Constitucional e administrativo. Servidor público. Provimento derivado de cargo público. Proibição. Art.37, II, da CF/88. Ação Civil Pública. Nulidade de nomeações. Inconstitucionalidade. Efei
Home / Informativos / Jurídico /
28 de fevereiro, 2007
Fator tempo na desconstituição de atos inconstitucionais.princípio da boa-fé. Precedentes da doutrina e da jurisprudência.1. É sabido que o Pretório Excelso, a partir do julgamento da ADIN nº 231, em 05.08.92, em aresto publicado na RTJ 144/24, deliberou no sentido da inconstitucionalidade de disposições normativas que estabeleciam formas de provimento derivado de cargos públicos, sobretudo a de ascensão funcional. É manifesto, porém, que a doutrina da pretendida nulidade ab initio da lei inconstitucional não pode ser entendida em termos absolutos, pois que os efeitos de fato que a norma produziu não podem ser suprimidos, de forma sumária, por simples obra de uma decisão judicial. Nesse sentido os Tribunais têm encontrado meios para salvar certos efeitos de fato que a inconstitucionalidade não pode cancelar. Certamente inspirado na jurisprudência, notadamente do STF, o Legislativo, recentemente, editou a norma constante no art. 27 da Lei nº 9.868/99. Ao comentar o alcance do mencionado dispositivo legal, assinala o eminente jurista Teori Albino Zavascki, em sua já consagrada obra Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional, editora Rev. dos Tribs., 2001, pp. 49/50, verbis: Essa doutrina, que afirma a nulidade da norma inconstitucional e a natureza declaratória da sentença que a reconhece, não fica, de modo algum, comprometida com a regra constante do art. 27 da Lei 9.868, de 10.11.1999, segundo a qual, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços dos seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado . Tal dispositivo, na verdade, reafirma a tese, pois deixa implícito que os atos praticados com base em lei inconstitucional são atos nulos e que somente podem ser mantidos em virtude de fatores extravagantes, ou seja, por razões de segurança pública ou de excepcional interesse social . Ao mantê-los, pelos fundamentos indicados, o Supremo não está declarando que foram atos válidos, nem está assumindo a função de legislador positivo , criando uma norma – que só poderia ser de hierarquia constitucional – para validar atos inconstitucionais. O que o Supremo faz, ao preservar determinado status quo formado irregularmente, é típica função de juiz. Não é nenhuma novidade, na rotina dos juízes, a de terem diante de si situações de manifesta ilegitimidade cuja correção, todavia, acarreta dano, fático ou jurídico, maior do que a manutenção do status quo. Diante de fatos consumados, irreversíveis ou de reversão possível, mas comprometedora de outros valores constitucionais, sé resta ao julgador – e esse é o seu papel – ponderar os bens jurídicos em conflito e optar pela providência menos gravosa ao sistema de direito, ainda quando ela possa ter como resultado o da manutenção de uma situação originariamente ilegítima. Em casos tais, a eficácia retroativa da sentença de nulidade importaria a reversão de um estado de fato consolidado, muitas vezes, sem culpa do interessado, que sofreria prejuízo desmesurado e desproporcional. Mutatis mutandis, é justamente esse o quadro suposto pelo art. 27 da Lei 9.868, de 10.11.1999, o de um manifesto conflito entre valores constitucionais de mesma hierarquia: de um lado, a nulidade do ato; de outro, o sério comprometimento da segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Tendo de dirimi-lo, o STF faz prevalecer o bem jurídico que considera ser mais relevante na situação em causa, ainda que isso importe a manutenção de atos ou situações formados com base em lei que se pressupunha válida, mas que era nula. Isso é julgar, não legislar. O legislador cria normas para disciplinar situações futuras. O Supremo, ao aplicar o art. 27 da Lei 9.868, de 10.11.1999, faz juízo de valor sobre fatos já passados. Aliás, mesmo antes do advento do referido dispositivo, o Supremo já decidira naquela linha de orientação: em nome de princípios constitucionais que considerou prevalecentes nas circunstâncias do caso, manteve efeitos pretéritos originados de norma reconhecidamente inconstitucional. E, adiante, faz referência o eminente Magistrado à jurisprudência do STF, verbis: Assim, em julgados de 1986 e 1993, apesar do reconhecimento da inconstitucionalidade das normas de que se originaram, o Supremo manteve, assim mesmo, vantagens auferidas por magistrados, porque entendeu que a recomposição da situação irregular importaria comprometimento do princípio da irredutibilidade de vencimentos (STF, RE 105.789, 2ª Turma, Ministro Carlos Madeira, RTJ 118:300; RE 122.202, 2ª Turma, Ministro Francisco Rezek, DJ de 08.04.1994). (In Op. cit., p. 50, nota 29). Nesse sentido, ainda, o ensinamento do saudoso Ministro João Leitão de Abreu, em sua obra A Validade da Ordem Jurídica, Livraria do Globo, 1964, pp. 162/3, verbis: Certas situações, criadas em razão da norma inconstitucional, são, por isso, às vezes, reputadas intangíveis, apesar de se dar pela inconstitucionalidade da lei. A mesma tutela que a ordem jurídica, em determinados casos, confere ao ato aparente, na órbita do direito privado, é estendida, desta sorte, pela doutrina que não qualifica como nula e nenhuma a lei inconstitucional, ao ato desconforme com a Constituição. Múltiplos são os argumentos que se alinham para defender o princípio de que cumpre proteger certos efeitos, produzidos pelo ato irregular ou viciado. Alega-se, na ordem privatista, entre outras razões, que é imperioso proteger-se a boa-fé dos que tiveram como perfeito ou regular o ato que se veio a declarar nulo. Raciocina-se, no direito público, com a presunção de legitimidade dos atos que, nessa esfera, são emanados. Quaisquer que sejam, porém, as explicações articuladas, a verdade é que, no fundo, são todas influenciadas, conscientemente ou não, pela idéia de que os fatos, em virtude da sua própria energia, impõem-se ao reconhecimento da ordem jurídica. Se é indiscutível que esta, pelas injunções normativas, influi nos comportamentos, sujeitando-os aos seus esquemas, é irrecusável, por outro lado, que os próprios comportamentos, reagindo, por vezes, contra as pautas, que lhe são prescritas pela ordem jurídica, seguem o seu próprio caminho, indiferentes às diretrizes que esta lhes assina. Pode a ordem jurídica, sem dúvida, hostilizar esses comportamentos e até perseguir, com medidas drásticas, os seus protagonistas. É o sistema jurídico levado, no entanto, a admiti-los como criadores de situação que merece tutela, quando a negativa de proteção for prejudicial à tranqüilidade da ordem, que o direito, antes de tudo, quer garantir nas relações sociais. Nesse caso, a proteção da ordem jurídica não lhes é dispensada, porque tenham sido os indivíduos, nos seus comportamentos, autorizados a criar tais situações, mas porque, estas, pela sua própria energia, forçaram o sistema jurídico a admitir-lhes os efeitos. As normas jurídicas instituídas de maneira irregular não tiram, pois, a sua eficácia de habilitação recebida pelo órgão que as editou para desviar-se das regras estabelecidas, de modo expresso, no direito positivo, quanto ao desempenho da sua atividade. A sua eficácia jurídica resulta, antes, dos próprios fatos, não sendo impróprio afirmar-se, para usar a expressão romana, que o direito, nessa hipótese, é criado rebus ipsis et factis. Nesse mesmo rumo, inclinam-se os seguintes autores: C. A. Lúcio Bittencourt, in O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis, 2ª edição, Forense, 1968, pp. 148/9; Gilmar Ferreira Mendes, in Controle de Constitucionalidade, Saraiva, 1990, pp. 279/280; Marilisa D Amico, in Giudizio Sulle Leggi ed Efficacia Temporale Delle Decisioni di Incostituzionalità, Dott. A. Giuffrè Editore, Milano, 1993, p. 125 e seguintes; Maurice Hauriou, in Notes D Arrèts sur Décisions du Conseil D État et du Tribunal des Conflits, Sirey, Paris, 1929, t. 2º, p. 105 e seguintes. Outra não é a lição recolhida no direito norte americano, consoante se constata da leitura do Corpus Juris Secundum, West Publishing CO., St. Paul, Minn., 1984, v. 16, p. 359, § 108, verbis: This general rule, however, has been greatly modified, is not to be applied in all cases, is not absolutely or universally true, and there are various exceptions thereto. It has been stated that it is affected by several other considerations, that a realistic approach has been eroding this doctrine, that such broad statements must be taken with qualifications, that even an unconstitutional statute is an operative fact, at least prior to a determination of constitutionality, and may have consequences which cannot justly be ignored. Essa, também, é a jurisprudência dos Tribunais dos Estados Unidos da América conforme noticia Oliver P. Field, em sua clássica monografia The Effect Of An Unconstitutional Statute, The University of Minnesota Press, Minneapolis, 1935, p. 2, verbis: In some instances all courts, federal and state, decide by giving effect to unconstitutional statutes, and giving effect to them directly, as such, for the case under consideration; in other instances all courts agree that effect shall be given to such statutes by use of other legal rules or doctrines, such as estoppel, de facto, or clean hands in equity. Ao proferir o seu voto quando do julgamento da Reclamação nº 173- DF (Pleno), disse o eminente Min. José Néri da Silveira, verbis : É indiscutível tratar-se de problema melindroso o que se refere a proteção de certos efeitos decorrentes do cumprimento de leis inconstitucionais. Opõem-se, nesse sentido, restrições à regra de que a lei inconstitucional é nula ab initio, ou como também se expressou, entre nós, a fórmula null and void, irrita e nenhuma. É entendido, nesse particular, que, embora infringente da Constituição, o ato legislativo, assim marcado, é um fato eficaz (it is an operative fact). Estabeleceu-se, segundo certa corrente doutrinária, que, assim como, em direito privado, se protege o ato jurídico, em cuja engendração se insinuou algum vício, mantendo-se-lhe, em parte, os efeitos produzidos, malgrado a sua anulação pelo órgão judiciário – no plano do direito público, igual providência, cale quanto ao ato inconstitucional. Da mesma maneira como se há de tutelar, na esfera do direito privado, em determinados casos, o ato aparente, entende a doutrina, que não qualifica como nula e nenhuma lei inconstitucional, importa seja estendida aos atos em desconformidade com a Constituição igual proteção. Se, na ordem privatista, dentre outras razões, argúi-se a necessidade de proteger a boa-fé dos que tiveram como perfeito ou regular o ato, que se veio a declarar nulo, – no direito público, raciocina-se com a presunção de legitimidade dos atos que, nessa esfera, são emanados. (In RTJ 131/29). E, noutro passo, conclui o ilustre Magistrado, verbis: De outra parte, se é certo que os atos administrativos podem ser anulados pela própria autoridade que os praticou, ou de maior graduação, quando contrários à Constituição ou à lei, conforme amplamente examinou esta Consultoria-Geral, em seu Parecer nº 7, de 24 de julho de 1965, publicado no Diário Oficial do Estado, edição de 24 de setembro de 1965, não menos exato é que, segundo esse princípio, há limites ao poder de revisão do ato administrativo, pela própria Administração. A par do direito adquirido de terceiro, a necessidade de o Estado garantir clima de segurança nas relações sociais e na ordem jurídica, a presunção de legitimidade dos atos da Administração, robustecida notadamente pelo transcurso de largo trato de tempo, desde a prática do ato inquinado de vício, aconselham a manutenção de situações jurídicas novas decorrentes de atos embora contaminados de ilegalidade ou inconstitucionalidade, e, pois, a sua não decretação de insubsistência. (In op. cit., p. 30). Nesse sentido, a jurisprudência do STF em inúmeros julgados (RE nº 85.179-RJ, rel. Min. Bilac Pinto, in RTJ 83/921). 2. Precedentes do STF. 3. Improvimento da apelação. TRF 4ªR. 3ªT., AC 19967102000211-6/RS, Rel. Des. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, DJ de 14.02.2007, atuação de Wagner Advogados Associados.