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Contas individualizadas do PASEP. Saques indevidos. Ônus da prova. Tema 1300.

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23 de setembro, 2025

A questão submetida a julgamento afetada sob o rito dos recursos repetitivos, nos termos do art. 1.036 do Código de Processo Civil, para formação de precedente vinculante previsto no art. 927, III, do Código de Processo Civil, é a seguinte: “Saber a qual das partes compete o ônus de provar que os lançamentos a débito nas contas individualizadas do PASEP correspondem a pagamentos ao correntista.”.
A controvérsia diz respeito à possibilidade de atribuir o ônus da prova dos saques indevidos e desfalques em contas do PASEP ao Banco do Brasil S.A. Sua solução demanda definir a qual das partes a lei ordinariamente imputa o ônus probatório e verificar se está presente hipótese de sua inversão, na forma do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, ou redistribuição, na forma do art. 373, § 1º, do Código de Processo Civil.
O Banco do Brasil é administrador das contas do PASEP, não sendo parte direta na relação entre a União e o beneficiário, no entanto, a instituição financeira presta serviço aos correntistas e, nessa qualidade, está sujeita a reparar danos.
Para analisar as posições das partes em relação ao objeto da prova, é indispensável compreender a forma como o PASEP faz pagamentos aos participantes. Há três tipos de pagamentos e três formas de saque envolvidas no PASEP: pagamento do principal, pagamento de rendimentos e pagamento do abono salarial.
Esses pagamentos correspondem a saques na conta individualizada, que, por sua vez, podem ocorrer de três formas: crédito em conta, pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG) e saque em caixa das agências do Banco do Brasil. Cada uma delas é identificada por um lançamento específico no extrato da conta individualizada.
O pagamento do principal somente pode ocorrer por saque em caixa das agências do Banco do Brasil. Já o pagamento de rendimentos e pagamento do abono salarial podem ocorrer por qualquer uma das três formas estabelecidas – crédito em conta; pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG) e saque em caixa das agências do Banco do Brasil.
Está além de qualquer discussão que as normas que regem o PASEP permitem ao Banco do Brasil realizar o lançamento a débito na conta individualizada e pagar o participante, ou pagar (ou, de alguma forma, promover acerto) ao intermediário (instituição financeira ou empregador) que efetivamente pagará o participante. Há que se definir como se prova cada uma dessas formas de pagamento.
A comprovação do pagamento é feita pela articulação de dois documentos. Um deles, será o extrato da conta individualizada. O outro, a depender da forma de saque, poderá ser o documento de quitação, ou o extrato da conta-corrente ou o contracheque.
O extrato da conta individualizada é um documento produzido pelo Banco do Brasil, mas fornecido ao participante, mediante solicitação. O extrato demonstra lançamentos a crédito e a débito na conta individualizada, dos quais se extrai o balanço do saldo. Compete ao autor (participante) alegar quais lançamentos não reconhece. Logo, os extratos recebem status de documento indispensável à propositura da ação – art. 320 do CPC. Diante de uma alegação de que o lançamento a débito não corresponde a um pagamento, passa-se à prova do pagamento propriamente dito.
O Banco do Brasil paga o participante, contra recibo, e faz o lançamento do saque a débito. Portanto, o pagamento é provado pela exibição da quitação. Mas, no crédito em conta e no pagamento por Folha de Pagamento (PASEPFOPAG), é um quarto agente quem paga, em nome do PASEP. Nesse caso, o valor é transferido para uma conta-corrente indicada pelo participante. Quem paga ao participante é sua instituição financeira – o banco no qual ele mantém a conta-corrente. A prova do pagamento, portanto, seria feita pela exibição do extrato da conta-corrente de destino.
No pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG), o participante recebe juntamente com o seu salário. Quem paga ao participante é o seu empregador. A prova do pagamento, nesse caso, seria feita pela exibição do contracheque e da quitação dada pelo empregado ao empregador.
Dessa forma, comprovação do pagamento é feita pela articulação do extrato da conta individualizada com o documento de quitação, ou o extrato da conta-corrente ou o contracheque, conforme a forma de saque.
Como dito, compete ao participante/autor alegar que o lançamento no extrato não corresponde a um pagamento. O não pagamento é um fato negativo, com grande dificuldade probatória. No entanto, a depender da forma de saque, seria possível produzir elementos que demonstrem que o pagamento não ocorreu, visto que o adimplemento é inserido em relações em que a documentação de créditos e débitos é uma exigência e uma praxe.
No pagamento mediante saque em caixa das agências do Banco do Brasil, não há prova ulterior que o autor possa produzir. O não pagamento, nesse caso, não estaria documentado, pelo que a prova seria impossível.
A situação é diferente no crédito em conta e no pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG). Nesses casos, o não pagamento pode receber uma comprovação documental. O valor é transferido para a conta-corrente do participante em uma instituição financeira. Logo, a exibição do extrato da conta-corrente de destino, sem o correspondente crédito, serviria como uma demonstração inicial da falta de pagamento.
De forma semelhante, no pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG), o participante recebe juntamente com o seu salário. A prova seria feita pela exibição do contracheque, no qual não há informação do pagamento da parcela lançada no extrato. Logo, é possível provar que determinado pagamento não ocorreu, ao menos não da forma esperada.
Quanto ao ônus da prova, no descumprimento de uma obrigação específica, o pagamento é uma defesa indireta (exceção). O fato constitutivo do direito do autor é a existência da obrigação e o implemento do termo ou da condição. O pagamento, por sua vez, é fato extintivo do direito do autor.
O pagamento mediante saque em caixa das agências do Banco do Brasil se insere nesse contexto, em que a prova incumbe ao devedor. O adimplemento corresponde ao cumprimento de obrigação positiva, de pagar quantia certa, devida pela União (PASEP) ao participante. O Banco do Brasil, como administrador do PASEP e prestador de serviços a ambas as partes (União e participante), paga ao participante, contra recibo, e faz o lançamento do saque a débito. Logo, recai sobre o Banco do Brasil o ônus de provar o adimplemento.
Na forma do art. 320 do Código Civil, a quitação comprova o pagamento. Ou seja, incumbe ao Banco do Brasil exibir o instrumento de quitação (recibo). Dessa forma, o ônus de demonstrar o pagamento, na forma de saque em caixa das agências do Banco do Brasil, é da própria instituição financeira, por ser fato extintivo do direito do autor (art. 373, II, do CPC).
O crédito em conta e o pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG) são formas de pagamento que têm em comum o fato de que não é o Banco do Brasil quem paga ao participante. Nessas formas de saque, além dos três atores mencionados anteriormente, intervém um quarto, a instituição financeira ou empregador, que paga o participante em nome do PASEP (União). A obrigação do Banco do Brasil, nesse caso, é de, como mero administrador, realizar o lançamento a débito correspondente ao pagamento na conta individualizada do participante.
Muito embora, normalmente, a prova do pagamento incumba ao devedor, na presente hipótese, o Banco do Brasil está sendo demandado por um pagamento que caberia a um terceiro – empregador ou instituição financeira na qual foi feito o crédito. O Banco do Brasil, na qualidade de administrador das contas individualizadas do PASEP, é cobrado por uma suposta falta no serviço. O serviço prestado pelo Banco do Brasil corresponde a lançar o débito na conta individualizada e disponibilizar o valor ao terceiro para pagamento. A falha, se verificada, consiste em, apesar de o lançamento do débito realizado ter sido na conta individualizado, o titular não receber o dinheiro. A falha, nesse caso, é o fato constitutivo do direito do autor e, pelo art. 373, I, do CPC, a ele incumbe a prova.
Portanto, ao participante/autor cabe o ônus de demonstrar que o pagamento não ocorreu. E ele se desincumbe desse ônus com a exibição de documentos que são próprios de sua relação com outros agentes, estranhos à relação processual – extratos de conta-corrente e contracheques, nos quais não está registrado o crédito – mas que, nessas formas de saque, fazem o pagamento. Por óbvio, a instrução processual pode prosseguir a partir desses documentos iniciais, requisitando-se, por exemplo, outras informações a terceiros. Mas, em sua falta, o pedido deve ser rejeitado, visto ser ônus do autor sua produção, na forma do art. 373, I, do CPC.
Estabelecido que, no crédito em conta e no pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG), o não pagamento é fato constitutivo do direito do autor, ao qual, inicialmente, incumbe o ônus probatório (art. 373, I, do CPC), resta analisar a possível incidência de regras modificadoras.
São duas hipóteses alternativas previstas no art. 6º, VIII, do CDC: a verossimilhança da alegação e a hipossuficiência do consumidor. Ou seja, a inversão exige que o consumidor esteja em piores condições de demonstrar o seu direito. É precisamente o contrário do que ocorre nos saques via crédito em conta e o pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG). Nesses casos, o tomador do serviço tem acesso às informações e à documentação do pagamento, mas o prestador do serviço (Banco do Brasil) não. São documentos fornecidos ao participante por seu banco ou por seu empregador.
Fenômeno semelhante ocorre com a redistribuição do ônus da prova, na forma do CPC. O que autoriza a revisão da regra geral prevista no caput do art. 373 do CPC é a assimetria de dados e informações, assim como ocorre na hipótese prevista no art. 6º, VIII, do CDC. Como consequência, o ônus não pode ser redistribuído à parte que deles não dispõe, visto que “não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil” (art. 373, § 2º, do CPC).
Dessa forma, o ônus de provar que o lançamento não corresponde a um crédito em sua conta-corrente ou a um lançamento em seu contracheque incumbe ao participante e autor da ação. O participante não está em situação de hipossuficiência, do ponto de vista da comprovação de seu direito. Pelo contrário, na relação entre o Banco do Brasil e o participante, é este quem tem acesso aos dados e informações que são o objeto da prova. Assim, pelo regime do CDC e pelo regime do CPC, o ônus da prova é do participante.
Assim, fixa-se a seguinte tese do Tema Repetitivo 1300/STJ: “Nas ações em que o participante contesta saques em sua conta individualizada do PASEP, o ônus de provar cabe: a) ao participante, quanto aos saques sob as formas de crédito em conta e de pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG), por ser fato constitutivo de seu direito, na forma do art. 373, I, do CPC, sendo incabível a inversão (art. 6º, VIII, do CDC) ou a redistribuição (art. 373, § 1º, do CPC) do ônus da prova; b) ao réu, quanto aos saques sob a forma de saque em caixa das agências do BB, por ser fato extintivo do direito do autor, na forma do art. 373, II, do CPC.”.
STJ, Recursos Repetitivos, REsp 2.162.222-PE, Rel. Ministro Maria Thereza de Assis Moura, Primeira Seção, por maioria, julgado em 10/9/2025. (Tema 1300).REsp 2.162.223-PE, Rel. Ministro Maria Thereza de Assis Moura, Primeira Seção, por maioria, julgado em 10/9/2025 (Tema 1300). REsp 2.162.198-PE, Rel. Ministro Maria Thereza de Assis Moura, Primeira Seção, por maioria, julgado em 10/9/2025 (Tema 1300). REsp 2.162.323-PE, Rel. Ministro Maria Thereza de Assis Moura, Primeira Seção, por maioria, julgado em 10/9/2025 (Tema 1300).