei é de 2018, portanto em vigor há mais de dois anos, sem que se tenha detectado algum tipo de malefício ou de transtorno decorrente de sua aplicação. É uma lei que contém normas gerais, de direito intertemporal, de Direito Internacional Privado, de hermenêutica e de cooperação jurídica internacional. Assim, seu caráter abstrato, aliado à sua vigência por tempo considerável, tornam inoportuna sua análise em medida acauteladora nesse momento. Por isso, o colegiado se limitou a analisar, exclusivamente, a MP 966/2020, no que se refere especificamente à responsabilidade civil e administrativa de agentes públicos no enfrentamento da pandemia e no combate a seus efeitos econômicos.
O propósito dessa MP foi dar segurança aos agentes públicos que têm competências decisórias, minimizando suas responsabilidades no tratamento da doença e no combate aos seus efeitos econômicos. Entretanto, há razões pelas quais ela não eleva a segurança dos agentes públicos. Isso porque um dos problemas do Brasil é que o controle dos atos da Administração Pública sobrevém muitos anos depois dos fatos relevantes, quando, muitas vezes, já não se tem mais nenhum registro, na memória, da situação de urgência, das incertezas e indefinições que levaram o administrador a decidir.
Portanto, a segurança viria se existisse desde logo um monitoramento quanto à aplicação desses recursos, por via idônea, no tempo real ou pouco tempo depois dos eventos. Não obstante, o que se previu na MP não é o caso.
Situações como corrupção, superfaturamento ou favorecimentos indevidos são condutas ilegítimas independentemente da situação de pandemia. A MP não trata de crime ou de ato ilícito. Assim, qualquer interpretação do texto impugnado que dê imunidade a agentes públicos quanto a ato ilícito ou de improbidade deve ser excluída. O alcance da MP é distinto.
No tocante à saúde e à proteção da vida, a jurisprudência do Tribunal se move por dois parâmetros: o primeiro deles é o de que devem ser observados padrões técnicos e evidências científicas sobre a matéria. O segundo é que essas questões se sujeitam ao princípio da prevenção e ao princípio da precaução, ou seja, se existir alguma dúvida quanto aos efeitos de alguma medida, ela não deve ser aplicada, a Administração deve se pautar pela autocontenção.
Feitas essas considerações, é preciso ponderar a existência de agentes públicos incorretos, que se aproveitam da situação para obter vantagem apesar das mortes que vêm ocorrendo; e a de administradores corretos que podem temer retaliações duras por causa de seus atos.
Nesse sentido, o texto impugnado limita corretamente a responsabilização do agente pelo erro estritamente grosseiro. O problema é qualificar o que se entende por “grosseiro”. Para tanto, além de excluir da incidência da norma a ocorrência de improbidade administrativa, que já é tratada em legislação própria, é necessário estabelecer que, na análise do sentido e alcance do que isso signifique — erro “grosseiro” —, deve se levar em consideração a observância pelas autoridades, pelos agentes públicos, daqueles dois parâmetros: os standards, normas e critérios científicos e técnicos, tal como estabelecidos por organizações e entidades médicas e sanitárias nacional e internacionalmente reconhecidas, bem como a observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.
Além disso, a autoridade competente deve exigir que a opinião técnica, com base na qual decidirá, trate expressamente das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecido por organizações e entidades médicas e sanitárias, reconhecidas nacional e internacionalmente, e a observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.
Vencidos os ministros Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia, que concederam a medida cautelar em maior extensão, para suspender parcialmente a eficácia do art. 1º da MP 966/2020 e integralmente a eficácia do inciso II desse artigo. Vencido, também, o ministro Marco Aurélio, que concedeu a medida acauteladora para suspender integralmente a eficácia da MP 966/2020.
(1) MP 966/2020: “Art. 2º. Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.”
(2) MP 966/2020: “Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de: I – enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da covid-19; e II – combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da covid-19. § 1º A responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir e somente se configurará: I – se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica; ou II – se houver conluio entre os agentes.”
STF, Plenário, ADI 6421 MC/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 20 e 21.5.2020. ADI 6422 MC/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 20 e 21.5.2020. ADI 6424 MC/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 20 e 21.5.2020. ADI 6425 MC/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 20 e 21.5.2020. ADI 6427 MC/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 20 e 21.5.2020. ADI 6428 MC/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 20 e 21.5.2020. ADI 6431 MC/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 20 e 21.5.2020. Informativo STF 978.

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