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CLT, art. 394-A: atividade insalubre e afastamento de gestante e de lactante

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25 de junho, 2019

O Plenário, por maioria, confirmou medida cautelar deferida pelo ministro Alexandre de Moraes (relator) em decisão monocrática e julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da expressão “quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”, contida nos incisos II e III do art. 394-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (1), inseridos pelo art. 1º da Lei 13.467/2017.
O colegiado registrou que, na redação anterior, o preceito estabelecia que a empregada gestante ou lactante seria afastada, enquanto durasse a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres e deveria exercer suas atividades em local salubre.
Com a alteração implementada pela Lei 13.467/2017, que promoveu a “Reforma Trabalhista” de 2017, o art. 394-A passou a permitir que a mulher gestante continuasse a realizar suas atividades mesmo em condições insalubres em grau mínimo ou médio. Ainda mais grave, no caso da lactação, que ela permanecesse a desempenhá-las inclusive em grau máximo de insalubridade. Ademais, criou o ônus à gestante ou à lactante da apresentação de atestado de saúde, emitido por médico de sua confiança, que certificasse a necessidade do afastamento. Essa mudança trouxe a exposição dessas trabalhadoras a atividades insalubres.
A Corte assinalou que a Constituição Federal (CF) proclama, no caput do art. 6º, a proteção à maternidade como direito social, ligado à dignidade da pessoa humana. Essa proteção é a ratio para inúmeros outros direitos sociais instrumentais, como a licença-gestante, o direito à segurança no emprego, que compreende a tutela da relação de emprego contra dispensa arbitrária sem justa causa da gestante, e, nos termos do art. 7º, a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos (inciso XX), e a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (inciso XXII).
Sob essa ótica, a proteção da mulher grávida ou lactante contra o trabalho insalubre caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher quanto da criança. Trata-se de normas de salvaguarda dos direitos sociais da mulher e de efetivação de integral proteção ao recém-nascido, possibilitando sua convivência com a mãe, nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura, sem os perigos de um ambiente insalubre. A imprescindibilidade da máxima eficácia desse direito social também decorre da absoluta prioridade que o art. 227 do texto constitucional (2) estabelece à integral proteção à criança, inclusive ao nascituro e ao recém-nascido lactente.
Há, na hipótese, direito de dupla titularidade. A proteção à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, pela impossibilidade decorrente da distância de centros médicos ou pela própria negligência da gestante ou lactante em apresentar atestado médico, sob pena de prejudicá-la e de prejudicar o recém-nascido. Outras razões poderiam levar a mulher a não apresentar o documento, como, por exemplo, o medo de vir a ser demitida posteriormente ou a pressão para não entregar o atestado.
Dessa forma, as expressões impugnadas não estão em consonância com os dispositivos constitucionais. A previsão do afastamento automático da mulher gestante ou lactante do ambiente insalubre está de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à integral proteção à maternidade e à saúde da criança.
Na espécie, a mudança trazida pela lei pretendeu a inversão do ônus da demonstração probatória e documental da circunstância insalubre, a inversão da proteção à maternidade e ao nascituro ou recém-nascido. Partiu-se erroneamente da lógica de que, em regra, a insalubridade mínima e a média, durante a gestação, e mesmo a máxima, durante a lactação, não causam riscos. Isso desfavorece a plena proteção do interesse constitucionalmente protegido, na medida em que sujeita a empregada a maior embaraço para o exercício de seus direitos. O caso guarda relação com julgado recente em que apreciado o Tema 497 da repercussão geral (RE 629.053) sobre a estabilidade de empregada gestante.
Naquele julgamento, o STF consignou que o conjunto dos direitos sociais foi consagrado constitucionalmente como uma das espécies de direitos fundamentais, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, visando à melhoria das condições de vida dos hipossuficientes e à concretização da igualdade social.
O ministro Edson Fachin frisou que não se trata de reconhecer às mulheres qualquer benesse do ponto de vista constitucional. Por sua vez, o ministro Roberto Barroso acrescentou que a exigência viola o princípio da precaução, que vale também para o ambiente do trabalho, pelo qual, sempre que houver risco ou incerteza, deve ser favorecida a posição mais conservadora e protetiva.
A ministra Rosa Weber expôs o histórico do direito e os principais instrumentos internacionais a respeito. Aduziu que a alteração implica inegável retrocesso social, uma vez que revoga anterior norma proibitória desse trabalho da gestante e lactante, além do menoscabo ao direito fundamental à saúde da mãe trabalhadora, pois transfere ao próprio sujeito tutelado a responsabilidade pela conveniência de atestado indicando a necessidade de afastamento do trabalho. Por seu turno, o ministro Luiz Fux também apontou a inconstitucionalidade por violação à igualdade de gênero, acompanhando o que destacado pelo ministro Alexandre de Moraes (relator) e pela ministra Rosa Weber.
Já o ministro Celso de Mello reforçou os fundamentos trazidos e registrou que a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais, a impedir que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos, degradados ou suprimidos.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que reputou improcedente o pleito formulado na ação. A seu ver, os preceitos encerram tão somente liberdade da mulher prestadora dos serviços, no que prevista a possibilidade de afastamento do ambiente insalubre, e visam atender às exigências do mercado de trabalho para não se criarem óbices à contratação da mão de obra feminina. O ministro afirmou não ser desarrazoada a imposição do atestado médico.
(1) CLT: “Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: (…) II – atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; III – atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação.”
(2) CF/1988: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
(3) CF/1988: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”
STF, Pleno, ADI 5938/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 29.5.2019. Informativo 943.

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