Correio Braziliense: A PEC dos recursos
Home / Informativos / Leis e Notícias /
11 de julho, 2011
Há alguns anos, o Tribunal de Justiça de um estado da Federação determinou o pagamento de milhões de reais, a título de danos morais, a golpes de maçarico no banco. Inúmeras são as decisões judiciais que mandam sequestrar dinheiro em conta bancária ou transferir bens alienados. Esses absurdos foram e são evitados por efeitos suspensivos concedidos pelos tribunais superiores. Com a PEC dos recursos, tais abusos tornar-se-iam realidade.A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) sugerida pelo ministro do STF Cezar Peluso veda a concessão de efeito suspensivo aos recursos interpostos para os tribunais superiores. Desse modo, o cidadão ou a empresa vítima de uma decisão judicial despropositada nada poderão fazer, salvo assistir à perda de seus bens ou de sua liberdade. Os recursos terão efeito meramente didático. Isso porque não possuiria efeito prático um julgamento favorável ao recorrente, porque o dinheiro sequestrado da conta não seria devolvido e os anos de uma prisão injusta não possuem restabelecimento algum.Bem mais adequado é o projeto do novo Código de Processo Civil, aprovado pelo Senado, em tramitação na Câmara dos Deputados, segundo o qual nenhum recurso possuirá efeito suspensivo por força de lei. No caso da apelação, o relator do recurso dirá se o receberá no efeito suspensivo ou não. Assim, em casos afrontosos ao direito, a decisão não será cumprida de imediato. Na hipótese de uma decisão que provoque dano de difícil reparação ao cidadão, será aguardado o julgamento do recurso. Equilíbrio e sensatez contribuem para a pacificação do corpo social e evitam cerceamento da liberdade de modo arbitrário e enriquecimento sem causa à custa de abusos judiciários.Sobre a PEC dos recursos, com razão o ministro do STF Marco Aurélio, no Ofício nº 6/2011–GBMA, de 3 de abril de 2011, vaticina: "Não pode haver tramitação de emenda constitucional que vise abolir direito individual, e os parâmetros tradicionais da coisa julgada consubstanciam direito individual. Em síntese, a coisa julgada, tal como se extrai da Constituição Federal, é cláusula pétrea. Mais do que isso, no campo criminal, mitigar a coisa julgada significa mitigar o princípio da não culpabilidade".No mesmo toar, o Conselho Federal da OAB e o Instituto dos Advogados Brasileiros se posicionaram pela rejeição da aludida PEC, em homenagem aos postulados constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e da presunção de inocência. O caso Pimenta Neves não serve como paradigma ao debate, porque se trata de um julgamento pelo sistema de tribunal de júri, com tramitação processual específica. Ademais, o caso passou bem mais tempo para julgamento em São Paulo do que em Brasília. A verificação dos dados estatísticos do Judiciário também não corrobora a PEC, quanto mais diante da constatação de que a implantação das súmulas vinculantes, da repercussão geral em recurso extraordinário e do sistema de julgamento de recursos repetitivos, vem diminuindo a cada ano o número de recursos distribuídos aos tribunais superiores.A celeridade deve ser implantada com respeito ao direito de defesa. A pressa é inimiga da perfeição. A rápida solução dos litígios não pode prejudicar a qualidade dos julgados e a segurança jurídica, para os quais a defesa é fundamental. A mudança cultural de todos os operadores jurídicos, a administração do Judiciário de forma menos amadora, com planejamento e transparência, iriam mais colaborar para a razoável duração dos processos.E, mais, deve ser implantado o sistema de prazo obrigatório para o julgamento dos recursos, como proposto pelo Colégio de Presidentes de Seccionais da OAB. Deve ser dado fim, por igual, nos atuais 76 dias de férias dos magistrados, bem como tornar regra o trabalho em todos os dias úteis e não apenas às terças e quartas, conforme atualmente se verifica em diversos casos. Medidas que iriam contribuir para o julgamento célere dos feitos, sem a necessidade de proibir o acesso efetivo ao direito de recorrer.Medida salvacionista como a PEC dos recursos, sem prévia análise de impacto, não pode ser implantada, sob pena de mais tumultuar do que organizar o sistema processual, tornando o cidadão brasileiro refém dos eventuais abusos cometidos por tribunais.Fonte: Texto de Marcus Vinicius Furtado Coelho, Secretário-geral da OAB nacional, publicado no Correio Braziliense – 10/07/2011