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Anulação de anistia e prazo decadencial (1 – 2)

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12 de novembro, 2019

Anulação de anistia e prazo decadencial – 1
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a possibilidade de um ato administrativo, caso evidenciada a violação direta do texto constitucional, ser anulado pela Administração Pública quando decorrido o prazo decadencial previsto na Lei 9.784/1999. Debate-se, ainda, se uma portaria que disciplina tempo máximo de serviço de militar atende aos requisitos do art. 8º (1) do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) (Tema 839 da Repercussão Geral).
No caso, por meio da Portaria MJ 1.960/2012, o Ministro da Justiça anulou a anistia concedida a ex-cabo da Aeronáutica, dispensado do serviço, na década de 1960, por força da Portaria 1.104/1964-GM3.
Judicializada a questão, o acórdão recorrido concedeu a segurança para declarar a decadência do ato da Administração que anulou portaria anistiadora.
A decisão impugnada assentou que o conceito de autoridade administrativa, a que alude o § 2º do art. 54 da 9.784/1999 (2), não pode ser estendido a todo e qualquer agente público, sob pena de tornar inaplicável a regra geral contida no caput, em favor da decadência. Desse modo, devem ser consideradas como exercício do direito de anular o ato administrativo apenas as medidas concretas de impugnação à validade do ato, tomadas pelo Ministro de Estado da Justiça, autoridade que, assessorada pela Comissão de Anistia, tem competência exclusiva para decidir as questões relacionadas à concessão ou revogação das anistias políticas, nos termos do art. 1º, § 2º, III, da Lei 9.784/1999 (3) c/c o art. 10 e 12, caput, da Lei 10.559/2002 (4). Assim, as NOTAS AGU/JD-10/2003 e AGU/JD-1/2006 não se enquadram na definição de medida de autoridade administrativa no sentido sob exame, haja vista sua natureza de pareceres jurídicos, de caráter facultativo, formulados pelos órgãos consultivos, com trâmites internos, genéricos, os qais não se dirigem, especificamente, a quaisquer dos anistiados.
O ministro Dias Toffoli (relator) deu provimento ao recurso extraordinário para reformar o acordão impugnado e denegar a segurança ao impetrante, ora recorrido, no que foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Afirmou que, por ser matéria de ordem pública, em regra, o prazo decadencial não sofre interrupção ou suspensão. Porém, excepcionalmente, o ordenamento jurídico admite a suspensão do prazo decadencial. É o caso do disposto na parte final do caput do art. 54 da Lei 9.784/1999, que autoriza a anulação do ato administrativo consumado em situações de manifesta má-fé ou de absoluta contrariedade à Constituição Federal.
O art. 54, § 2º, da Lei 9.784/1999, por sua vez, dispõe que a adoção pela Administração Pública de qualquer medida a questionar o ato se mostra bastante a afastar a decadência.
Frisou que, ao contrário do que assentado no acórdão impugnado, as Notas Técnicas da AGU/JD-10/2003 e AGU/JD-1/2006 revelam as iniciativas da Administração Pública no sentido da necessidade de revisão do ato anistiador, constituindo, assim, causa obstativa da alegada decadência.
Ressaltou que a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça editou súmula administrativa reconhecendo indiscriminadamente que todos os cabos da Aeronáutica que houvessem sido licenciados pela implementação do tempo de serviço militar (oito anos) seriam anistiados por ato de natureza exclusivamente política, sendo este o fundamento bastante para o enquadramento na situação do art. 8º do ADCT.
Essa interpretação dada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça conferiu uma presunção de motivação para os atos da Administração Federal consumados com fundamento na Portaria 1.104/1964, implicando em números impressionantes de anistiados na Aeronáutica.
Em procedimento de revisão pelo Grupo de Trabalho Interministerial instituído pela Portaria Interministerial 134/2011, observou-se a manifesta ausência de fato indicativo de ocorrência de punição ou perseguição por motivação política ao recorrido, em conformidade com o exigido no art. 17 da Lei 10.559/2002 (5).
No âmbito do Ministério da Justiça, o ato administrativo que anulou a Portaria Ministerial 2.340/2003, que declarou o recorrido anistiado, foi motivado por sua inadequação à condição de militar anistiado por ato de natureza política, pois seu licenciamento das Forças Armadas se deu em razão do implemento do tempo legal de serviço militar (Portaria 1.104/1964-GM3).
O relator concluiu que o ato de concessão das anistias viola a ordem constitucional, pois não se amolda ao figurino do art. 8º do ADCT, que não agasalha os militares licenciados pelo decurso do tempo, situação que não se reveste de motivação estritamente política.
Destacou que a anistia prevista no art. 8º do ADCT não alcança os militares expulsos com base em legislação disciplinar ordinária, ainda que em razão de atos praticados por motivação política. Esse é o teor da orientação que restou consubstanciada no Enunciado 674 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (STF). Embora o verbete se refira às situações de expulsão, sua razão de decidir alcança, igualmente, os militares que foram licenciados das Força Armadas em razão do implemento do tempo de serviço.
Registrou que a jurisprudência desta Corte é no sentido de que o poder-dever de autotutela autoriza a Administração a proceder à revisão da condição de anistiado político, não havendo que se falar em desrespeito ao princípio da segurança jurídica ou a direito líquido e certo.
No mais, nem mesmo o decurso do lapso temporal de cinco anos é causa impeditiva bastante para inibir a Administração Pública de revisar determinado ato, haja vista que a ressalva da parte final do caput do art. 54 da Lei 9.784/1999 autoriza sua anulação a qualquer tempo, uma vez demonstrada, no âmbito do procedimento administrativo, assegurado o devido processo legal, a má-fé do beneficiário.
Ademais, situações de flagrante inconstitucionalidade não devem ser consolidadas pelo transcurso do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal. Desse modo, não pode haver usucapião de constitucionalidade, pois, a obrigatoriedade da Constituição deriva de sua vigência. Não é possível entender, portanto, que o tempo derrogue a força obrigatória de seus preceitos por causa de ações omissivas ou comissivas de autoridades públicas.
De outro lado, o STF também já decidiu que a Portaria 1.104/1964, por si, não constitui ato de exceção, sendo necessária a comprovação, caso a caso, da ocorrência de motivação político-ideológica para o ato de exclusão das Forças Armadas e consequente concessão de anistia política.
Portanto, o ato administrativo que declarou o recorrido anistiado político não é passível de convalidação pelo tempo, dada a sua manifesta inconstitucionalidade, uma vez que viola frontalmente o art. 8º do ADCT.
Em divergência, o ministro Edson Fachin negou provimento ao recurso extraordinário, no que foi acompanhado pelos ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Celso de Mello.
Pontuou que a Portaria 1.104/1964, editada pela Aeronáutica dentro do contexto do governo militar, veio a modificar as condições para o engajamento e reengajamento dos cabos, de modo a evitar que aqueles que não fossem promovidos ao oficialato pelas vias ordinárias não pudessem permanecer nas fileiras da corporação, devendo ser licenciados ao atingir oito anos de serviço militar, antes, portanto, de alcançar os nove anos de serviço necessários à aquisição da estabilidade.
A controvérsia instaurada junto à Administração Federal reside no questionamento quanto à natureza do ato de exceção de natureza exclusivamente política, apto a subsidiar pedidos de anistia política por parte de ex-cabos que se afirmam prejudicados pelo ato normativo.
A Comissão de Anistia, após debates acerca da efetiva intenção administrativa, ao expedir a Portaria 1.104/1964, dada a motivação de evitar a formação de lideranças entre os cabos que pudessem contestar o novo regime, editou súmula administrativa dispondo que a “Portaria 1.104, de 12 de outubro de 1964, expedida pelo Senhor Ministro de Estado da Aeronáutica, é ato de exceção, de natureza exclusivamente política”. Com base nesse entendimento, diversas anistias foram concedidas a ex-cabos da Aeronáutica, inclusive ao impetrante, que obteve o reconhecimento da sua condição de anistiado político.
Uma vez finalizado o processo administrativo, a autoridade coatora decidiu pela anulação da Portaria concessiva da condição de anistiado ao recorrido, acarretando, como consequência, a perda do direito à percepção de benefício de prestação continuada.
Destacou que o art. 54 da Lei 9.784/1999 estabelece apenas duas causas de interrupção do transcurso do prazo decadencial, que, no caso concreto, seriam a de má-fé do impetrante ao requerer o reconhecimento da condição de anistiado político; ou a existência de medida de autoridade administrativa apta a configurar impugnação à validade do ato.
Entretanto, o motivo para a anulação do ato de concessão da anistia política foi a mudança na interpretação do Ministério da Justiça acerca da natureza da Portaria 1.104/1964, e não eventual conduta maliciosa imputável ao impetrante.
Logo, se não se cogita de má-fé no requerimento de reconhecimento da condição de anistiado político, a causa interruptiva contida na parte final do caput do art. 54 da Lei 9.784/1999 não se aplica à hipótese em comento.
Em relação ao § 2º do art. 54 da Lei 9.784/1999, a recorrente sustenta que a Nota AGU/JD-1/2006 representaria “medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato”, de modo a obstaculizar a passagem do prazo quinquenal para a anulação do ato administrativo favorável ao impetrante.
No ponto, reputou não ser possível que ato de caráter opinativo – até porque não gestou, sozinha, nenhum efeito concreto em relação à anulação da anistia concedida ao anistiado – possa ser considerada como medida de impugnação ao ato administrativo posteriormente anulado.
É preciso ressaltar que o primeiro ato que promoveu impugnação efetiva às anistias concedidas com base na Portaria 1.104/1964 foi a Portaria Interministerial 134/2011, por meio da qual o Ministro da Justiça, conjuntamente com o Advogado-Geral da União, instaurou grupo de trabalho destinado à abertura dos processos administrativos de revisão das anistias concedidas com fundamento no ato exarado pelo então Ministro da Aeronáutica.
As notas e pareceres elaborados por membros da Advocacia-Geral da União, em especial quando não contêm conteúdo vinculante à Administração, não figuram como medida de autoridade apta a obstar a decadência administrativa no presente caso. São instrumentos de caráter genérico, que não se referem à questão específica do impetrante (ou mesmo de outros anistiados) e que apenas sugerem ao Ministro da Justiça que determine à Comissão de Anistia a observância das suas conclusões acerca da insubsistência da interpretação contida na referida súmula administrativa.
Por outro lado, facultar a qualquer agente integrante da Administração Pública a possibilidade de impugnar ato emanado de Ministro de Estado com competência exclusiva para praticá-lo não configura adequada interpretação do § 2º do art. 54 da Lei 9.784/1999. De fato, se apenas o Ministro de Estado da Justiça detém a competência exclusiva para decidir sobre concessão, revisão e revogação das anistias políticas, apenas ele pode ser considerado como autoridade cujas medidas impugnativas prestam-se a obstar o prazo decadencial para anulação de atos já consolidados no tempo
Portanto, facultar à União a consideração de pareceres administrativos internos e genéricos, não prolatados por autoridade com competência para a revisão ou revogação do ato, como medida obstativa ao transcurso do prazo decadencial para anulação de atos administrativos, e ainda sem nenhuma possibilidade de interferência da parte interessada em defender o direito questionado, é entregar o controle da decadência – cuja aferição possui natureza eminentemente objetiva – ao alvedrio da Administração Pública. Tal entendimento coloca o administrado em posição de insegurança e sujeição contrários ao Estado Democrático de Direito que se pretendeu instaurar a partir da Constituição Federal de 1988.
Assim, apenas a Portaria Interministerial 134/2011, de autoria do Ministro da Justiça e devidamente publicizada pelos meios oficiais, poderia representar medida apta a interromper a decadência administrativa. No entanto, no momento de sua publicação, a tornar pública a instauração de processos administrativos de revisão das anistias concedidas, já se havia passado o prazo decadencial desde o ato concessivo da anistia ao recorrido.
O caso em tela não se enquadra, tampouco, na hipótese de flagrante inconstitucionalidade a excepcionar, nos termos da jurisprudência dessa Casa, o transcurso do prazo decadencial.
De fato, da documentação trazida aos autos depreende-se que houve, no âmbito administrativo, intensos debates, de 2003 a 2011, acerca da efetiva natureza da Portaria 1.104/1964. Desse modo, considerar uma flagrante inconstitucionalidade diante de tanto debate seria reconhecer uma inconstitucionalidade que, prima facie, não foi reconhecida.
Assim sendo, não se trata de inconstitucionalidade da concessão da anistia, mas, sim, de uma nova interpretação acerca de atos normativos e fatos aptos ao reconhecimento do efetivo enquadramento como anistiado político.
A questão, no fundo, refere-se a erro da Administração, em decorrência de nova interpretação conferida a fatos ocorridos em 1964. Logo, em não se tratando de inconstitucionalidade flagrante, não há que se cogitar da impossibilidade de configuração da decadência administrativa no caso em tela.
Em seguida, o relator indicou adiamento.
(1) ADCT: “Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.”
(2) Lei 9.784/1999: “Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.”
(3) Lei 9.784/1999: “Art. 1º Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. (…) § 2º Para os fins desta Lei, consideram-se: (…) III – autoridade – o servidor ou agente público dotado de poder de decisão.”
(4) Lei 10.559/2002: “Art. 10. Caberá ao Ministro de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos decidir a respeito dos requerimentos baseados nesta Lei. (…) Art. 12. Fica criada, no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a Comissão de Anistia, com a finalidade de examinar os requerimentos referidos no art. 10 desta Lei e de assessorar o Ministro de Estado em suas decisões.”
(5) Lei 10.559/2002: “Art. 17. Comprovando-se a falsidade dos motivos que ensejaram a declaração da condição de anistiado político ou os benefícios e direitos assegurados por esta Lei será o ato respectivo tornado nulo pelo Ministro de Estado da Justiça, em procedimento em que se assegurará a plenitude do direito de defesa, ficando ao favorecido o encargo de ressarcir a Fazenda Nacional pelas verbas que houver recebido indevidamente, sem prejuízo de outras sanções de caráter administrativo e penal.” STF, Repercussão Geral, RE 817338/DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 9 e 10.10.2019. Informativo 955.

Anulação de anistia e prazo decadencial – 2
No exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas.
Com base nesse entendimento, o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, ao apreciar o Tema 839 da repercussão geral, deu provimento a recurso extraordinário para reformar o acordão impugnado e denegar a segurança ao impetrante, ora recorrido (Informativo 955).
No caso, por meio da Portaria MJ 1.960/2012, o Ministro da Justiça anulou a anistia concedida a ex-cabo da Aeronáutica, dispensado do serviço, na década de 1960, por força da Portaria 1.104/1964-GM3. Judicializada a questão, o acórdão recorrido concedeu a segurança para declarar a decadência do ato da Administração que anulou portaria anistiadora.
A decisão impugnada assentou que o conceito de autoridade administrativa, a que alude o § 2º do art. 54 da 9.784/1999 (1), não poderia ser estendido a todo e qualquer agente público, sob pena de tornar inaplicável a regra geral contida no caput, em favor da decadência. Desse modo, deveriam ser consideradas como exercício do direito de anular o ato administrativo apenas as medidas concretas de impugnação à validade do ato, tomadas pelo Ministro de Estado da Justiça, autoridade que, assessorada pela Comissão de Anistia, tem competência exclusiva para decidir as questões relacionadas à concessão ou revogação das anistias políticas, nos termos do art. 1º, § 2º, III, da Lei 9.784/1999 (2) c/c os arts. 10 e 12, caput, da Lei 10.559/2002 (3). Assim, as notas AGU/JD-10/2003 e AGU/JD-1/2006 não se enquadrariam na definição de medida de autoridade administrativa no sentido sob exame, haja vista sua natureza de pareceres jurídicos, de caráter facultativo, formulados pelos órgãos consultivos, com trâmites internos, genéicos, os quais não se dirigem, especificamente, a quaisquer dos anistiados.
O Plenário afirmou que, por ser matéria de ordem pública, em regra, o prazo decadencial não sofre interrupção ou suspensão. Porém, excepcionalmente, o ordenamento jurídico admite a suspensão do prazo decadencial. É o caso do disposto na parte final do caput do art. 54 da Lei 9.784/1999, que autoriza a anulação do ato administrativo consumado em situações de manifesta má-fé ou de absoluta contrariedade à Constituição Federal.
O art. 54, § 2º, da Lei 9.784/1999, por sua vez, dispõe que a adoção pela Administração Pública de qualquer medida a questionar o ato se mostra bastante a afastar a decadência.
O colegiado frisou que, ao contrário do assentado no acórdão impugnado, as Notas Técnicas da AGU/JD-10/2003 e AGU/JD-1/2006 revelam as iniciativas da Administração Pública no sentido da necessidade de revisão do ato anistiador, constituindo, assim, causa obstativa da alegada decadência.
Ressaltou que a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça editou súmula administrativa reconhecendo indiscriminadamente que todos os cabos da Aeronáutica que houvessem sido licenciados pela implementação do tempo de serviço militar (oito anos) seriam anistiados por ato de natureza exclusivamente política, sendo este o fundamento bastante para o enquadramento na situação do art. 8º do ADCT (4).
Essa interpretação dada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça conferiu uma presunção de motivação para os atos da Administração Federal consumados com fundamento na Portaria 1.104/1964, implicando em números impressionantes de anistiados na Aeronáutica.
Em procedimento de revisão pelo Grupo de Trabalho Interministerial, instituído pela Portaria Interministerial 134/2011, observou-se a manifesta ausência de fato indicativo de ocorrência de punição ou perseguição por motivação política ao recorrido, em conformidade com o exigido no art. 17 da Lei 10.559/2002 (5).
No âmbito do Ministério da Justiça, o ato administrativo, que anulou a Portaria Ministerial 2340/2003 que declarou o recorrido anistiado, foi motivado por sua inadequação à condição de militar anistiado por ato de natureza política, pois seu licenciamento das Forças Armadas se deu em decorrência do implemento do tempo legal de serviço militar (Portaria 1.104/1964-GM3).
A Corte concluiu que o ato de concessão das anistias malfere a ordem constitucional, pois não se amolda ao figurino do art. 8º do ADCT, que não agasalha os militares licenciados pelo decurso do tempo, situação que não se reveste de motivação estritamente política.
Destacou que anistia prevista no art. 8º do ADCT não alcança os militares expulsos com base em legislação disciplinar ordinária, ainda que em virtude de atos praticados por motivação política. Esse é o teor da orientação que restou consubstanciada no Enunciado 674 da Súmula da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal (STF). Embora o verbete se refira às situações de expulsão, sua razão de decidir alcança, igualmente, os militares que foram licenciados das Força Armadas por implemento do tempo de serviço.
Registrou que a jurisprudência desta Corte é no sentido de que o poder-dever de autotutela autoriza a Administração a proceder a revisão da condição de anistiado político, não havendo que se falar em desrespeito ao princípio da segurança jurídica ou a direito líquido e certo.
No mais, nem mesmo o decurso do lapso temporal de cinco anos é causa impeditiva bastante para inibir a Administração Pública de revisar determinado ato, haja vista que a ressalva da parte final do caput do art. 54 da Lei 9.784/1999 autoriza sua anulação a qualquer tempo, uma vez demonstrada a má-fé do beneficiário, no âmbito do procedimento administrativo, assegurado o devido processo.
Ademais, situações de flagrante inconstitucionalidade não devem ser consolidadas pelo transcurso do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal. Desse modo, não pode haver usucapião de constitucionalidade, pois a obrigatoriedade da Constituição deriva de sua vigência. Não é possível entender, portanto, que o tempo derrogue a força obrigatória de seus preceitos por causa de ações omissivas ou comissivas de autoridades públicas.
De outro lado, o STF também já assentou em julgados que a Portaria 1.104/1964, por si, não constitui ato de exceção, sendo necessária a comprovação, caso a caso, da ocorrência de motivação político-ideológica para o ato de exclusão das Forças Armadas e consequente concessão de anistia política.
Portanto, o ato administrativo que declarou o recorrido anistiado político não é passível de convalidação pelo tempo, dada a sua manifesta inconstitucionalidade, uma vez que viola frontalmente o art. 8º do ADCT.
Vencidos os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Celso de Mello, que negaram provimento ao recurso extraordinário.
Asseveraram que o conteúdo do art. 54 da Lei 9.784/1999 estabelece apenas duas causas de interrupção do transcurso do prazo decadencial, que, no caso concreto, seriam a de má-fé do impetrante ao requerer o reconhecimento da condição de anistiado político; ou a existência de medida de autoridade administrativa apta a configurar impugnação à validade do ato.
Entretanto, o motivo para a anulação do ato de concessão da anistia política foi a mudança na interpretação do Ministério da Justiça acerca da natureza da Portaria 1.104/1964, e não eventual conduta maliciosa imputável ao impetrante.
Logo, se não se cogita de má-fé no requerimento de reconhecimento da condição de anistiado político, a causa interruptiva contida na parte final do caput do art. 54 da Lei 9.784/1999 não se aplica ao caso.
Além disso, reputaram não ser possível que nota de caráter opinativo seja considerada como medida de impugnação ao ato administrativo posteriormente anulado.
Para a divergência, o caso em tela não se enquadra, tampouco, na hipótese de flagrante inconstitucionalidade a excepcionar, nos termos da jurisprudência dessa Casa, o transcurso do prazo decadencial.
Da farta documentação trazida aos autos, depreende-se que houve, no âmbito administrativo, intensos debates, de 2003 a 2011, acerca da efetiva natureza da Portaria 1.104/1964. Desse modo, considerar uma flagrante inconstitucionalidade diante de tanto debate seria reconhecer, prima facie, uma inconstitucionalidade que, prima facie, não foi reconhecida.
Vencidos, quanto à fixação da tese, os ministros Rosa Weber e Marco Aurélio.
A ministra Rosa Weber pontuou que não examinou o mérito da questão, pois primeiro seria necessário ultrapassar a decadência, matéria prejudicial.
O ministro Marco Aurélio asseverou que não é possível, em recurso extraordinário, julgar-se, pela primeira vez, determinado conflito que não foi colocado junto à instância de origem.
(1) Lei 9.784/1999: “Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.”
(2) Lei 9.784/1999: “Art. 1º Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. (…) § 2º Para os fins desta Lei, consideram-se: (…) III – autoridade – o servidor ou agente público dotado de poder de decisão.”
(3) Lei 10.559/2002: “Art. 10. Caberá ao Ministro de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos decidir a respeito dos requerimentos baseados nesta Lei. (…) Art. 12. Fica criada, no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a Comissão de Anistia, com a finalidade de examinar os requerimentos referidos no art. 10 desta Lei e de assessorar o Ministro de Estado em suas decisões.”
(4) ADCT: “Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.”
(5)Lei 10.559/2002: “Art. 17. Comprovando-se a falsidade dos motivos que ensejaram a declaração da condição de anistiado político ou os benefícios e direitos assegurados por esta Lei será o ato respectivo tornado nulo pelo Ministro de Estado da Justiça, em procedimento em que se assegurará a plenitude do direito de defesa, ficando ao favorecido o encargo de ressarcir a Fazenda Nacional pelas verbas que houver recebido indevidamente, sem prejuízo de outras sanções de caráter administrativo e penal.” STF, Repercussão Geral, RE 817338/DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 16.10.2019. Informativo 956.

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