logo wagner advogados

CORREIO BRAZILIENSE: GREVE NO INSS DEIXA 500 MIL SEM SALÁRIO

Home / Informativos / Leis e Notícias /

03 de setembro, 2010

 
O salário mínimo da faxineira Antônia Gomes Fernandes, 48 anos, raramente dura até o fim do mês, mas é suficiente para colocar comida na mesa da família. Ela, o marido e uma filha ganham, juntos pouco mais de R$ 1,5 mil mensais, dinheiro que sustenta sete pessoas e ainda paga a prestação de uma “casinha” recém-comprada na periferia de Brasília. Em setembro, a situação será diferente: a alimentação terá de ser racionada e as contas, atrasadas. “Dá até um desânimo”, diz a faxineira. Impedida de voltar ao trabalho porque não consegue atendimento na perícia no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ficará pelo menos até outubro sem os rendimentos.
 
Com a greve dos médicos peritos que se arrasta há 70 dias, não é possível marcar uma avaliação antes de um mês e os trabalhadores de licença-saúde ficam impedidos de voltar ao trabalho ou de receber os benefícios do INSS — um problema que não aflige apenas Antônia. Quase meio milhão de brasileiros compartilham o drama da faxineira. “Lá em casa, ainda vai ser mais complicado, porque a minha filha estava de férias e, de volta ao trabalho, não terá salário neste mês”, lamenta. “Será apenas o salário do meu pai para sustentar toda a família”, reforça a filha Tatiana, 25 anos, técnica de enfermagem e mãe da pequena Lia, de 4 meses.
 
A paralisação dos peritos tem sido tão prejudicial aos trabalhadores, que mereceu críticas do presidente Lula. Para ele, é um absurdo os peritos pedirem a redução da jornada de oito para seis horas sem abrirem mão de parte dos salários. “Daqui a pouco vão querer receber sem trabalhar”, bradou. Os médicos chegam a ganhar até R$ 14 mil por mês, o que os profissionais contestam. Alegam que o salário inicial bruto da categoria é de R$ 7,5 mil. Os R$ 14 mil só são pagos aos que têm mais de 25 anos de carreira.
 
Multas e juros
Além dos transtornos à população, a greve dos peritos tem causado prejuízos aos cofres públicos. Por lei, a Previdência Social é obrigada a pagar, com multa e juros, os salários referentes ao período em que o trabalhador ficou no “limbo”, sem assistência. O INSS não tem uma estimativa do prejuízo com a paralisação do servidores. Mas, em função da quantidade de prejudicados, as cifras devem alcançar alguns milhões de reais apenas com as multas. A recomendação aos trabalhadores que necessitam da perícia é ir aos postos de atendimento mesmo com a possibilidade de não serem atendidos. As consultas devem ser remarcadas quantas vezes forem necessárias. Se o cidadão não comparecer ao local será considerado como desistente e perde o direito aos benefícios da licença saúde.
 
O maitre Antônio Dias, 62 anos, sofre de depressão e, há três meses, sem forças para continuar com suas rotinas normais, foi afastado do trabalho. Ficou 90 dias sob tratamento. Na última semana, um psiquiatra reavaliou o caso de Dias e o diagnóstico não havia melhorado. A recomendação foi continuar o tratamento por mais três meses. “Não sei o que vai acontecer, se vão me pagar ou não. A única coisa que sei é que a consulta não deu certo porque não tinha médico”, afirma. A esperança é de resolver a sua vida na avaliação marcada para o fim de setembro.
 
Acusações
Enquanto a fila de pessoas sem atendimento cresce a cada dia, as negociações entre médicos peritos e INSS continuam marcadas por acusações mútuas e sem perspectivas de acordo. A possibilidade de avanço depois de uma reunião entre representantes da Associação Nacional dos Médicos Peritos (ANMP) e do governo na última quarta-feira foi por água abaixo e as conversas voltaram à estaca zero. O embate, agora, se refere à negativa dos grevistas em regularizar a situação dos quase 500 mil exames r meio de um mutirão, ponto do qual o Ministério da Previdência não abre mão.
 
Para tentar mitigar o suplício dos que amargam na fila de espera, o INSS anunciou que contratará médicos temporários para suprir a demanda de exames. Os critérios técnicos e jurídicos para o credenciamento desses profissionais serão publicados hoje, no Diário Oficial. A divulgação das normas atende à decisão da 19ª Vara Cível Federal de São Paulo, que determinou a contratação de médicos para o atendimento de perícias nos locais onde o prazo de agendamento dos exames seja superior a 15 dias. Cada médico receberá R$ 21 por consulta.
 
O ministro da Previdência, Carlos Eduardo Gabas, garante que a contratação é emergencial. “Essa medida da Previdência tem o objetivo de zelar pelos interesses da sociedade e durará apenas enquanto houver perícias represadas”, diz. Na ANMP, a posição do ministério é motivo de indignação. O vice-presidente da entidade, Emanuel de Menezes, defende que a perícia é uma função específica, que não pode ser feita por qualquer tipo de médico. “A ANMP é absolutamente contra o credenciamento de médicos”, ressalta o sindicalista.
 
Quanto aos trabalhadores que não conseguem atendimento, Menezes recomenda que busquem satisfações no INSS, pelo fato de o órgão não oferecer, segundo ele, condições de trabalho adequadas nem contratar profissionais em número suficiente. A ANMP argumenta que há, hoje, um déficit de aproximadamente mil peritos, mas a cada dia o número cresce devido a servidores que pedem exoneração, se aposentam ou se afastam por motivos gerais.
 
Em pouco mais de dois meses de greve, os embates entre peritos e INSS foram sempre exaltados. No mês passado, a Previdência chegou a pedir para que a Federação Nacional dos Médicos (Fenam) intermediasse as negociações, mas a atitude gerou amplos manifestos contrários por parte da ANMP. A associação classificou a interferência como “truculenta” e lançou um abaixo-assinado em repúdio à presença da federação nas conversas com o governo. Devido ao não reconhecimento da classe pela Fenam como representante, a Previdência recuou e voltou para a mesa de debates com a ANMP.
 
A expectativa do INSS é de que os credenciados comecem a trabalhar a partir da segunda quinzena deste mês. Os exames serão feitos nas agências da Previdência Social em dias e horários definidos e obedecendo ao limite de 524 perícias por mês, por médico credenciado. Os exames fora das agências serão admitidos em casos excepcionais.
 
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE – 03/09/2010