logo wagner advogados
Há 40 anos defendendo trabalhadores, aposentados e pensionistas | OAB/RS 1419
Presente em 12 estados.

A exposição decorrente da atividade laboral administrativa em ambiente hospitalar pode ser reconhecida como especial

Home / Informativos / Jurídico /

27 de dezembro, 2022

Trata-se de apelação interposta por segurado em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social, INSS, contra sentença que não reconheceu os períodos por ele trabalhados em condições especiais, indeferindo a aposentadoria requerida e consectários.
O autor requereu administrativamente, em agosto de 2018, o reconhecimento de períodos de trabalho especial e, por via de consequência, a aposentadoria, pois, segundo a compreensão do segurado, já somava o tempo necessário para sua concessão. Como a atividade exercida não foi considerada especial, o tempo mínimo exigido não foi alcançado, tendo seu pedido sido negado pela autarquia previdenciária.
O segurado ajuizou, então, ação ordinária alegando, em sua exordial, que realizava suas atividades laborais na recepção da Casa de Saúde São José, desde 2013, e afirmou estar exposto a agentes nocivos à saúde, de forma habitual e permanente.
Em contestação, o INSS arguiu a ausência de cunho especial e inexistência de riscos de agentes biológicos no labor desempenhado pelo querelante.
O magistrado de primeiro grau, em prol de sua análise do caso, considerou, para fins de caracterização e comprovação do tempo exercido como especial, a norma previdenciária vigente à época na qual a atividade foi exercida pela parte autora (art. 70, § 1.º do Decreto n.º 3.048/99, alterado pelo Decreto n.º 4.827/2003).
Ao julgar o pleito exordial, entendeu pela improcedência do pedido, com base nos laudos técnicos, no Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP e na legislação supracitada.
O autor recorreu e apoiou suas razões recursais na informação do PPP, referente ao Laudo Técnico das Condições Ambientais de trabalho (LTCAT), que constatou o caráter nocivo da exposição diária na recepção do setor de internação.
A relatora, desembargadora federal Simone Schreiber, conheceu do recurso e passou ao exame dos requisitos para concessão de aposentadoria especial, conforme o art. 57 da Lei nº 8.213/1991, que estabeleceu um período de carência de 15, 20 ou 25 anos para quem atuou em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física, de acordo com a ocupação.
Em suas observações, discorreu sobre as alterações sofridas pela lei supramencionada. Originalmente, a lei previa a possibilidade da conversão do tempo de serviço especial exercido em atividade insalubre, penosa ou perigosa, para tempo de serviço comum, além de determinar que a relação de atividades profissionais prejudiciais seria objeto de lei específica (art. 57, §3º e art. 58).
Esclareceu, também, que o simples exercício de uma das atividades profissionais relacionadas, em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física por 15, 20, ou 25 anos (conforme a atividade profissional), importaria em atividade especial, prescindindo de qualquer outra exigência para a obtenção da aposentadoria especial ou da conversão de tempo especial em comum.
Com o advento da Lei nº 9.032/95, que alterou o art. 57 supramencionado, surgiu a necessidade de comprovação das condições insalubres vivenciadas pelo segurado.
Atentou, também, para a Lei nº 9.528/97, que alterou o artigo 58 do regime geral da previdência social – RGPS estipulando que, para a concessão de aposentadoria especial, a relação dos agentes nocivos à saúde, passaria a ser determinada diretamente pelo Poder Executivo; e ainda dispôs sobre os laudos técnicos a serem entregues pelas empresas.
Destacou, ainda, que a legislação aplicável, para fins de verificação da atividade exercida sob condições insalubres deve ser a vigente quando da prestação do serviço e não a da Data de Entrada no Requerimento da aposentadoria (DER). A corroborar tal entendimento, colacionou julgados do STJ sobre o tema.
Diante deste cenário, sintetizou que a apresentação de laudo pericial era desnecessária até 28/04/1995. Após este período, a documentação comprobatória do serviço especial passou a ser feita através de formulários específicos (SB-40 e DSS-8030) até 04/03/1997, quando passou-se a exigir laudo técnico.
Ressaltou, a relatora, a relevância do PPP, como documento histórico-laboral do trabalhador a abarcar toda a trajetória das atividades desempenhadas, registros ambientais, resultados de monitoração biológica e informações administrativas. Elucidou que aquele foi instituído pela MP nº 1.523/96, posteriormente convertida na Lei nº 9.528/97, que, em seu art. 58, § 4º, estabeleceu que “a empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento”.
Apontou o posicionamento desta Corte Regional, no respeitante à possibilidade de que o PPP faça as vezes do laudo pericial (como prova da atividade especial), caso o documento contenha a descrição das atividades desenvolvidas, a exposição a agente nocivo e a identificação do profissional responsável pela avaliação das condições de trabalho.
No que tange à questão da comprovação da efetiva exposição à nocividade, apresentou a decisão de mérito do STF, no ARE 664335, de repercussão geral, na qual se pacificou a tese de que “ o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial” e de que “na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI) não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria”.
Apontou, portanto, que a interpretação adequada do precedente acima é a de que a simples informação do fornecimento do EPI (em PPP) não desvirtua a atividade especial, salvo se suficientemente comprovada a eliminação dos agentes nocivos.
Esclareceu, in casu, que, segundo suas alegações, o autor ocupava cargo na recepção do hospital, desde 2013, com sujeição de forma habitual e permanente a vírus, bacilos e bactérias. Adicionou à inicial, PPP e laudo técnico referentes ao período de 22/04/1993 a 13/06/2018, emitidos pela empresa, e posteriormente ratificados.
A relatora ponderou que o fato de trabalhar em hospital per se não caracteriza a especialidade almejada, havendo, portanto, a necessidade de evidenciar a concreta exposição aos agentes infectocontagiosos normatizados.
E, segundo a compreensão da relatora a esse respeito, a função desempenhada pelo autor não possui o caráter especial, tampouco contato habitual e permanente com material nocivo, uma vez tratar-se de atividade meio, de natureza administrativa.
Diante do exposto, votou no sentido de negar provimento à apelação e pela manutenção da sentença, sendo secundada pelo voto do desembargador federal André Fontes.
Inaugurando a divergência, o desembargador federal Marcello Ferreira de Souza Granado discorreu sobre o PPP, emitido pela Casa de Saúde São José, no qual constava ao requerente a atribuição de auxiliar administrativo/assistente de atendimento, na recepção de internação, com exposição a agentes biológicos.
Um ponto a que deu realce o julgador, foi no concernente à avaliação ambiental de insalubridade do ambiente do segurado, pois o laudo técnico concluiu que: “Os profissionais, no desempenho de suas funções no local periciado, ficam expostos “de modo habitual e permanente, não ocasional e nem intermitente, durante toda sua jornada de trabalho, aos agentes nocivos biológicos, assim como estão enquadrados em atividade insalubre de grau médio, com percentual de 20% de acordo com a Portaria 3214/78, Anexo 14 da NR 15 do Ministério do Trabalho e Emprego”.
Com relação à exposição às toxinas e parasitas infecciosos vivos, destacou que as atividades que envolvem ambiente insalubre por agentes biológicos passam por uma avaliação qualitativa, e se classificam em grau máximo os ambientes como serviço de emergência, ambulatório e contato direto com objetos de uso de paciente sem prévia esterilização, nos termos do anexo nº 14 da Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho nº 15 (NR15).
Da documentação acostada, entendeu o julgador restar suficientemente demonstrada a exposição do autor a agentes biológicos, vez que o PPP fornecido descreve que o autor tinha contato direto com os pacientes enfermos, direcionando-os ao atendimento necessário.
Assinalou, ainda, acerca de várias decisões judiciais que não consideram especial a atividade do trabalhador de setor administrativo ou do atendente/recepcionista do hospital, por exposição aos agentes biológicos.
Esclareceu, todavia, que tal circunstância não significa que o trabalhador que não exerce a atividade fim, embora trabalhe em ambiente hospitalar ou ambulatorial, não possa estar exposto a tais agentes.
Destarte, salientou o julgador: “Nessa seara, há que ser aplicada, portanto, a definição de serviço de saúde que incorpora o conceito de edificação, de modo que todos os trabalhadores que exerçam atividades nessas edificações, relacionadas ou não com a promoção e assistência à saúde, são abrangidos pela norma”.
Nesse diapasão, concluiu que também pode ser reconhecida como especial, a exposição decorrente da atividade que não implique em manipulação direta e deliberada de agente nocivo como objeto principal do trabalho. Visando a corroborar tal entendimento, colacionou diversos julgados, em igual sentido.
O desembargador ressaltou questão valorosa quanto à duração da exposição aos agentes biológicos, para fins de caracterização da especialidade. Sustentou que a sujeição não precisaria estar presente durante toda a jornada: “se há agente nocivo no ambiente da recepção por apenas um minuto por meio de gotículas de saliva ou outro meio de contágio e pode existir a transmissão, o tempo deve ser reconhecido como especial”.
Visando a robustecer este posicionamento – em referência à habitualidade e permanência da exposição – trouxe à baila julgado desta Corte, em voto conduzido pelo desembargador federal Messod Azulay Neto, no qual se lê: “Especificamente no caso de agentes biológicos, entendo que a intermitência não afasta a especialidade. Isso porque, para haver dano à saúde do trabalhador, basta um único contato com o agente nocivo. Ainda que a efetiva exposição a agentes biológicos pudesse não ocorrer durante todas as horas da jornada de trabalho, o fato é que o risco de contágio inerente às atividades desempenhadas – para o qual basta um único contato com o agente infeccioso – e, consequentemente, o risco permanente de prejuízo à saúde do trabalhador, por certo caracterizam a especialidade do labor”.
O desembargador federal reconheceu a especialidade do período de 22/04/1993 a 13/06/2018, constatando um total de 25 anos, 1 mês e 22 dias até a DER (14/08/2018), o que viabilizou a concessão da aposentadoria requerida.
Quanto aos atrasados do benefício previdenciário, observou que “o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade – CF/1988, art. 5º, XXII -, uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina (RE nº 870.947/SE, em repercussão geral, rel. min. LUIZ FUX, DJe de 20/11/2017 – Tema 810). Na sessão de julgamento do dia 03/10/2019, o Plenário do STF, ao julgar embargos de declaração no RE nº 870.947, adotou o entendimento de que não cabia a modulação pretendida pelos entes públicos, no sentido de que a decisão de mérito passasse a ter eficácia apenas a partir de março/2015, havendo ressaltado que, caso a eficácia da decisão fosse adiada, restaria configurada uma afronta ao direito de propriedade dos jurisdicionados, pois teriam seus débitos corrigidos por uma regra que o próprio Supremo considerou inconstitucional, tendo ocorrido o trânsito em julgado em 03/03/2020”.
Nesses termos, reviu seu posicionamento, passando a reconhecer que as condenações impostas à Fazenda Pública, de natureza previdenciária, devem ser corrigidas, até a edição da Lei nº 11.960/2009, com juros e correção monetária de acordo com o item 4.3 do Manual de Cálculos da Justiça Federal de 2013 e, após, os atrasados devem continuar sendo atualizados monetariamente segundo o INPC, acrescidos de juros moratórios segundo a remuneração da caderneta de poupança, na forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997.
Inverteu o ônus de sucumbência nos termos do art. 85, § 4º, II, do CPC, mas esclareceu que o INSS é isento de custas no Estado do Rio de Janeiro, de acordo com o § 1º do artigo 8º da Lei nº 8.620/93, dispositivo que apenas é aplicável às demandas que tramitam na Justiça Federal, como no caso dos autos.
Diante da votação não unânime, a sessão foi sobrestada na forma do art. 942 do CPC.
Após a retratação da desembargadora federal Simone Schreiber acompanhando a divergência, a 2ª turma especializada decidiu, por maioria, dar provimento à apelação do autor, nos termos do voto do relator para acórdão, desembargador federal Marcello Granado. TRF 2ªR., 2ª Turma Especializada, AC 5044101-38.2018.4.02.5101, Rel. Des. SIMONE SCHREIBER, Decisão em 14/06/2022. Informativo TRF2 nº 245.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *