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Direito de greve e carreiras de segurança pública

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09 de maio, 2017

O exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública.
É obrigatória a participação do Poder Público em mediação instaurada pelos órgãos classistas das carreiras de segurança pública, nos termos do art. 165 do Código de Processo Civil (CPC), para vocalização dos interesses da categoria.
Com base nessas orientações, o Plenário, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário com agravo interposto contra acórdão que concluiu pela impossibilidade de extensão aos policiais civis da vedação do direito à greve dos policiais militares.
Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes. Para ele, a interpretação teleológica dos arts. 9º, 37, VII, e 144 da Constituição Federal (CF) veda a possibilidade do exercício de greve a todas as carreiras policiais previstas no citado art. 144. Não seria necessário, ademais, utilizar de analogia com o art. 142, § 3º, IV, da CF, relativamente à situação dos policiais militares.
Esclareceu que a Constituição tratou das carreiras policiais de forma diferenciada ao deixá-las de fora do capítulo específico dos servidores públicos. Segundo o ministro, as carreiras policiais são carreiras de Estado sem paralelo na atividade privada, visto que constituem o braço armado do Estado para a segurança pública, assim como as Forças Armadas são o braço armado para a segurança nacional. Diversamente do que ocorre com a educação e a saúde — que são essenciais para o Estado, mas têm paralelo na iniciativa privada —, não há possibilidade de exercício de segurança pública seja ostensiva pela Polícia Militar, seja de polícia judiciária pela Polícia Civil e pela Polícia Federal, na União. Em outras palavras, não há possibilidade de nenhum outro órgão da iniciativa privada suprir essa atividade, que, por si só, é importantíssima e, se paralisada, afeta ainda o exercício do Ministério Público e do próprio Poder Judiciário.
Por isso, considerou que a segurança pública, privativa do Estado, deve ser tratada de maneira diferenciada tanto para o bônus quanto para o ônus. Observou, no ponto, que uma pessoa que opta pela carreira policial sabe que ingressa num regime diferenciado, de hierarquia e disciplina, típico dos ramos policiais. É um trabalho diferenciado, por escala, com aposentadoria especial, diverso das demais atividades do serviço público. Os policiais andam armados 24 horas por dia e têm a obrigação legal de intervenção e realização de toda e qualquer prisão em flagrante delito. Devem cuidar ainda da própria segurança e de sua família, porque estão mais sujeitos à vingança da criminalidade organizada do que qualquer outra autoridade pública. Justamente em razão dessas peculiaridades, o ministro registrou a impossibilidade de os policiais participarem desarmados de reuniões, manifestações ou passeatas.
Frisou que, ao analisar os anais da Constituinte relativamente ao art. 144 da CF e às carreiras policiais, verificou uma dupla finalidade nas discussões constituintes: a) atender aos reclamos sociais para uma melhor segurança pública, tendo em vista que no Brasil ocorrem cerca de 58 mil mortes violentas por ano, sendo 52 mil homicídios dolosos; e b) reduzir a possibilidade de intervenção das Forças Armadas em questões internas, a fim de evitar eventuais retornos autoritários à democracia.
As carreiras policiais, que representam o braço armado do Estado, são responsáveis por garantir a segurança pública e a democracia. Portanto, não se pode permitir que realizem greve. Entretanto, segundo o ministro, tem-se verificado a necessidade, cada vez maior, da garantia de lei e ordem, ou seja, de utilização das Forças Armadas em defesa da segurança pública, situação que a Constituição buscou evitar com o equacionamento e com a colocação de carreiras policiais como carreiras de Estado permanentes ao exercício democrático.
Ponderou não se tratar, no caso, de um conflito entre o direito de greve e o princípio da continuidade do serviço público ou da prestação de serviço público. Há um embate entre o direito de greve, de um lado, e o direito de toda a sociedade à garantia da segurança pública, à garantia da ordem pública e da paz social, de outro. Quanto a esse aspecto das carreiras policiais, deve ser valorada, no atual conflito, de forma muito mais intensa, a questão da segurança pública, da ordem pública e da paz social. Afinal, eventuais movimentos grevistas de carreiras policiais podem levar à ruptura da segurança pública, o que é tão grave a ponto de permitir a decretação do estado de defesa (CF, art. 136) e, se o estado de defesa, em noventa dias, não responder ao anseio necessário à manutenção e à reintegração da ordem, a decretação do estado de sítio (CF, art. 137, I).
Portanto, a prevalência do interesse público e do interesse social na manutenção da ordem pública, da segurança pública, da paz social sobre o interesse de determinadas categorias de servidores públicos — o gênero servidores públicos; a espécie carreiras policiais — deve excluir a possibilidade do exercício do direito de greve por parte das carreiras policiais, dada a sua incompatibilidade com a interpretação teleológica do texto constitucional, em especial dos arts. 9º, § 1º; e 37, VII da CF.
Ademais, para o ministro, é viável conciliar as previsões constitucionais sem aniquilar o direito de greve dos servidores públicos. Frisou que a CF prevê a possibilidade de greve do gênero servidores públicos. E, mesmo assim, a lei pode estabelecer restrições e limites, sejam parciais ou, para determinadas carreiras que são espécies dos servidores públicos, totais. Não se está, dessa forma, a aniquilar o direito de greve dos servidores públicos, mas a afirmar que, dentro dessa razoabilidade que a própria Constituição trouxe, não é possível o exercício do direito de greve por determinadas carreiras, como as policiais.
Concluiu que, apesar de se referir à greve “lato sensu” da atividade privada, o art. 9º da CF aplica-se também na interpretação do art. 37, VII, da CF. A manutenção da segurança pública e a defesa da vida, da incolumidade física, do patrimônio de toda a sociedade, da atividade de polícia judiciária, a alavancar a atividade do Ministério Público e da própria Justiça criminal, são, “prima facie”, necessidades inadiáveis da comunidade (CF, art. 9º, § 1º). Da mesma forma, o art. 37, VII, da CF prevê termos e limites ao exercício de greve. Ao compatibilizar o art. 144 da CF às razões já ditas, para colocação de um artigo específico para carreiras policiais — como braço armado do Estado —, percebe-se que a própria Constituição já traz, quanto às carreiras policiais, a relatividade do exercício do direito de greve dos servidores públicos. A CF garante o direito de greve ao gênero servidores públicos, com limites e nos termos que a lei estabelecer, e, em relação à espécie carreiras policiais, não possibilita esse exercício, sob pena de total desrespeito ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
O ministro Roberto Barroso acrescentou que, apesar de os policiais civis não poderem exercer o direito de greve, é indispensável que essa categoria — que, no interesse público, sofre a restrição de um direito fundamental — possa vocalizar as suas reivindicações de alguma forma. De “lege ferenda”, afirmou ser perfeitamente possível que, ao mesmo passo em que se veda o direito de greve a policiais civis, seja estabelecida uma vinculação a outra categoria para que eles se beneficiem de reivindicações de categorias afins, que não sejam, entretanto, nem de segurança pública nem portem armas. De “lege lata”, à luz do direito vigente neste momento, reputou que a alternativa está contida no art. 165 do CPC.
Vencidos os ministros Edson Fachin (relator), Rosa Weber e Marco Aurélio, que negavam provimento ao recurso. STF, Pleno, ARE 654432/GO, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 5.4.2017. Inf. 860.

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